sábado, 31 de maio de 2014

segunda-feira, 26 de maio de 2014

quinta-feira, 22 de maio de 2014

A histórica conquista da meia-passagem (Belém-PA)

 por Walter Pinto 

Durante as décadas de 1980 e 1990, o movimento estudantil paraense viveu um dos maiores momentos de sua história. Milhares de estudantes deixaram as salas de aula e tomaram as ruas de Belém, em luta aberta pela conquista da meia-passagem. Do outro lado, os empresários do setor de transporte e o Estado, protegidos por pelotões de policiais militares armados até os dentes. Depois de muitas manifestações, que resultaram em ônibus incendiados, vidros quebrados, rotas desviadas e estudantes presos e feridos, a meia-passagem foi conquistada. A história, porém, só estava começando.

O trabalho de conclusão do curso de Licenciatura em História, realizado por Hildete Braz da Silva Costa, resgata esse passado recente por meio do relato de vários dirigentes de entidades estudantis que participaram da luta pela meia-passagem. A autora de "História oral da meia-passagem, a experiência dos militantes estudantis da UFPA - 1975/2005" voltou a sua própria época de militante, empregou a sua experiência na imprensa paraense como repórter na série de entrevistas realizadas e produziu o primeiro registro acadêmico sobre esse período agitado e vitorioso do movimento estudantil.

No primeiro capítulo do trabalho, a autora narra a reorganização nacional do movimento, a partir da década de 1960, quando a sede da UNE, na praia do Flamengo, foi incendiada e o Congresso Nacional aprovou o projeto de extinção da entidade. Durante alguns anos, o regime militar perseguiu, prendeu, matou e expulsou muitos estudantes de esquerda em todo o Brasil. No final da década de 1970, sob uma ditadura militar já bastante desgastada, teve início um processo de distensão, uma fase de transição que desembocaria na Nova República. Foi nesse momento que os movimentos sociais se reestruturaram.

No campus do Guamá, estudantes retomam a luta pela democratização da universidade pública e reivindicam "anistia ampla, geral e irrestrita". É o momento de resgate do Diretório Central dos Estudantes e dos centros acadêmicos. "Buscando meios para derrubar a ditadura", relata Hildete Costa, "o movimento se articula com entidades ligadas à igreja progressista, associações de bairros, centros comunitários, comunidades de base, entidades de defesa dos direitos humanos e associações de trabalhadores".

Em 1977, os estudantes realizaram manifestação por melhores condições de transporte, em função da decisão da Reitoria de proibir a entrada no campus das linhas de ônibus que iam até o bairro do Guamá. O protesto resultou na implantação de uma linha circular interna que ficou conhecida, em função da demora em passar nas paradas, por "secular". O campus era atendido precariamente e a má qualidade dos veículos da linha foi motivo para manifestações e protestos, como os promovidos pela gestão "Alternativa" à frente do DCE em 1977.

A história da luta nacional pela conquista da meia-passagem começou na década de 1940, como bandeira do Partido Comunista Brasileiro. Em Belém, segundo o jornal "Resistência", editado pela Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos, os secundaristas saíram na frente. Em 1981, o DCE da UFPA democratiza o processo de eleição de seus dirigentes, trocando a eleição indireta pela direta. A chapa "Pra sair dessa maré", vitoriosa no pleito, ligada à corrente "Caminhando", começa a fazer o "trabalho de base" de reorganização dos centros acadêmicos. Segundo o médico e escritor Amaury Braga Dantas, na época tesoureiro do DCE, em 1979, só havia 3 centros acadêmicos organizados; em 1984, esse número saltou para 41. Nas demais faculdades públicas e privadas, o movimento também estava se estruturando.

As principais reivindicações na lista dos universitários da UFPA, entre outras bandeiras, eram: construção do restaurante universitário, meia-passagem e eleições diretas para todas as instâncias de poder, incluindo para os cargos de reitor e diretor de centros didático-científico da UFPA.

Em 1983, o DCE, em conjunto com outras entidades, deflagra campanha contra as péssimas condições dos ônibus, exigindo "o congelamento do preço da tarifa e a meia-passagem sem burocracia para todos". No final da década de 1980, o movimento radicalizou promovendo uma série de confronto nas ruas de Belém entre estudantes e policiais, com ônibus invadidos e quebrados, até que, em 1984, o governador Jader Barbalho, finalmente assinou a lei de concessão de meia-passagem aos estudantes, limitada a 44 passes, detalhe que não satisfez os manifestantes.

"Os embates com o governo estadual, na época responsável pelo transporte urbano, não deixavam os estudantes com medo", relata Hildete Costa. "De forma corajosa, eles enfrentaram as polícias militar e civil, não temeram as armas e nem as bombas de gás lacrimogêneo. Muitos foram detidos, como o então estudante de Direito Jarbas Vasconcelos, preso na frente do campus da UFPA e na frente da Residência do Governador, e lavado à Delegacia de Ordem Política e Social, DOPS. Advogados simpatizantes dos movimentos populares, entre os quais José Carlos Castro e Egídio Sales Filho, trabalharam para liberar os detidos".

No dia 2 de setembro de 1985, os estudantes voltam às ruas em protesto contra o limite estabelecido pelo governo. No dia seguinte, os jornais de Belém estamparam fotos de estudantes em plena operação "pula-roleta" em ônibus da empresa "Guajará". Os manifestantes exigiam meia-passagem sem limites, mediante apresentação de carteirinha. O professor José Maia, então estudante do curso de História, explica que os tíquetes com 44 passagens eram insuficientes para todas as atividades que os estudantes desenvolviam fora do campus, como parte do trabalho acadêmico. O meio mais prático era, sem dúvida, a carteirinha de meia-passagem.

As manifestações ocorriam sempre à noite. Os estudantes paravam os ônibus, pulavam a roleta e controlavam o itinerário, em geral desviado até o bairro de São Braz, onde se concentravam antes de seguir, cantando palavras de ordem, até a Residência do Governador (atual Parque da Residência) ou ao Palácio do Governo. A arregimentação no campus era feita por meio de arrastão em sala de aula. Com os ânimos exaltados, não raro, aconteceram quebra-quebra de ônibus, sobretudo de vidraças, durante as passeatas. A tropa de choque da polícia militar investiu duramente contra os estudantes, utilizando bombas de gás lacrimogêneo, tiros e cavalos.

Durante o governo Hélio Gueiros, a repressão aumentou, segundo observação de José Maia. "Entre os anos de 1987 e 1991, o governo mandou as polícias militar e civil desmobilizarem toda e qualquer passeata estudantil", afirma o professor. Os estudantes revidavam com paus, pedras, seixos e bambus. Enquanto o caos tomava conta das ruas, paralisando o trânsito, o governo do Estado decidiu suspender os tíquetes, agora já em número de cem para universitários e um pouco menos para secundaristas.

Foram seis meses sem meia passagem, lembra a hoje doutoranda em Educação pela PUC, de São Paulo, Socorro Coelho, professora do Centro de Educação da UFPA, dirigente estudantil processada em 1990, fato que ainda hoje lhe causa sérios transtornos, como, por exemplo, ser impedida de viajar a Portugal para dar continuidade à sua pesquisa. A suspensão dos tíquetes revoltou todos os estudantes e também suas famílias, que tinham na meia-passagem uma redução de despesas. Foi então que se realizou uma série de manifestações memoráveis, com a última, a maior, envolvendo mais de nove mil participantes, segundo cálculos da polícia.

A gigantesca manifestação fugiu ao esquema de controle das lideranças. O carro do jornal O Liberal foi apedrejado, o mesmo ocorrendo com a Residência do Governador, 72 estudantes foram feridos em confronto com a polícia, alguns espancados violentamente, vários foram detidos, 27 ônibus foram depredados. A manifestação ganhou repercussão nacional. Depois dessa guerra nas ruas de Belém, o governo aquiesceu e atendeu a reivindicação dos estudantes.

Protestos contra o controle eletrônico


Muita coisa mudou no setor de transporte coletivo em Belém depois da conquista da meia-passagem. O transporte foi municipalizado e passou a ser controlado pela Companhia de Transporte de Belém. A idéia de controlar a meia-passagem por meio eletrônico, ganhou corpo na administração do prefeito Edmilson Rodrigues e foi colocada em prática na administração do prefeito Duciomar Costa, por meio do "Passe Fácil".

Recentemente, no entanto, os estudantes voltaram às ruas, mesmo que timidamente, para exigir o fim do controle eletrônico via satélite. Através dele, o cartão de meia passagem é bloqueado se o estudante passar menos de 15 minutos no interior de um coletivo. Segundo Hildete Costa, "o atual controle eletrônico até no nome demonstra a real intenção de mudar o imaginário dos estudantes, na medida em que pode induzi-los a ver a meia-passagem não como resultado de uma conquista do movimento social, mas como concessão do poder municipal".