domingo, 29 de abril de 2012

quinta-feira, 26 de abril de 2012

Charge de Néo Correia


Grandes Momentos Do Jornalismo: O que um jornalista no Banheiro mandou dizer ao dono do jornal

Paulo Nogueira

Lorde Beaverbrooks
Lorde Beaverbrook foi o maior barão da imprensa da Inglaterra na primeira metade do século 20. Foi a era de ouro dos jornais – que não enfrentavam ainda a concorrência da televisão e do rádio. Nascido no Canadá, ele se mudou para Londres em 1904. Era jovem, mas já fizera fortuna no ramo dos seguros por conta de sua extraordinária capacidade de gerar dinheiro.
Depois da Primeira Guerra Mundial, Beaverbrook  começou a construir uma rede de jornais que se mostraria extraordinariamente influente entre os britânicos.  Fortuna ele já tinha antes de investir em imprensa. Mas ele queria mais: reputação. Os jornais lhe dariam exatamente isso: prestígio. Títulos de Beaverbrooks como Evening Standard e Daily Express comandavam a agenda política e econômica inglesa. Em 1950, o Daily Express era o jornal mais vendido do mundo, com uma circulação de quase 4 milhões de exemplares.
Excepcional alpinista político, Beaverbrooks acabaria sendo uma das pessoas mais próximas do primeiro ministro Winston Churchill. Acompanhou Churchill aos Estados Unidos em algumas visitas ao presidente americano Franklin Roosevelt, de quem acabaria também se tornando amigo pessoal. Como quase todo barão da imprensa, Beaverbrook tinha sua lista negra – desafetos que não deveriam receber nenhuma cobertura de seus jornais. Um dos listados era o escritor e cineasta Noel Coward. Numa cena de um filme em que um um destróier inglês afundava, Coward colocou um exemplar do Daily Express flutuando nas águas do mar.
Beaverbrook, nos anos 1930, quase derrubou com seus jornais o líder do Partido Conservador Stephen Baldwin. Baldwin defendia o protecionismo econômico, e Beaverbrook queria para a Inglaterra um regime de livre comércio na plenitude.No fragor do conflito, Baldwin pronunciaria um discurso que se tornaria célebre. Segundo alguns, o texto era de autoria do escritor Rudyard Kipling, primo de Baldwin. “Alguns jornais não são jornais no sentido estrito da palavra, mas motores de divulgação de mutantes idéias, caprichos, gostos, simpatias e antipatias de seus proprietários”, disse Baldwin. “O que esses donos estão buscando não é o poder, mas o poder sem responsabilidade, algo que ao longo da história foi prerrogativa das prostitutas.” Com este discurso épico, Baldwin calou Beaverbrooks, e se manteve na liderança dos conservadores.
Beaverbrooks, que se fazia chamar de “Senhor”, era um chefe absolutamente controlador. Num único dia, ele enviou 147 ordens a seus editores. Seus assistentes recebiam ordens de passar instruções aos editores mesmo quando estes estavam no banheiro.
Numa ocasião, um assistente de Beaverbrooks bateu na porta do banheiro que um editor estava usando para avisar que tinha um recado do dono. Veio uma resposta que entraria na história do jornalismo inglês como um dos grandes momentos vividos nas redações: “Diga ao Senhor que estou cagando, e só consigo lidar com uma merda por vez.”
Clap, clap, clap. Aplausos. De pé.
No Diário do Centro do Mundo

terça-feira, 24 de abril de 2012

Charges na rua


O cinema mais antigo ainda em funciona no país

 
Olympia de Belém é considerado o cinema mais antigo em funcionamento no País desde que se considere que sempre esteve no mesmo lugar e não parou as suas atividades por muito tempo. Mesmo assim, a sala foi fechada no dia 16 de fevereiro de 2006 pelo seu atual proprietário, Luis Severiano Ribeiro Neto. A alegação foi de que dava prejuízo. Mas a queda de freqüência a cinema nos dois últimos anos não é um fenômeno isolado e sim internacional. E não é inédito nem se pode dizer irreversível. São muitas as crises que atingiram as salas exibidoras ao longo dos anos, como a do inicio da década de 50 quando a televisão ameaçou a exibição cinematográfica de tal forma que foi preciso apelar para recursos técnicos como o cinemascope, o vista-vision, o cinerama, uma série de processos que aumentaram o tamanho da imagem e com isso passaram a concorrer com o novo meio de expressão.
 
O Olímpia foi fundado no dia 24 de abril de 1912 pelos empresários Carlos Teixeira e Antonio Martins, donos do Grande Hotel (onde hoje está o Hilton Hotel) e do Palace Theatre (na mesma quadra). Eles queriam fazer do cinema um ponto “chique” para atrair os freqüentadores do Theatro da Paz e, obviamente, os hóspedes de seu hotel.

Sala de espera do Olympia em 1912

Uma das atrações foi a colocação da tela logo na entrada, com os espectadores passando pelas laterais.

No fim dos anos 30 a empresa Teixeira & Martins não suportou os encargos financeiros e vendeu o cinema, e outros que controlava, ao banqueiro Adalberto Marques. Criou-se a “Cia. Cinematográfica Paraense Ltda”. Uma firma de vida curta. Em 1946 Marques vendeu todos esses cinemas ao exibidor cearense Luís Severiano Ribeiro, já dono de salas em diversos Estados.
Em 1953 os estudantes de Belém encabeçaram piquete para a reforma do Olimpia, bastante deteriorado na época. Severiano Ribeiro respondeu comprando um terreno na Av, Nazaré e anunciando que ali construiria o Cinema S. Luís “o maior do norte do Brasil”. Mas não só o novo cinema ficou nisso como o Olimpia permaneceu maltratado. Só em 1960, depois de inaugurado nove meses antes o cinema Palácio, é que recebeu os requisitos de conforto como poltronas estofadas e ar condicionado.

No correr dos anos pouco se fez pelo prédio e suas instalações. Durante o tempo em que gerenciou a empresa Ribeiro, o sr. Adalberto Augusto Affonso foi incansável pedindo recursos para mantê-lo digno de uma tradição. Hoje o cinema atravessava uma fase sem brilho, embora ainda atraísse os fãs. Depois da medida extrema de Ribeiro Neto, o prefeito Duciomar Costa resolveu atender aos apelos da sociedade que compareceu em massa à sessão de despedida, assinando um contrato com o proprietário da casa para mantê-la, por três anos, como espaço cultural.

sexta-feira, 20 de abril de 2012

Tiradentes – a rebelião contra a opressão e a espoliação estrangeira do Brasil

Tiradentes - A rebelião contra a opressão e a espoliação estrangeira do BrasilÉ um sábado, 21 de abril de 1792. Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro. Faz sol, o céu está limpo. Uma multidão acompanha ansiosa a cena trágica: uma forca, um homem com uma corda em volta do pescoço. Muitos soldados cercam o patíbulo para que ninguém se aproxime. Um padre lembra que não se deve trair a rainha, nem em pensamento. O homem olha para o povo e ergue os olhos para o céu azul, reiteradas vezes, enquanto aguarda o momento fatal. De repente, o povo silencia. O homem é empurrado para o espaço. Os tambores rufam. A platéia solta um grito terrível. Tudo está consumado. Um corpo sem vida balança no ar.

Tudo começara três anos antes, quando um grupo de homens de Vila Rica, Minas Gerais, resolveu rebelar- se contra a opressão da Coroa Portuguesa. Nessa época, o principal produto que os invasores levavam do Brasil era o ouro, abundante nas terras mineiras. Em torno do ouro formou-se uma sociedade composta por mineradores, latifundiários, escravos negros, brancos pobres e um setor médio integrado por pequenos comerciantes, pequenos mineradores e funcionários do governo.

Os mineradores tinham de pagar um quinto do ouro extraído, à Coroa. A partir de 1750, com a queda da produção, foi estabelecida uma quota fixa de imposto, de cem arrobas de ouro, aproximadamente 1.500 kg. Quando a quota não era atingida, o governo da Província mandava arrecadar o que faltasse, de toda a população. Todos pagavam, fossem ou não mineradores, ricos ou pobres. A insatisfação era grande e generalizada.

Na Capitania das Minas Gerais, enquanto poucos enriqueciam, os escravos trabalhavam em condições subumanas para extrair o ouro e “milhares de homens viviam na miséria, passando fome, vagando sem destino pelos arraiais” (Laura de Mello e Souza, em Os Desclassificados do Ouro). Até os grandes mineradores viviam revoltados porque, além do imposto sobre o ouro, tinham de comprar a Portugal, que por sua vez importava da Inglaterra, tudo de que precisavam. Em 1785, a rainha de Portugal proibiu o funcionamento das indústrias brasileiras que, embora engatinhando, já forneciam tecidos, produtos de couro, ferramentas, moendas e armas brancas, a preço muito menor do que os ingleses. Com o acordo imposto pela Inglaterra a Portugal, os colonos passaram a gastar muito mais para adquirir tais produtos.

 

A revolta transforma-se em movimento


No final de 1788, os homens mais ricos, desesperados com o endividamento e informados de que o governo iniciaria a derrama cobrança do imposto em ouro em meados do ano seguinte, começam a falar em revolta. A população pobre também estava preocupada, pois sabia que a cobrança também recairia sobre ela. Aproveitando esse clima, um grupo de pessoas do setor médio poetas, padres, militares e mineradores começam a dar corpo a um Movimento pela Independência. Eles eram influenciados pelas idéias procedentes da França e dos Estados Unidos da América do Norte. Este havia proclamado sua independência da Inglaterra, em 4 de julho de 1776, após obter vitória na guerra civil; na França, estava em andamento a Revolução Burguesa que espalhava pelo mundo as idéias de Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Do grupo de conjurados mineiros, participava um homem do povo que viria a ser nosso herói.

 

Quem era Tiradentes


Joaquim José da Silva Xavier nasceu em 1746, próximo a Vila Rica. Aos onze anos ficou órfão de pai e mãe e foi morar com seu padrinho que lhe ensinou a profissão de dentista, origem do seu apelido. Aos 20 anos trabalhou como tropeiro, transportando mercadorias numa tropa de burros entre Minas Gerais e o Rio de Janeiro. Numa dessas viagens, defendeu um escravo que estava sendo castigado, o que lhe valeu um processo. Para pagar as multas e as custas processuais, teve de vender sua tropa de burros. Trabalhou como minerador e, aos 30 anos de idade, sentou praça na 6a Companhia de Dragões, posteriormente Regimento de Cavalaria de Vila Rica. Tornou-se alferes, posto equivalente hoje a 2o tenente.

Insatisfeito por nunca ter sido promovido, apesar de ser dedicado e bravo, pediu licença do Regimento em 1787, aos 41 anos de idade, para tentar implantar projetos de canalização de água no Rio de Janeiro. Ele não era engenheiro, mas tinha vocação e muita capacidade prática, já tendo à época dirigido a construção de estradas. Entretanto, não conseguiu apoio financeiro para seus projetos.

Um desses contatos, em busca de apoio, mudou o rumo da vida de Tiradentes. Foi o seu encontro com José Álvares Maciel, filho de grande comerciante e fazendeiro de Vila Rica. Em vez de lhe emprestar dinheiro, Álvares Maciel propôs que ele participasse do movimento para libertar as Minas Gerais. Não era difícil medir a disposição de Tiradentes para a tarefa, pois nas suas viagens como tropeiro, militar e nessa última em busca de nova profissão, por onde passava ele falava contra a dominação portuguesa. Entusiasmado, Tiradentes volta para Vila Rica e integra-se ao grupo que está preparando a conjuração.

 

Liberdade, ainda que tarde – o que queriam os revoltosos


Proclamar a Independência e constituir uma República; desenvolver a agricultura, a pecuária, a indústria e a mineração; implantar uma Universidade; anular as dívidas com a Coroa Portuguesa. Esperavam que a vitória repercutisse no Rio de Janeiro, provocando um levante popular, mas estavam preparados para defender a sua República, mesmo sem a adesão de outros lugares. Tiradentes foi o único a defender a libertação dos escravos

 

Um exemplo de bravura e dignidade


A conjuração mineira tinha participantes oportunistas cuja única preocupação era se livrar das dívidas. Um deles, Joaquim Silvério dos Reis, resolveu denunciar o movimento, em troca do perdão de suas dívidas. O governador suspendeu a derrama e ordenou a prisão dos conjurados. O processo durou três anos. Todos foram condenados à forca, mas tiveram suas penas reduzidas por ordem da rainha Manoel Tiradentes, de Portugal. Apenas Lisboa justamente o homem do povo, teve confirmada a sentença de morte.

É importante refletir sobre o comportamento de Tiradentes na prisão e nos interrogatórios a que foi submetido, para conhecer a sua têmpera revolucionária. Ele foi apontado pelos outros como o a g i t a d o r, o r e s p o n s á v e l p e l o movimento. Alguns zombaram dele, classificando-o de louco, de rústico. Até o famoso poeta Tomás Antônio Gonzaga escreveu um verso na prisão, em que dizia: “Ama a gente assisada/ a honra, a vida, o cabedal tão pouco/ que ponha uma ação destas/ nas mãos de um pobre sem respeito e louco?”. Todos procurando agradar às autoridades, para livrarem-se da m o r t e . Ti r a d e n t e s t e v e u m comportamento exemplar: não entregou ninguém, assumiu toda a responsabilidade pela revolta, não devolveu as zombarias. Uma dignidade extraordinária.

A sentença que o condenou à forca foi cruel. Além da morte, determinou que “sua cabeça fosse cortada, levada a Vila Rica e pregada em lugar público até que o tempo a consumisse. O corpo, dividido em quatro partes a serem pregadas em postes pelos caminhos onde ele pregara a Revolução. Declarou infames os seus filhos e netos. Determinou o confisco dos seus bens; que a casa fosse destruída e no lugar fosse jogado muito sal, para que nada mais se edificasse”. Ao ouvir a confirmação de tal sentença, afirmou serenamente Tiradentes: “Se dez vidas tivesse, as dez vidas eu daria”.

As classes dominantes queriam atemorizar o povo, para que nunca se revoltasse. Pelo contrário, ficou o exemplo de dignidade, de bravura, da capacidade de dar a vida por uma causa justa, para que todos tenham vida e liberdade.

 

Tiradentes vive na luta


A burguesia apropriou-se indevidamente do nome de Tiradentes, elegendo-o, inclusive, como patrono da Polícia Militar, a mesma que continua sendo instrumento das classes dominantes para reprimir os sem-terra, os sem-teto, todos aqueles que lutam por seus direitos e se revoltam contra a opressão. É mais uma traição a Tiradentes, um herói do povo brasileiro. A Independência, pela qual ele deu a vida, ainda não foi conquistada. A derrama que motivou a Conjuração Mineira hoje acontece através da cobrança da dívida externa, que passou de US$ 148 bilhões em 1994 para US$ 235 bilhões em 1999. No ano passado (1998), 64% do orçamento da União foram destinados ao pagamento de amortizações, juros e serviços das dívidas externa e interna. A proibição do funcionamento das indústrias brasileiras acontece em nossos dias através do favorecimento aos grandes monopólios capitalistas estrangeiros com isenção de impostos e outros benefícios; com a entrega do patrimônio público ao grande capital estrangeiro e nacional (privatizações), da liberação de taxas sobre produtos importados. Tudo isso gera o fechamento das pequenas e médias indústrias nacionais, provocando desemprego, fome e miséria. Como na época de Tiradentes, o Brasil continua sendo espoliado pelo capital estrangeiro e os trabalhadores vivem na miséria, desempregados e vendo seus direitos desrespeitados. Por isso mesmo, vemos crescer em todas as partes deste país o mesmo sentimento de revolta que animou os revolucionários de Minas Gerais.

Vila Rica, hoje, é o Brasil inteiro. Que todo o povo se levante num movimento de libertação e derrube as classes dominantes e seus “Joaquim Silvério dos Reis” que governam o Brasil, construindo uma nova sociedade onde haja terra, trabalho e vida digna para todos. Tiradentes, nosso herói, estará iluminando esse caminho, juntamente com tantos bravos que tombaram na luta através da nossa História. A liberdade nunca é tardia.
“Liberdade, essa palavra
Que o sonho humano alimenta
Que não há ninguém que explique
E ninguém que não entenda”
(Cecília Meireles)
Luiz Alves
(Publicado no Jornal A Verdade, nº 6 )

Charge da semana


quinta-feira, 19 de abril de 2012

terça-feira, 17 de abril de 2012

O massacre de Eldorado dos Carajás: se calarmos, as pedras gritarão!

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O massacre de Eldorado dos Carajás
Joana está perto de completar 15 anos de idade e, como todas as adolescentes, pensa numa bela festa. Mas sabe que seu olhar refletirá um misto de alegria e tristeza, porque ela sabe da história. Pensa que seu pai poderia ter sido um dos 21 mortos naquela fatídica data. 17 de abril de 1996. Ela nasceu no ano seguinte, quando as lembranças ainda eram muito fortes e lhe marcaram desde a gestação.

Foi no começo de março de 1996 que 1.500 famílias ocuparam a fazenda Macaxeira, situada em Eldorado dos Carajás, Pará. O camponês não pode viver sem terra para trabalhar, para produzir o alimento necessário ao sustento da família. A fazenda ocupada era utilizada para pasto, 40 mil hectares destinados ao lucro de um só proprietário, o Paulo Pinheiro. Mas o Incra considerava a terra como produtiva, portanto não poderia desapropriá-la. Diante disso, o MST programou uma caminhada até Belém para as famílias convencerem o Incra de que elas tinham razão. Mil e cem camponeses puseram o pé na estrada, a rodovia PA-50, no dia 16 de abril.

Governava o Estado do Pará o Sr. Almir Gabriel (PSDB). Seu Secretário de Segurança, Paulo Sette Câmara, mandou a Polícia Militar desobstruir a estrada, em nome do direito de ir e vir. Direito de quem? Dos veículos, conduzindo mercadorias, madeiras e minérios roubados da Amazônia? E as pessoas não têm esse direito constitucional?

Não houve diálogo. Os policiais já chegaram lançando bombas de gás lacrimogêneo. Não houve confronto. O que poderiam ferramentas de trabalho contra armas de fogo? Houve, sim, resistência pacífica. Os sem-terra não aceitaram parar a caminhada. O coronel Mário Pantoja de Oliveira deu a ordem de fogo! As balas choveram sobre os trabalhadores. Dezenove morreram no local, mais de 70 ficaram feridos, dos quais dois faleceram posteriormente. Mas não foram apenas as balas. A Perícia Judicial atestou que dez camponeses foram executados e sete deles apresentavam ferimentos de foices e facas. Além de matar, os policiais tentaram lançar a culpa nos próprios sem-terra.

Um Processo Inglório

A repercussão do massacre foi enorme, tanto no país como no exterior. O então Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, do mesmo partido do governador do Pará, pediu a prisão imediata dos responsáveis. Mas ninguém foi preso. Para não ser injusto, registremos que o coronel Pantoja passou 30 dias em prisão domiciliar.

Só isso, apesar de José Gregori, chefe de gabinete do Ministro da Justiça, Nélson Jobim, ter dito em alto e bom som: “ O réu desse crime é a polícia, que teve um comandante que agiu de forma inadequada”. Ele falou após assistir ao vídeo do massacre, pois foi tudo filmado. O coronel Mário Pantoja disse que cumpriu ordem do Secretário de Segurança e este confirmou que havia autorizado a polícia a “usar os meios necessários, inclusive a atirar”. Ricardo Marcondes de Oliveira, outro fazendeiro da região informou que dias antes contribuíra com uma coleta organizada pelo dono da fazenda Macaxeira e sabia que se destinava ao dito coronel da PM. Propina. Mesmo assim nenhum fazendeiro foi indiciado. Nem o governador e seu secretário, que assumiu ter autorizado o massacre. Sintomático!

Indiciados foram os 155 PMs que participaram da operação. O Ministério Público denunciou-os por homicídio, mas o inquérito foi mal feito. Não existe no direito penal brasileiro punição coletiva. Precisaria que as armas tivessem sido periciadas para identificar de onde partiram os tiros que ocasionaram as mortes. O próprio Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro, considerou o inquérito repleto de imperfeições técnicas e determinou que a Polícia Federal o refizesse, mas não adiantou muito.
O massacre de Eldorado dos Carajás

O juiz de Primeira instância convocou júri popular, mas só dois policiais foram condenados: o coronel Mário Pantoja, a 228 anos de prisão, e o major José Mário Pereira, a 158 anos. Mas não cumpriram nem um. Tiveram o direito de recorrer em liberdade e vêm recorrendo indefinidamente. Quinze anos depois, o processo está parado, aguardando julgamento de Agravo de Instrumento no Supremo Tribunal Federal (STF). O promotor Marco Aurélio Nascimento, que atuou no caso, comenta: “As decisões de primeira instância não são cumpridas, e as pessoas ficam recorrendo. No Brasil, há uma infinidade de recursos. Os processos nunca se encerram”.

Vitoriosos, sim!

Se no processo judicial só houve decepção (mas qual é mesmo o papel do Poder Judiciário em nossa sociedade? Sobre o assunto, leia A Verdade nº137), os camponeses foram vitoriosos, sim. 18 mil hectares da Fazenda Macaxeira foram desapropriados, e assentadas 690 famílias. Hoje, vivem na área em torno de 6 mil pessoas, praticando a agricultura de subsistência, criando vacas de leite e pequenos animais. Avaliando toda a história, afirma o assentado Iedimar Rodrigues (depoimento ao jornal Brasil de Fato): “…Foi uma coisa difícil até conseguirmos. Mas depois foi só alegria e muito trabalho porque fomos capazes de transformar nossas vidas”. “Hoje, consegui arrumar minha família, tenho casa. O que temos, devemos aos companheiros que foram mortos”, acrescenta o assentado Miguel Pontes.

O renomado arquiteto Oscar Niemeyer projetou uma homenagem aos Sem-Terra mortos. O Monumento Eldorado Memória, inaugurado no dia 7 de setembro de 1996 em Marabá (PA) foi destruído dias depois. Quem teria sido responsável pelo ato terrorista? Alguém ousa responder? Niemeyer não se surpreendeu: “Já esperava. Aconteceu o mesmo quando levantamos o monumento em homenagem aos operários mortos pelo Exército na ocupação da Companhia Siderúrgica Nacional em Volta Redonda”, disse o arquiteto.

17 de abril tornou-se Dia Nacional de Luta pela Terra. E nesse mês, o Movimento dos Sem-Terra (MST) promove ocupações e manifestações em todo o país. É o Abril Vermelho! Então, uma vida, muitas vidas valem um sonho!

“…Canudos, Contestado, Caldeirão, Candelária, Carandiru, Corumbiara, Eldorado dos Carajás… Se calarmos, as pedras gritarão” (Pedro Tierra)

José Levino

Retirado do Jornal A Verdade

segunda-feira, 16 de abril de 2012

By Latuff (Fórmula 1 in Bahrain)

#BoycottFormula1inBahrain

A cúpula das "Guayaberas"

Obama, o primeiro Presidente negro dos Estados Unidos ―sem dúvida inteligente, bem instruído e bom comunicador―, fez pensar a não poucas pessoas que era um êmulo de Abraham Lincoln e Martin Luther King.

Há cinco séculos uma Bula Papal, aplicando conceitos da época, destinou por volta de 40 milhões de quilômetros quadrados de terra, águas interiores e costas a dois pequenos e belicosos reinos da península Ibérica.

Ingleses, franceses, holandeses e outros importantes Estados feudais foram excluídos da partilha. Intermináveis guerras não tardaram em se desatar, milhões de africanos foram convertidos em escravos ao longo de quatro séculos e as culturas autóctones, algumas delas mais avançadas do que as da própria Europa, foram desfeitas.

Há 64 anos foi criada a repudiável OEA. Não é possível passar por alto o grotesco papel dessa instituição. Um elevado número de pessoas, que talvez somem centenas de milhares, foram sequestradas, torturadas e desaparecidas como consequência de seus acordos para justificar o golpe contra as reformas de Jacobo Árbenz, em Guatemala, organizado pela Agência Central de Inteligência ianque. América Central e o Caribe, incluída a pequena ilha de Granada, foram vítimas da fúria intervencionista dos Estados Unidos através da OEA.

Mais grave ainda foi seu nefasto papel no âmbito da América do Sul.

O neoliberalismo, como doutrina oficial do imperialismo, cobrou uma inusitada força na década de 70 quando o Governo de Richard Nixon decidiu frustrar o triunfo eleitoral de Salvador Allende no Chile. Começava uma etapa verdadeiramente sinistra na história da América Latina. Dois altos chefes das Forças Armadas chilenas, leais à Constituição, foram assassinados e Augusto Pinochet imposto na chefia do Estado, após uma repressão sem precedentes em que numerosas pessoas selecionadas foram torturadas, assassinadas e desaparecidas.

A Constituição do Uruguai, um país que se mantivera durante muitos anos no marco da institucionalidade, foi varrida.

Os golpes militares e a repressão se espalharam a quase todos os países vizinhos. A linha de transporte aéreo cubana foi alvo de brutais sabotagens. Um avião foi destruído em pleno voo com todos seus passageiros. Reagan pôs em liberdade o autor mais importante do monstruoso crime de uma cadeia na Venezuela, e o enviou para El Salvador a organizar o intercâmbio de drogas por dinheiro para a guerra suja contra a Nicarágua, que custou dezenas de milhares de mortos e mutilados.
Bush pai e Bush filho, protegeram e exoneraram de culpa aos implicados nesses crimes. Seria interminável a lista de desmandos e atos terroristas cometidos contra as atividades econômicas de Cuba ao longo de meio século.

Hoje, sexta 13, escutei valentes palavras pronunciadas por vários dos oradores que interviram na reunião de chanceleres da chamada Cúpula de Cartagena. O tema dos direitos soberanos da Argentina sobre Las Malvinas ―cuja economia é brutalmente golpeada ao ser privada dos valiosos recursos energéticos e marítimos dessas ilhas―, foi abordado com firmeza. O chanceler venezuelano Nicolás Maduro, ao concluir a reunião de hoje, declarou com profunda ironia que: “do Consenso de Washington se passou para o Consenso sem Washington”.

Agora temos a Cúpula das guayaberas*. O rio Yayabo e seu nome indígena, totalmente reivindicado, passarão à história.

Fidel Castro Ruz
 
13 de Abril de 2012
 
21h40

*Guayabera: Camisa tradicional cubana.

Estado Futebolístico de Exceção


Da Folha de São Paulo


O país vira instrumento para nutrir o caixa da Fifa, entidade privada suíça; desafiar a zona de exclusão comercial perto de estádios pode dar até prisão

O manifesto dos tenentes rebelados em São Paulo, em 1924, denunciava: "O Brasil está reduzido a verdadeiras satrapias, desconhecendo-se completamente o merecimento dos homens e estabelecendo-se como condição primordial, para o acesso às posições de evidência, o servilismo contumaz".

Passados 88 anos, um anacrônico servilismo emoldura as iniciativas nas 12 cidades-sede da Copa de 2014 e nas alterações legais que o Congresso Nacional está votando para receber o megaevento.
Sobra subserviência, falta transparência: os compromissos do governo com a Fifa, assinados em 2007, seguem cercados de mistério. As informações sobre gastos e etapas das obras, nos portais oficiais, são contraditórias e incompletas.

O processo de remoção de moradias, que pode afetar 170 mil pessoas, desrespeita o princípio do "chave por chave", que diz que ninguém pode ser despejado de sua casa sem receber outra, próxima e melhor.

O projeto da Lei Geral da Copa -bem mais do que uma "lei do copo de cerveja" nas partidas- transforma o Brasil em protetorado de interesses mercantis.

Ele "expulsa de campo" a legislação nacional que regula concorrência, patentes, direitos do consumidor, transmissões esportivas, gastos orçamentários, publicidade, punição a delitos e até calendário escolar. A lei das licitações já fora "escanteada" pelo Regime Diferenciado de Contratações. Uma entidade privada internacional impõe legislação excepcional, garantindo isenções fiscais a mais de mil produtos!

O projeto aprovado na Câmara assegura megaprivilégios à Fifa. O Inpi vira um "cartório particular", com regime especial para pedidos de registro de "marcas de alto renome" apresentadas pela entidade.
Libera-se uma associação suíça de direito privado do pagamento de custos e emolumentos exigidos a todos que requerem registro de marca no Brasil. Trata-se de uma renúncia fiscal longa e onerosa!

O projeto afronta até um preceito defendido pelos liberais de todos os matizes: o da livre iniciativa.

Isto é evidenciado ao se "assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir, vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços, bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos locais oficiais de competição, nas suas imediações e principais vias de acesso".

Prevê-se também que será objeto de sanções -como prisão de três meses a um ano- a "oferta de provas de comida ou bebida, distribuição de panfletos ou outros materiais promocionais (...), inclusive em automóveis, nos locais oficiais de competição, em suas principais vias de acesso ou em lugares que sejam claramente visíveis a partir daqueles".

O "Estado Futebolístico de Exceção" cria suas "zonas de exclusão".

A União fica também obrigada a disponibilizar, sem quaisquer custos para a Fifa, "a segurança, serviços de saúde, vigilância sanitária e alfândega e imigração".

Além de disponibilizar gratuitamente todos esses serviços para um evento privado, o Brasil também se responsabiliza por quaisquer acidentes que venham a ocorrer.

A Fifa, que ganhou na África do Sul mais de R$ 7,2 bilhões só com radiodifusão e marketing, "marca sob pressão" as nossas autoridades. Em 2011, já faturou R$ 1,67 bilhão com vendas vinculadas à Copa de 2014. Medidas provisórias poderão ser editadas "na prorrogação" para garantir os resultados esperados.

No lugar de caixinha de surpresas, o futebol se transforma em um instrumento para nutrir a caixa-registradora da Fifa e dos seus sócios.

CHICO ALENCAR, 62, historiador, é deputado federal pelo PSOL-RJ

de Chico Caruso


domingo, 15 de abril de 2012

Charge da semana


de Chico Caruso


By Latuff (Fórmula 1 in Bahrain)



Curió: piloto viu pessoas caindo de avião da FAB

A possibilidade de que corpos de ex-guerrilheiros ainda possam ser encontrados é considerada quase nula numa casa situada na avenida Almirante Barroso, em Belém. Em uma pequena vila, o aposentado I.V., de 92 anos, se deixa levar por lembranças que julgava enterradas, sepultadas em uma memória que tentou apagar imagens de uma manhã perdida nos anos 70. O aposentado foi testemunha de uma das possíveis atrocidades cometidas por Sebastião Curió no combate à guerrilha do Araguaia. I.V. lembra ter visto seis pessoas sendo jogadas de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) nas matas do Araguaia. Seriam lembranças que não viriam à tona não fosse a série de reportagens do Diário do Pará a respeito da trajetória de Sebastião Curió. Ao ler as reportagens, I.V. decidiu contar o que viu. “Ele passou a semana agitado”, diz a filha do aposentado. “Dizia que precisava falar a respeito do tal major Curió”.

Na década de 70, I.V. trabalhava como copiloto de um avião Catalina que transportava carne de gado do município de Conceição do Araguaia a Belém. Num desses transportes, testemunhou, sem saber exatamente o que ocorria, a maneira como os inimigos de Curió eram tratados. “Nós decolamos de Conceição do Araguaia às 6h. Recebemos, logo depois da subida, uma mensagem da torre de controle de Marabá informando que não deveríamos voar usando os instrumentos. Tínhamos de usar o sistema manual e na orientação visual”.

A justificativa era que um avião da FAB fazia operações na área. O comandante Macedo, que pilotava o avião, começou a voar abaixo das nuvens para facilitar a visualização. Quando sobrevoavam as matas do Araguaia, viram o avião da FAB. “Começamos a ver uma coisa estranha. Estavam jogando coisas do avião”. A cena era macabra. “Primeiro foi um, depois mais dois, em seguida mais dois e no final mais um”, enumera o aposentado. O comandante Macedo ainda embicou a aeronave para que os dois pudessem observar melhor o que se passava. Aos poucos, ficou claro que eram pessoas que estavam sendo arremessadas do interior do avião. Seis pessoas no total.

Em Marabá, enquanto faziam a manutenção da aeronave, piloto e copiloto foram abordados por um sargento, chefe do Destacamento de Marabá que, passando por problemas de saúde, pedia carona a Belém. “Damos a carona se o senhor nos explicar o que foi que vimos”, condicionou o comandante Macedo. O sargento concordou em contar os fatos, desde que nada do que fosse conversado fosse revelado, dissecando, a seguir, o plano executado por Curió.

Às 5h, ele ordenou que seis mulheres integrantes da guerrilha fossem acordadas porque participariam de um passeio. “A cozinha não está funcionando ainda”, lhe respondeu o soldado. “Não tem problema, assim elas não enjoam”, retrucou Curió. As seis guerrilheiras teriam sido atiradas vivas do avião. Uma imagem que ficou compartilhada em segredo por I.V. e o comandante Macedo. Anos depois, Macedo morreria num acidente de avião. I.V. esqueceria aos poucos aquela manhã dos anos 70. “Quando li o primeiro artigo que fala da negativa do juiz de Marabá, pensei que só o Supremo Tribunal Federal pode resolver essa questão, mas sei que não vai ser possível encontrar nada dessas moças. Nunca mais”, diz o aposentado.

I.V. não quer ser identificado. Recusa que se façam fotos. Viu algo que sempre foi uma suspeita dos que buscam resgatar a história do fim da guerrilha. “É um novo olhar sobre esse episódio”, diz Paulo Fonteles Filho, que integra a comissão que busca encontrar as ossadas dos guerrilheiros mortos na região. “Quando li as reportagens, tudo veio de novo, todas as imagens”, diz o aposentado. “Eu precisava falar”. É o exemplo a ser seguido. (Ismael Machado/Diário do Pará)

quinta-feira, 12 de abril de 2012

ZUZU ANGEL: “OBRA DOS MESMOS ASSASSINOS DO MEU AMADO FILHO”

Zuleika Angel Jones (1923 – 1976)

Número do processo: 237/96
Data e local de nascimento: 05/06/1923, Curvelo (MG)
Filiação: Francisca Gomes Netto e Pedro Netto
Organização política ou atividade: denúncia da morte do filho como resultado de torturas.
Data e local da morte: 14/04/1976, Rio de Janeiro (RJ)
Relator: Luís Francisco Carvalho Filho

Deferido em: 25/03/1998 por 4×3 (votos contra do general Oswaldo Pereira Gomes, Paulo Gonet Branco e João Grandino Rodas)

“Se algo vier a acontecer comigo, se eu aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”. O trecho da carta escrita em 23/04/1975 pela estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como Zuzu Angel, entregue ao compositor Chico Buarque e outros amigos, representou uma verdadeira premonição a respeito de sua morte um ano depois.

Zuzu Angel morreu em 14/04/1976, num acidente automobilístico à saída do túnel Dois Irmãos, no Rio de Janeiro. A suspeita de que esse acidente tivesse sido provocado envolveu imediatamente todas as pessoas bem informadas sobre o que era o aparelho de repressão política do regime militar. Mas foi somente através da CEMDP que se tornou possível elucidar os fatos. Restou provado que sua morte foi desdobramentoe conseqüência da morte de seu filho Stuart Edgard Angel Jones, em 1971, caso já apresentado neste livro-relatório.

Profissional de sucesso – vestia atrizes como Liza Minnelli e Joan Crawford –, Zuzu conseguiu transformar o desaparecimento de seu filho Stuart num acontecimento que provocou forte desgaste internacional para o regime militar brasileiro. Com isso, despertou a ira dos porões da ditadura, que passaram a vê-la como ameaça. Buscando incansavelmente o paradeiro do filho, esteve nos Estados Unidos com o senador Edward Kennedy; furou o cerco da segurança norte-americana e conversou com Henry Kissinger, em visita ao Brasil; prestou detalhado depoimento ao historiador Hélio Silva; escreveu ao presidente Ernesto Geisel, ao ministro do Exército Sylvio Frota, ao cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e à Anistia Internacional. Em um de seus desfiles, estampou os figurinos com tanques de guerra e anjos tristes. Quando começou a receber ameaças de morte, alertou os amigos.

Zuzu estava absolutamente sóbria na noite do acidente e uma semana antes tinha feito revisão completa em seu carro que, sem aparente motivo, desviou-se da estrada, capotando diversas vezes em um barranco. A análise das fotos e dos laudos periciais, as inúmeras contradições e omissões encontradas no inquérito e depoimentos de testemunhas oculares compuseram uma base robusta para a decisão da CEMDP reconhecendo a responsabilidade do regime militar por mais essa morte de opositor político.

De início, o relator do caso na Comissão Especial recomendou o indeferimento, que só recebeu dois votos contrários. Mas a família de Zuzu decidiu exumar o corpo e entrou com recurso, levando o relator a mergulhar na investigação dos novos dados. A exumação foi realizada por Luís Fondebrider, da Equipe Argentina de Antropologia Forense. Foram também apresentadas novas testemunhas, entre elas o advogado Carlos Machado Medeiros – filho de um ex-ministro da Justiça de Castello Branco – que trafegava pela estrada Lagoa-Barra da Tijuca e forneceu uma declaração escrita afirmando que : “(…) dois veículos abalroaram o Karmann Ghia azul de uma pessoa que, logo depois, na manhã seguinte, constatei ser Zuzu Angel”.

Com medo de represálias, contou apenas aos amigos. Três deles confirmaram integralmente essa declaração perante o relator, Luís Francisco Carvalho Filho, que não conseguiu falar pessoalmente com o advogado Carlos Medeiros, que também sofreu um acidente automobilístico causador de graves seqüelas e problemas de memória.

Outros depoimentos, recolhidos na segunda fase do processo, foram o da psiquiatra Germana Lamare – a quem Zuzu contou estar sendo ameaçada de morte – e de Marcos Pires, estudante residente na Barra da Tijuca que escutou o ruído do acidente e, ao chegar ao local, já encontrou uma dúzia de carros oficiais, a maioria da polícia, ao redor do automóvel destruído de Zuzu. As informações foram relatadas em uma carta enviada a Hildegard, filha de Zuzu e colunista do jornal O Globo. Mais tarde, em depoimento prestado a Nilmário Miranda em 12/02/1996, ele admitiu ter presenciado o acidente:

“Eu só vi um carro saindo (do túnel) e logo em seguida um outro carro que emparelha com esse carro. (…) Eu vi quando o carro que ultrapassa o carro da direita (…) abalroa este carro (…) e faz com que ele caia a uma distância que estimei na hora em cinco metros (…)”. A versão de Marcos Pires contrariava frontalmente o laudo oficial do acidente e praticamente dirimiu todas as dúvidas.

Em seu voto final pela aprovação do requerimento, Luís Francisco recuperou as inúmeras contradições do caso, que o levaram a contratar Valdir Florenzo e Ventura Raphael Martello Filho, especialistas em perícias de trânsito em São Paulo, para analisar os documentos policiais.

Em relatório minucioso eles argumentam: “Ao reexaminar o laudo original, duas circunstâncias chamaram minha atenção. Em primeiro lugar, o documento é instruído com 16 fotografias mas, aparentemente, nenhuma delas se destinava a mostrar, especificamente, as marcas da derrapagem (28 metros) na pista e as marcas da atritagem nos pneus dianteiros. Em algum lugar, na perspectiva de um observador leigo, surgiram as seguintes indagações: o meio-fio da direita seria um obstáculo capaz de provocar uma mudança de trajetória tão drástica como a que foi descrita? Levando-se em consideração que, segundo os próprios peritos, o meio-fio é de altura normal e que, segundo as fotos que instruem o laudo da época estava visivelmente coberto por vegetação rasteira, o veículo, naquela trajetória, não iria simplesmente transpor o obstáculo? (…)”.

Os peritos também descartaram a possibilidade de Zuzu ter dormido ao volante: “a dinâmica pretendida pelo laudo correspondente ao exame do local é absolutamente inverossímil. Primeiro porque um veículo jamais mudaria de direção abruptamente única e tão somente por conta do impacto de qualquer de suas rodagens contra o meio-fio, qual seria galgado facilmente, projetando-se o veículo pelo talude antes de chegar ao guarda-corpo do viaduto.

Segundo porque, sendo o meio-fio direito da auto-estrada perfeita e justamente alinhado com o guarda-corpo do viaduto, mesmo que o veículo se desviasse à esquerda, tal como o sugerido pelo laudo, desviar-se-ia do guarda-corpo, podendo, se muito, chocar o extremo direito da dianteira. Terceiro porque, mesmo que se admitisse a trajetória retilínea final, nos nove metros consignados pelo laudo, tendo-se em conta que o veículo chocou a dianteira esquerda e que não havia mais nada à direita, a não ser a rampa inclinada da superfície do talude, teríamos que aceitar que as rodas do lado direito ficariam no ar e o veículo perfeitamente em nível até que batesse no guarda-corpo, o que, evidentemente seria impossível”.

Em 1987, Virgínia Valli, publicou o livro “Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho – a verdadeira história de um assassinato político”.

Em 2006, o diretor Sérgio Rezende levou às telas a cine-biografia da estilista Zuzu Angel, interpretada pela atriz Patrícia Pilar. A música que Chico Buarque e Miltinho compuseram, em 1977, em sua homenagem, evoca a dor de Zuzu e uma das versões existentes para o desaparecimento do corpo do filho Stuart – jogado de helicóptero no Atlântico –, mencionando também os figurinos que ela apresentou no desfile com o motivo de anjos:

Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar

>>Retirado do livro Direito à Memória e à Verdade<<

Para que nunca mais se esqueça, para que nunca mais aconteça!

Tacacá

(Luiz Gonzaga)

Quem vai a Belém do Pará,
desde a hora em que sai
não se esquece de lá,
quer voltar.

Lembrar o açaí, o tacacá,
que saudade que dá
de Belém do Pará!

Orar na Matriz de Belém,
conversar com alguém,
como é bom recordar!

Jesus em Belém foi nascer,
eu quisera morrer
em Belém do Pará.

Tá aqui tucupi,
tem mais o jambu,
também camarão.
Quem quer tacacá?

>>pra ouvir é só acessar o link: http://www.youtube.com/watch?v=-hSCzDedkXQ&feature=youtu.be <<

quarta-feira, 11 de abril de 2012

via Twitter

Se a imprensa chama Cachoeira de "empresário do ramo de jogos" deveria chamar Beira mar de "empresário do ramo de entorpecentes" @CarlosLatuff

Charges na rua


By Latuff


domingo, 8 de abril de 2012

Dois mil índios waimiri-atroari contrários à rodovia desapareceram durante regime militar no Brasil

Eles não estão na lista oficial de desaparecidos políticos, nem de vítimas de violação de direitos humanos durante o regime militar no Brasil, mas foram considerados empecilhos para o desenvolvimento e guerrilheiros e inimigos do regime militar
ELAÍZE FARIAS


O indigenista e ex-missionário Egydio Schwade, 76, revela os episódios que envolveram a violenta ocupação das terras dos waimiri-atroari. (CLOVIS MIRANDA / ACRITICA)

Eles não estão na lista oficial de desaparecidos políticos, nem de vítimas de violação de direitos humanos durante o regime militar no Brasil, mas foram considerados empecilhos para o desenvolvimento e guerrilheiros e inimigos do regime militar. Por resistirem à construção de uma estrada (a BR-174, que liga Manaus a Boa Vista) que atravessaria seu território, sofreram um massacre.

Entre 1972 e 1975, no Estado do Amazonas, dois mil indígenas da etnia waimiri-atroari sumiram sem vestígios. Um número infinitamente superior aos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, no Pará. Esta população cuja história permanece obscura ainda povoa a memória dos sobreviventes waimiri-atroari (ou Kiña, como se autodenominam).

 “O massacre aconteceu por etapas e envolveu diferentes órgãos do regime militar”, diz o indigenista e ex-missionário Egydio Schwade, 76, um dos principais agentes da mobilização que tenta tornar público este episódio e provocar a inclusão dos waimiri-atroari nas investigações da Comissão Nacional da Verdade, criada em novembro de 2011 pela Presidência da República.

Desde o início de 2011, Schwade passou a divulgar uma série de artigos em seu blog http://urubui.blogspot.com.br sobre os episódios que envolveram a violenta ocupação das terras dos waimiri-atroari.

Panfleto
 
O recrudescimento contra os waimiri-atroari nunca foi negado pelo regime militar. Registros sobre os métodos dos militares para dissuadir (ou pacificar, como foi batizada a estratégia de convencimento) os indígenas a aceitar a construção da estrada estão em vários documentos e podem ser encontrados em declarações dadas a jornais na época tanto por militares quanto por funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai).

Panfleto denominado “Operação Atroaris” que circulava na época, chegou a qualificá-los de “guerrilheiros”. Um trecho do panfleto, escrito em versos, dizia: “Estais cercado, teus momentos estão contados; vê na operação esboçada que o teu fim está próximo”.

Alfabetização
 
Egydio Schwade teve acesso às informações sobre o desaparecimento dos waimiri-atroari à medida que se tornava mais próximo e ganhava a confiança dos indígenas no período em que viveu com sua família na aldeia Yawará, onde chegou em 1985 e iniciou o processo de alfabetização em Kiñayara, língua da etnia.

O indigenista, que reside no município de Presidente Figueiredo e sobrevive como  apicultor, conta que, após dois anos vivendo entre os waimiri-atroari, foi expulso pela Funai. Ele acredita que isto ocorreu justamente porque os indígenas começaram a revelar os acontecimentos da época da construção da rodovia. Para ele, a Funai, tanto na época quanto atualmente, foi omissa e até mesmo contribuiu com a opressão e a violência  contra os indígenas.

Silêncio
 
“Queremos que as populações indígenas não sejam esquecidas pela Comissão da Verdade. Os waimiri-atroari, assim como os Parakanã, no Pará, e os Suruí e os Cinta Larga, em Rondônia, foram perseguidos pelo regime militar, que tinha como estratégia ocupar suas terras. Os índios resistiram e foram mortos. Que seja neutralizado o silêncio que domina estes casos”, alerta Egydio Schwade.

Ele diz que o que o incomoda é o silêncio da Funai em relação a este assunto, atualmente escondido por detrás das ações mitigadoras que foram implementadas nos anos 80, com a criação do Programa Waimiri-Atroari, uma parceria com a Eletronorte, como forma de compensar os impactos ambientais e sociais causados pela construção da Hidrelétrica de Balbina. A usina alagou grande parte do território dos waimiri-atroari.

Funai
 
O Coordenador do Programa Waimiri-Atroari, José Porfírio Carvalho, que é citado nos artigos de Egydio Schwade e acusado de participação, como indigenista, nas ações contra os waimiri-atroari, foi procurado por email (que consta no site do Programa Waimiri-Atroari) três dias antes do fechamento desta matéria, mas não retornou o contato. No telefone da sede do programa, 3632-1007, ninguém atendeu.

A assessoria de imprensa da Funai também foi procurada e enviou a seguinte resposta: “A Funai está acompanhando as discussões sobre o assunto e vai trabalhar pela defesa dos direitos dos povos indígenas também nesse caso”.

O decreto (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12528.htm) que criou a Comissão Nacional da Verdade é de dezembro de 2011. A assessoria de imprensa da Casa Civil da PR disse ao jornal A CRÍTICA que “quando a comissão começar a investigar, serão analisados todos os casos de desaparecidos, independente da etnia”.

Neste mês, a Câmara dos Deputados criou uma Comissão da Verdade paralela, como resposta à demora da Presidência da República em demorar em instalar a Comissão Nacional da Verdade.

Pacificação
 
O projeto de construção da BR-174 (Manaus-Boa Vista), que era defendido pelo governador do Amazonas, Danilo Areosa, começou em 1968. A obra passaria por dentro do território dos indígenas, que não foram consultados e se opuseram ao empreendimento. Paralelamente, foram iniciadas medidas de “pacificação” dos indígenas, envolvendo padres (o mais conhecido foi o P. Calleri, morto pelos índios) e indigenistas da Funai.

A estratégia envolvia tentativas de diálogos, mas foi a presença de soldados e funcionários da Funai e o uso de armas (metralhadoras, revólveres, dinamite e até gás letal) os principais meios de “convencimento” dos indígenas.

Estimativa de população de waimiri-atroari feita pelo P. Calleri era de 3 mil pessoas no final dos anos 60. Nos anos seguintes, este número baixou para mil pessoas, sem que um registro de morte fosse feito, segundo Schwade.

A partir de 1974 as estatísticas da Funai começaram a referir números entre 600 e mil pessoas e, em 1981, restavam apenas 354, conforme pesquisa feita por Egydio.

Pelo menos uma das várias aldeias desaparecidas foi bombardeada por gás letal. Um sobrevivente waimiri-atroari que foi aluno de Egydio se recordou “do barulho do avião passando por cima da aldeia e do pó que caia”.

Nos anos 80, após a repercussão internacional das mobilizações contra os impactos causados pela Hidrelétrica de Balbina, o Banco Mundial condicionou o financiamento da obra, que alagou terras dos waimiri-atroari, à criação de um programa de mitigação da sua população.

O programa começou a ser implementado em 1988, com duração de 25 anos sob a gestão da Eletronorte. O prazo expira em 2013. Após o programa, a população de waimiri-atroari voltou a crescer.

O acesso aos waimiri-atroari é difícil. A reportagem tenta desde o ano passado ir ao local, mas a resposta recorrente da coordenação do Programa é que os indígenas “estão em festa ou caçando”.

Desaparecido
 
O único amazonense integrante da lista oficial de desaparecidos durante a ditadura é o Thomaz Meirelles, nascido em Parintins em 1937. Militante de esquerda, a última notícia que se soube de Meirelles data de 1974.

A reportagem entrou em contato com a viúva de Meirelles, a jornalista Miriam Malina, que vive atualmente no Rio de Janeiro, mas ela não quis dar declarações sobre o assunto nem sobre a Comissão da Verdade. Miriam afirmou que “enquanto não souber a composição da Comissão” prefere não se manifestar.
Amigo e companheiro na época do Centro Popular de Cultural, Euclides Coelho de Souza, 76, defende a urgência em dar visibilidade ao desaparecimento de Meirelles, sobretudo entre os mais jovens. “Ele foi um importante líder do movimento estudantil nos anos 60. Foi para a luta e o mataram. Os estudantes do Amazonas precisam conhecer sua história. Pressionar o poder público. Este assunto não pode ficar em brancas nuvens”, disse Souza, por telefone, do Paraná, onde mora.

Thomaz Meirelles morou em Manaus desde 1950, mas no final daquela década se mudou para o Rio de Janeiro, onde passou a se envolver com movimento estudantil. Fez parte da União Brasileira de Estudantes Secundaristas (UBES). Em 1963 ganhou uma bolsa para uma faculdade em Moscou, onde conheceu sua esposa. Quando retornou, seu envolvimento com o movimento se intensificou. A perseguição política ficou mais dura e Meirelles passou a viver na clandestinidade. Há informações de que foi torturado e então desapareceu. Seu corpo nunca foi encontrado.

sábado, 7 de abril de 2012

Charge Alpino


Como se trata uma mulher fálica

 Trate uma mulher fálica com empenho

A ame de uma forma poética

Beije-a e se mostre envolvente

A conquiste e a deixe sem saída

Acorde ela de um jeito doce

Mostre que você entende sobre existencialismo e fenomenologia.

Coma bem ela.

Abraçe-a e faça com que ela nunca mais se sinta só

Fale sobre o universo, sobre o cosmos, os buracos negros

A faça sentir viva!

Lhe deixe só na vontade alguma vez.

A descreva de forma lírica

Sinta, beba, cheire, engula ela

Deixe-a em dúvida

Elogie ela sempre

Diga sua opinião sobre o conflito arabe-israelense

Instigue, surpreenda

Faça ela saber de verdade o que é o amor livre

Mostre que você é capaz de fazer ela não querer mais ninguém

Leve-a para conhecer toda a América Latina de moto

A apoie sempre e a ajude a crescer

Mostre aceitação incondicional e confie na sua tendência atualizante

Faça ela ter esperança, acreditar na mudança

A faça gozar, arrancar os cabelos, mudar todos os planos


Peça para ela ficar, faça ela querer ficar.

Diga a ela coisas lindas, a deixe sem ar

Prove que Freud estava errado

Trate-a como uma rainha

A deixe esperando algumas vezes

Xingue-a e sinta raiva dela

Mas nunca, nunca mesmo

A trate como uma mulher submissa

Porque se você fizer isso

Ela provavelmente deixará toda compostura de lado

E quebrará a sua cara!

Então nem seu pau enorme terá mais utilidade para ela

Cecília Richter

By Latuff


Charge de Chico Caruso


Uma breve história de Brasília


By Latuff


sexta-feira, 6 de abril de 2012

Charges na rua


"O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo", diz Erwin Kräutler, bispo do Xingu

Há dias viajando de barco pelas comunidades ribeirinhas, bispo do Xingu diz: "A promessa que Lula me fez pessoalmente no dia 22 de julho de 2009 foi pura mentira"
05/04/2012

Leonardo Boff

Dom Erwin Kräutler trabalha há dezenas de anos na região do Xingu. Sempre defendeu os indígenas. Sofreu até um atentado que quase o matou. Mas nunca desistiu. Assumiu a causa dos povos da floresta ao redor de Belo Monte. Somos velhos amigos, porque juntos demos palestras em sua terra, a Áustria, e tomávamos rapé, a melhor coisa para não pegar gripe e dormir bem. Ele ainda continua com o o rapé como o Papa Pio X que não passava uma hora sem tomar rapé.

Aqui Dom Erwin elaborou um texto de denúncia, texto veraz de quem vive a tragédia humana e ecológica que significa Belo Monte. As autoridades não informam a população. Negam e até distorcem os fatos.

Mas eu prefiro crer nesse homem, austríaco, que assumiu a cidadania brasileira e indígena, que acompanha o povo e corre sempre risco de vida.

Vamos ao testemunho impressionante dele publicado pela página do IHU

Dom Erwin Kräutler

Há doze dias vivo a bordo do barco “Teresinha”. Estou visitando as comunidades do interior de Porto de Moz. Não há telefone e muito menos existe acesso à Internet. Faz um bem enorme ficar de vez em quando sem essas comodidades. Tem-se a impressão de estar em outro planeta. Mas as pessoas queridas que encontro ao longo da viagem e que há décadas conheço e amo são a prova de que continuo no mesmo planeta Terra e na “minha terra” que é o Xingu.

A primeira vez que singrei as águas dos rios, furos e lagos de Porto de Moz foi em janeiro de 1968. Lembro os antepassados do povo que agora me abraça. Revejo em muitos rostos os traços de seus avós. Antigamente as famílias vieram a remo. Hoje um motor “rabeta” diminui mais o tempo da viagem. Mesmo assim têm que enfrentar, às vezes por horas, um sol escaldante ou chuvas torrenciais.

O encontro comigo, como o bispo, segue sempre o mesmo esquema. Começa com abraços, cantos, poesias, salva de palmas. Um ambiente festivo e descontraído, sem formalidades, etiquetas e protocolos. Sinto-me em casa. “Vós todos sois irmãos” (Mt 23,8). Também o bispo é irmão! É nestas ocasiões que mais me realizo como pastor, no meio dessa gente que amo e que – eu sei disso – também me ama. Todo mundo se conhece. Essa é uma das mais belas características das Comunidades Eclesiais de Base. Não há estranhos.

Faço questão de primeiro ouvir o povo, escutar a sua história, ser informado a respeito de suas esperanças e angústias, avanços e derrotas. São coisas alegres, estórias pitorescas, “causos” que partilham comigo, mas também assuntos tristes, experiências dolorosas.
Sempre me admiro que esse povo, apesar de viver uma vida dura e penosa, nunca perdeu a alegria. Sabe sorrir! Aliás, que sorriso límpido, espontâneo, cativante! Nada postiço, só para agradar o bispo. Falam do salão comunitário que conseguiram construir, da capela que pintaram, das reuniões semanais, do culto dominical e da novena que não deixaram de celebrar. Revelam também problemas familiares. Alguém denuncia a invasão de geleiras para roubar o peixe, até na época da piracema.

“Vem com malhadeiras de malha tão fina que nem alma passa” diz alguém. Outro relata com orgulho experiências que fazem com as Reservas Extrativistas comunitárias, mas reclama do IBAMA que cai em cima deles por causa de uma tartaruga que pegam, enquanto faz vistas grossas diante das geleiras, do escandaloso roubo de madeira, de desmatamentos e outras agressões ao meio-ambiente, como por exemplo Belo Monte. “Aí dá até todas as licenças para acabar com o nosso Xingu”.

Passo, em seguida, do papel de ouvinte para entrevistado. Jovens e adultos me bombardeiam com perguntas de todo tipo. Assuntos internos da comunidade, do setor, da paróquia, mas também da “conjuntura” econômica e política. Em todas as comunidades, a pergunta principal é sobre. Querem saber detalhes, já que o bispo vem de Altamira, do centro do monstruoso projeto.

“Bispo, será que ainda tem jeito de impedir essa desgraça? Ouvimos falar que estão tocando Belo Monte a todo vapor. Dizem que o governo já gastou muito dinheiro e assim certamente não dá mais para parar a obra. Que o Sr. acha?”

O que realmente devo responder a esse povo? Decido “abrir o verbo”, sem meias-palavras: “Verdade é que um rolo compressor está passando por cima de todos nós. A promessa que Lula pessoalmente me deu no dia 22 de julho de 2009, segurando-me no braço e afirmando “Não vou empurrar este projeto goela abaixo de quem quer que seja” foi pura mentira. Falou assim para “acalmar” o bispo e livrar-se deste incômodo religioso que recebeu em audiência. O governo empurra sim Belo Monte goela abaixo!
Altamira virou um caos em todos os sentidos. Nada do prometido saneamento básico, uma das condicionantes do IBAMA para dar licença para iniciar a obra! Não tem leito nos hospitais, não há vaga nas escolas, homicídios na ordem do dia, prostituição a céu aberto no centro da cidade. Os aluguéis de uma casa simples pularam de 300 para 2.000 Reais. Os preços de alimentos triplicaram. O transito é uma calamidade. Acidentes a toda hora”.

“O que mais vou dizer a vocês?
Fui várias vezes “ver” o canteiro de obras, quer dizer, queria ver, porque não me deixaram entrar, mas vi de longe os estragos já irrecuperáveis. Rezei missa com as comunidades ameaçadas de despejo. Os grandes fazendeiros receberam indenizações, mas o coitado do pequeno produtor e agricultor não sabe o que vai ser dele e de sua família. Arrasaram com uma vila inteira: Santo Antônio. O pessoal da Norte Energia é para lá de arrogante. Se o colono não desocupa o seu sitio, a Justiça dá ordem de despejo e manda a polícia em cima do pobre, pois a Norte Energia considera toda a região propriedade sua e os moradores, que lá vivem desde os tempos do bisavô, invasores.”

“E para onde vai toda essa gente?” Me perguntam.
“Pois também eu quero saber. Prometem solução, mas nunca dizem que tipo de solução, onde, quando, de que jeito.”
“E o povo de Altamira?”

“Muita gente está com o coração despedaçado. Até comerciantes e empresários que antes colaram em seus carros adesivos “Queremos Belo Monte” andam hoje cabisbaixos. Quem pode contra a fúria da “Norte Energia”?

Aliás “Norte Energia” é o próprio Governo, antes Lula, agora Dilma. Nunca houve diálogo com o povo daqui, nem com índios, nem com ribeirinhos, nem com o povo da cidade. O governo traiu o povo que o elegeu e ri-se de quem defende os índios, os ribeirinhos, os pobres atingidos pela barragem.

Fala de preço a ser pago pelo progresso. Só que esse preço sacrifica o nosso povo e não as famílias de políticos em Brasília. Um terço de Altamira vai para o fundo e o resto vai ficar à margem de um lago podre, criador de carapanã e causador de dengue e malária”.
“E os índios? É verdade que estão a favor da barragem?”

“Não digo que estão a favor da barrage. Estão a favor dos presentes que recebem. Muitos deles que antes viviam abandonados pelo governo e entregues à própria sorte, hoje têm todas as contas pagas no comércio, recebem cestas básicas e combustível e outros benefícios. O governo que negou aos índios se manifestarem em oitivas previstas em lei, agora se esmera em entupi-los de dinheiro para fechar-lhes a boca. Antigamente enganou-se os índios com espelhos e bugigangas, hoje milhões de reais são injetados nas aldeias para paralisar a luta indígena e cooptar as lideranças. O preço é muito alto. Não se mata mais índio a ferro e fogo. O dinheiro farto é a punhalada traiçoeira no coração das culturas indígenas e de sua organização comunitária.

E o governo afirma em alto e bom som que nenhuma aldeia será alagada. Aldeia será alagada, sim! O que a Norte Energia faz, é cortar a água aos índios e ribeirinhos da Grande Volta do Xingu. E o povo da Volta Grande vive e sobrevive da pesca. E tem mais. O que vai acontecer com uma aldeia a poucos quilômetros do canteiro de obras onde trabalham milhares de homens? É muito triste! Dá dó!”

“E nós? Como é que nós vamos ficar, nós que moramos abaixo da futura barragem? Ou, como essa gente de Brasília fala, ‘à jusante’?”
“Bem, vocês sabem o que acontece se fazem uma tapagem no igarapé. Acima da tapagem, o que acontece?”
“O igarapé alaga a terra firme!”
“E abaixo da tapagem?”
“Ora, o igarapé seca!”
“Pois é. O Xingu abaixo da barragem vai baixar de nível e os igarapés e afluentes também. Há trechos em que o Amazonas vai entrar no leito do Xingu e nossos peixes que não se dão com a água barrenta do Amazonas vão morrer.”

Por um bom tempo o povo ficou apenas me olhando e não me fez mais nenhuma pergunta. E eu comecei a pensar:

Tudo é matéria prima para fazer negócios. Tudo vira mercadoria a ser explorada, ser comprada e vendida, exportada e consumida! Por isso os homens derrubam e queimam a floresta, represam e sacrificam os rios, assassinam os animais da mata, envenenam as plantas e os pássaros.
Os homens perderam o coração. Tornaram-se insensíveis, brutos, cruéis. Decidiram matar a vida.

Boca do Rio Maxipanã, São Pedro, março de 2012

Retirado do Brasil de Fato