sexta-feira, 31 de julho de 2015

Para o neofeudalismo a meia verdade da mídia basta

Insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes” (Albert Einstein). Minhas crônicas desta semana ainda não foram totalmente compreendidas. Somos, no entanto, verde-amarelos, logo, persistentes. Vamos ver a de hoje. Nós, os senhores neofeudais invisíveis (plutocratas, oligarcas cartelizados e, sempre que possível, ladrões cleptocratas do dinheiro público), atribuímos a culpa de toda corrupção a quem a merece, ou seja, ao Estado, às empresas estatais, ao petismo, aos agentes públicos e, particularmente, aos políticos. Só em parte, evidentemente, isso é verdadeiro. Nós, os verdadeiros donos do poder (financeiro e econômico), do mercado, das empresas e das corporações, também somos corruptos (mais precisamente, somos os corruptores). Mas nós não aparecemos. Somos invisíveis.
Faz parte do jogo do poder noticiar os corrompidos, não os corruptores. Dois exemplos: 1º) Veja o escândalo do ISS no município de São Paulo: a mídia mostra os fiscais corruptos, quase nunca nós, os corruptores. Esse é um dos mais eficientes truques do exercício do poder; 2º) Todos ouviram dizer que Eduardo Cunha teria recebido 5 milhões de dólares de propina. Você sabe quem teria pago essa propina? Pouca gente sabe. Os delatores dizem que foi a Samsung e a Mitsui. As coisas estão mudando no Brasil em nosso desfavor. Sempre há cretinos que querem mudar as regras do jogo que sempre nos foram muito favoráveis. A instituição da impunidade tem tradição e merece respeito.
Para o neofeudalismo a meia verdade da mdia basta
Se existe um campo em que nossa organização neofeudal vem conseguindo uma eficaz comunicação (doutrinação) com a população, esse é o da grande mídia, nossa fiel aliada na arte das manipulações. A regra de ouro é a seguinte: não é preciso propagar mentiras, basta não contar toda a verdade. O assuntocorrupção é, como todos podem imaginar, um dos mais sensíveis para nós, porque pode implicar alguma vulnerabilidade para nossa estrutura (que os maldososapregoam ser mafiosa). Vemos nisso uma calúnia e um exagero. Mas é inegável que neste campo da cleptocracia contamos com uma forte e triunfante tradição.
São mais de 500 anos de prática contínua, sendo Pero Borges, o primeiro corregedor-ouvidor-geral da Justiça, nomeado pelo rei em 17/12/1548, juntamente com Tomé de Souza, o Governador-Geral, um dos nossos baluartes inesquecíveis: foi nomeado para ca depois de ter surrupiado grande soma de dinheiro na construção de um aqueduto, em Elvas (no Alemtejo) (veja E. Bueno, em História do Brasil para ocupados, organizado por L. Figueiredo, p. 259). Para o cidadão comum e os neovassalos (neoservos ou neoescravos), que contam com 7,2 anos de escolaridade em média, no entanto, sempre é bom recordar: a História explica, mas não escusa. Dos deveres éticos e morais somente nós, os senhores neofeudais invisíveis, estamos dispensados.
Por meio da corrupção já alcançamos alguns trilhões de dólares ao longo desses cinco séculos de neofeudalismo. A corrupção, ao lado do parasitismo(extrativismo e exploração de tudo e de todos – veja Manoel Bomfim, A América Latina), são dois dos grandes esteios de sustentação dos nossos prósperos negócios. O Brasil não seria jamais oligarquicamente rico (com serviçõs públicos deploráveis) se não existissem tais fontes. A corrupção, no entanto, deve sempre ser noticiada como coisa do funcionário público, do Estado, das empresas estatais, dos políticos.
Quando se divulga que mais da metade dos parlamentares eleitos em 2014 tem problemas com a Justiça (clique aqui para ver a lista dos políticos e suas implicações policiais ou judiciais), isso reforça nosso discurso: oferecemos a prova de que eles é que são os exclusivos corruptos (não nós). Trata-se de uma propagação massiva do discurso da antipolítica (somente os políticos não valem nada: essa é a mensagem diária). Dizemos que a corrupção está indissoluvelmente (e exclusivamente) ligada aos políticos. Nós, os senhores neofeudais corruptores, continuamos na sombra. O poder é exercido dessa maneira.
Eis uma amostra do nosso discurso (O Globo 26/7/15: 18): “Grande peso do Estado na economia explica a corrupção: a Polícia Federal, desde 2002, faz mais operações contra os criminosos do colarinho branco porque a corrupção aumentou muito no Brasil. E por que a corrupção aumentou? Basta ver os dois maiores escândalos dos últimos tempos: mensalão e petrolão. Em ambos o epicentro reside nas empresas estatais. A corrupção é imensa no Brasil em razão da grande participação do Estado na economia, sendo as estatais eficazes gazuas de arrombamento de cofres públicos; essas empresas oferecem múltiplas oportunidades de falcatruas; o petrolão lulopetista é a prova concreta de que há uma relação direta entre estatização e corrupção; nestes 13 anos de poder lulopetista um grupo político voraz encontrou nessas empresas amplas oportunidades de financiar, com caixa dois, seu projeto político e eleitoral; sem essa grande participação do Estado em setores que movimentam muito dinheiro, não haveria como o PT e aliados se financiarem com propinas”.
Não precisam falar mentiras, bastam as meias verdades. Não se joga a culpa em nós, os corruptores, sim, nos corrompidos. Não se fala de dezenas de países estatalistas (como os escandinavos) onde tudo funciona bem, com baixíssima corrupção. Isso acontece em virtude do capitalismo distributivo (que é uma palavra impronunciável aqui). A lógica é controlar a patuleia (as massas rebeladas) com informações rasas. Jamais botar o dedo na estrutura do poder. O buraco é mais em cima. Mas Ícaro sabe que não pode se aproximar do Sol.

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]

segunda-feira, 27 de julho de 2015

terça-feira, 21 de julho de 2015

Matéria CQC - Escola em Manaus é militarizada!

Muito interessante essa matéria! Escola em Manaus foi militarizada e o CQC na matéria levanta importantes questionamentos.

Uma das estudantes afirma se sentir dentro da escola como um "soldadinho de chumbo".

Assistam!


quinta-feira, 16 de julho de 2015

segunda-feira, 13 de julho de 2015

A democracia e a máscara da venalidade (em 10 passos)

Luiz Flávio Gomes
1. O conceito de democracia nos leva a perguntar: “Quem governa e como se governa”? Essas são as duas perguntas-chaves para se compreender as formas de governo. Para Aristóteles(385 a.C. – 322 a.C) haveria três formas de governo: monarquia (governo de um só),aristocracia (governo dos melhores) e a politeia (governo de muitos). Ainda para Aristóteles, as formas degradadas desses três modelos (degradadas por interesses pessoais e privados dos humanos, que são colocados acima dos interesses gerais) seriam (respectivamente): a tirania, aoligarquia e a democracia (cf. A Wikipedia). A democracia, como se vê, era vista de forma negativa, como expressão dos demagogos e aduladores do povo. De qualquer modo, a democracia seria a melhor forma degradada (ou seja: a melhor dentre as piores).
2. Assim como em Platão (428/427 a.C – 348/347 a.C), a hierarquia dessas seis formas de governo (adotando a forma aristotética do melhor para o pior) seria a seguinte: monarquia, aristocracia, politeia, democracia, oligarquia e tirania.
3. Políbio (203 a.C – 120 a.C.) fez dois importantes ajustes na teoria das formas de governo então vigorantes: substituiu politeia por democracia (governo do povo, que passa a ser algo positivo) e sublinhou que o vício desta seria a oclocracia (governo das massas irracionais). Elas se sucedem, historicamente, conforme o ritmo de cada momento (visão fatalista da História): monarquia/tirania, aristocracia/oligarquia, democracia/ oclocracia.
4. Pode-se dizer que todas essas formas de governo nós já vivenciamos no Brasil. Já fomos monarquia e tirania ao mesmo tempo (1500-1822), já fomos aristocracia e oligarquia (1822-1930) – a oligarquia rural nos governou durante a República Velha (1894-1930) e, desde 1985, somos uma democracia (sobretudo formal, mas democracia), porém, uma das mais viciadas e venais do mundo. Além de virtuosos que somos (a luta pela democracia custou muitas vidas), tudo quanto é vício também paira sobre os ares brasiliensis (como veremos em outro artigo).
5. Na teoria somos uma democracia constitucional (os direitos e garantias mais relevantes estão previstos na Constituição). Na prática, nossa democracia é preponderantemente eleitoral ou procedimental: um grande universo de eleitores pode votar a cada quatro anos. Mas ter o direito de votar não significa ter o direito de mandar, de governar, de dividir o orçamento públicode acordo com os interesses gerais.
6. Apesar de todos os avanços, particularmente nos últimos 50 anos (veja Arrecthe, Trajetória das desigualdades), estamos muito longe de ser uma democracia cidadã (que repeita os direitos e garantias de todos). Uma coisa é escrever os direitos das pessoas no papel (seguramente de forma bem intencionada). Outra bem distinta é fazer valer os direitos que estão nesse papel (no “livrinho”, como diria o ex-presidente Dutra).
7. A democracia, por mais auspiciosos que sejam seus ventos, não traz consigo (automaticamente) uma boa higienização do ambiente empesteado pelos seus vícios (sobretudo os pecuniários). Os bacilos (bactérias) das grandes pestes da democracia aqui nunca foram bem dedetizados. Na verdade, como lembrava Rieux (o médico da cidade empestada de A. Camus, A peste), os bacilos não morrem: “o bacilo da[s] peste[s] não morre nem desaparece nunca, pode ficar dezenas de anos adormecido nos móveis e na roupa, espera pacientemente nos quartos, nos porões, nos baús, nos lenços e na papelada”. As pestes voltam até mesmo nas cidades (países) felizes, que nem bem terminam de comemorar um progresso (foi o caso da nossa redemocratização de 1985) e já se veem novamente atacadas pelos imortais e resistentes bacilos.
 8. A relação entre o dinheiro e o poder viola o mantra da igualdade democrática veiculado no refrão “cada cabeça um voto”. Nas velhas e novas democracias liberais (democracias contemporâneas) temos os eleitores e os supereleitores. No nosso caso são supereleitores as empreiteiras, bancos, empresas de bebidas e de mineração, de agronegócio, de produtos alimentícios etc. Duas classes emergem desse sistema: classes dominantes e classes subdominantes. Os donos do poder econômico-financeiro são, de fato, as classes dominantes; os políticos, os governantes e os agentes públicos de alto escalão são subdominantes. Assim sempre foi (na nossa História com certeza). Nada de novo sob o sol.
9. O poder (no nosso entorno), consequentemente, sempre esteve concentrado nas mãos de poucos. A democracia (muitos votam) é uma máscara, um verniz, uma tintura (mas dela não podemos prescindir porque é só o que resta para as minorias lutarem pelos seus direitos). Seus custos entram nos balanços de quem financia as campanhas. Seus procedimentos são caros, mas sempre existe alguém que paga a conta. Tudo isso, de qualquer modo, é muito menos custoso que a violência para assumir o poder. Como a democracia, na cultura ocidental, está fora de discussão, os que detêm o poder (classes dominantes e subdominantes) nos governam por meio dela, comprando-a. A democracia, para os que mandam, virou um produto. Eles não podem usurpar diretamente o poder e prescindir dos votos dos eleitores. Sendo assim, estes (em geral) ou são comprados ou são manipulados.
10. Verdadeiramente quem governa (classes dominantes, econômicas e financeiras) não aparece com suas fotos nas urnas. São os agentes de trás (estão por detrás). Esse é o governo de poucos “na forma democrática”.[1] O eixo dessas anômalas formas de democracia reside na relação entre o dinheiro e o poder: “o dinheiro alimenta o poder e o poder alimenta o dinheiro. Um é instrumento de conquista, de garantia e de acumulação do outro”.[2] O dinheiro entra na política por causa do poder. Muitos políticos entram no poder por causa do dinheiro. Eles se retroalimentam. Os poderes econômico-financeiro e político (em regra) acham-se fundidos. Executivo e Legislativo possuem um eixo comum: o poder e o dinheiro. A teoria da tripartição dos poderes de Montesquieu virou mito. Os verdadeiros poderes são apenas dois: o econômico-financeiro-político de um lado e o poder de controle (jurídico) de outro. Quando o primeiro sequestra o segundo o país passa a ter um único governo: o do dinheiro (que fabrica mais dinheiro).
[1] CANFORA, Luciano e ZAGREBELSKY, Gustavo. La maschera democrática dell’oligarchia. Roma: Editori Laterza, 2014, p. 7-8.
[2] CANFORA, Luciano e ZAGREBELSKY, Gustavo. La maschera democrática dell’oligarchia. Roma: Editori Laterza, 2014, p. 8.

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas] ]

domingo, 12 de julho de 2015

CATARSE

na liturgia do verso
perpetuo madrugadas
de sóis esmaecidos

           e finjo ser dor
a dor que de vera minto


Lau Siqueira

segunda-feira, 6 de julho de 2015

domingo, 5 de julho de 2015

ESGRIMA

metade de mim
é um beco sem saída
um caminho sem volta
um traçado sem tropeços
por isso pago o que mereço

oito erros crassos de estima
e uma multidão de coragens
vencidas


imponência de velhas
calmarias e uma
imensa tempestade
 

no silêncio do silício
no que não troca
a prova pelo indício 

na outra metade 
que não combina com 
as ruas escuras
do hospício

e por isso

escancara-se
diante do universo

um tanto quanto
disperso

Lau Siqueira

sexta-feira, 3 de julho de 2015

A cara de pau de Eduardo Cunha

Ouvir Eduardo Cunha falando de valores republicanos soaria irônico, não fosse trágico. O presidente da Câmara defendeu em artigo recente nesta Folha temas como a independência dos poderes, reformas política e tributária e a realização do debate democrático. Quem não o conhece, que compre.

A trajetória de Cunha é recheada de eventos bem pouco apropriados a um guardião da República. E nos ajuda a entender que tipo de interesse está por trás de seu discurso de mudanças legislativas.

Em 1989, Cunha foi o responsável financeiro do Comitê de campanha de Collor no Rio de Janeiro. Como retribuição ganhou o cargo de presidente da Telerj. Após a saída de Collor, foi exonerado por conta de um esquema de superfaturamento em contrato da companhia com a empresa NEC, que recebeu aditivo de US$ 92 milhões. Ainda por sua atuação na Telerj foi um dos 44 indiciados na investigação do Esquema de PC Farias.

Em 2000, reaparece nas páginas policiais após ter que deixar a presidência da Companhia Estadual de Habitação do Rio por conta de denúncias de corrupção. Desta vez foi acusado de realizar contratos sem licitação e favorecimento de empresas fantasmas. Instado a explicar a incompatibilidade entre seus gastos e a renda declarada no período, alegou um suposto empréstimo do banco Boreal.
Talvez uma coincidência da vida, mas o banco Boreal pertence ao mesmo grupo que controla a operadora portuária Libra, beneficiada anos depois pelas manobras estridentes de Cunha no debate da MP dos Portos.

Em 2005, foi aberta a CPI dos Correios que desencadeou o escândalo do mensalão. E lá estava Cunha. Foi associado ao doleiro Lucio Funaro, cujo esquema com corretoras esteve ligado ao rombo de R$ 309 milhões do fundo de pensão carioca Prece. Foi descoberto que o doleiro, que tornou-se delator do mensalão, pagava o aluguel de um luxuoso flat para Cunha em Brasília.

A parceria mostrou-se sólida. Em 2007, quando Cunha emplacou a indicação do ex-prefeito do Rio Luiz Paulo Conde como presidente de Furnas, a empresa pública foi levada a fazer um negócio escandaloso, denunciado quatro anos mais tarde.

Pouco depois da posse de Conde, Furnas abriu mão de adquirir um lote de ações por R$ 6,9 milhões. Oito meses mais tarde adquiriu o mesmo lote, de outra empresa, por R$ 80 milhões. R$ 73 milhões de ágio. Quem foi a empresa felizarda? A companhia Serra da Carioca II, do Grupo Gallway, dirigido por… Lucio Funaro, operador de Cunha.

Todas essas denúncias são públicas, assim como as acusações de seu envolvimento numa negociata imobiliária com o traficante colombiano Juan Carlos Abadia e sua relação com políticos acusados de dirigirem milícias no Rio de Janeiro. No entanto, nada disso o impediu de tornar-se o chefe do Poder Legislativo do país e de querer ainda aplicar sermões republicanos.

Responde a processos criminais no STF e no Tribunal de Justiça do Rio por improbidade administrativa, compra de votos e crime tributário, dentre outros. Homem de bons amigos, até agora saiu sempre ileso. Foi citado nos vazamentos da Lava a Jato. Resta saber se estará na denúncia do Ministério Público ou se passará assobiando novamente.

Mas Cunha não é uma anomalia: é expressão da captura das funções públicas pelos interesses privados. O financiamento empresarial de campanha sempre permitiu aos grupos econômicos construírem suas bancadas.

A bancada ruralista, a da bala, das empreiteiras, dos empresários da educação ou dos planos de saúde são notórias e têm cada qual seu time de parlamentares.
O diferencial de Cunha – que espanta pela ousadia – é ter-se constituído numa espécie de gerente de várias bancadas de interesse. Mantém relação e obtém financiamento de empresas de vários setores, atuando como um curinga dos negócios privados no Legislativo. Daí suas sólidas amizades.

Daí também ter um poder de arrecadação eleitoral que o permitiu terceirizar o financiamento para outros deputados. Arrecada das empresas e financia campanhas de colegas. Constituiu assim uma bancada própria, com a fidelidade que o dinheiro assegura nesses casos.

Diante disso não é preciso muito para compreender que a reforma política proposta por ele não tocará no ponto essencial da corrupção, que é o modelo de financiamento das campanhas. Ao contrário, buscará enxertar por uma PEC o financiamento empresarial na Constituição, anulando os efeitos da ADI 4650, que já tem maioria no Supremo. Gilmar Mendes mata no peito e Cunha faz o gol. Pena que contra.

Já sua “reforma tributária” nem passará perto da distorção regressiva de nosso modelo, no qual os ricos pagam proporcionalmente menos impostos que os pobres no país. Muito provavelmente, dada suas relações, tentará desonerar ainda mais o capital. Na verdade, tratam-se nos dois casos de contrarreformas.

A condução de Eduardo Cunha à presidência da Câmara mata qualquer ilusão de que este Congresso realizará as reformas almejadas pela maioria do povo brasileiro. Ou virão da mobilização das ruas ou simplesmente não ocorrerão.

Por Guilherme Boulos


quinta-feira, 2 de julho de 2015

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Texto sobre maioridade penal seria inconstitucional e inconvencional

Por razões de proporcionalidade, os menores que praticam crimes violentos deveriam ser punidos com internação superior a três anos (esse é o limite máximo do ECA). Há proposta tramitando no Senado nesse sentido. O risco de inconstitucionalidade é quase zero, se for encontrado um novo limite máximo razoável (6 anos, por exemplo). Na Câmara dos Deputados faltaram cinco votos para a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que pretendia reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos em alguns casos de crimes graves. A PEC exige 308 votos favoráveis (3/5 do total de deputados); alcançou 303 votos, contra 184 em sentido contrário e 3 abstenções. O texto colocado em votação era muito ruim, foi pessimamente redigido e era inequivocamente inconstitucional e inconvencional. Se a nossa bíblia é a Constituição e o Direito Internacional vigentes e válidos, eis as razões das inconstitucionalidades e inconvencionalidades da PEC refutada:


1ª) viola o princípio da igualdade: os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente. O texto novo mantinha a imputabilidade penal aos 18 anos e abria exceção frente aos menores de 16 a 18 em alguns crimes. Ocorre que em nenhum crime os menores de 18 anos podem ser tratados em pé de igualdade com os maiores de 18 anos. Podem ser punidos penalmente (na Argentina já é assim), porém, nunca igualmente. O tratamento igualitário nivela o menor com o maior e isso viola uma série de normas constitucionais e internacionais. Desde logo, o disposto no art. 227, § 3º, V, da CF brasileira que exige “respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”. A igualação pretendida na PEC não observa esse dispositivo constitucional, nem tampouco as incontáveis normas internacionais que exigem tratamento diferenciado;

2ª) viola o princípio da tutela específica: nenhum menor no Brasil pode ser processado e punido fora da “legislação tutelar específica”, imposta no art. 227, § 3º, inc. IV, da CF. A PEC pretendia punir alguns menores consoante o Código Penal, com as penas integrais do Código Penal. Esse tratamento repressivo conflita com o princípio referido da tutela específica. Na Argentina o menor de 16 anos é punido penalmente, porém, dentro de um sistema de responsabilidade juvenil que prevê a diminuição ou mesmo a dispensa da pena, conforme o caso;

3ª) viola o princípio da brevidade: a Constituição brasileira exige que as penas para os menores devem ser breves; isso significa suas penas devem ter menor duração que as penas do adulto. Nisso consiste o princípio da brevidade. A PEC rejeitada pretendia que o menor fosse punido com penas iguais às dos adultos (nivelava o menor com o maior). Conflitava com o sistema constitucional vigente, que manda conferir atenção especial aos menores;

4ª) viola o princípio da excepcionalidade: o texto da PEC não previa nenhum sistema punitivo alternativo, nos crimes que indicava, ou seja, adotava a pena de prisão como regra geral para tais crimes, como se a pena de prisão para o menor fosse a “primeira ratio”. Na verdade, essa pena para os menores é excepcional, nos termos do art. 227, § 3º, V. A prisão é a “ultima ratio” quando se pretende punir os menores. Não somos nós que estamos dizendo isso. Quem disse isso foi a CF (obra do Constituinte);

5ª) viola o princípio do juiz natural: o juiz natural para julgar os menores pelos ilícitos cometidos por eles exige a criação de órgãos judiciais especializados, específicos, diferentes daqueles destinados aos maiores. Isso deriva da Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 40.3), que contempla “o estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições específicas para as crianças [e adolescentes] de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de tê-las infringido” (veja Opinião Consultiva OC 17/2002, da Corte IDH);

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

A derrota da "maioria". Ela vale alguma coisa na democracia?

Advogado, Descobrindo o Direito e outras novidades.


Ontem liguei a televisão para assistir a transmissão da TV Câmara e ver onde daria o resultado da votação da PEC sobre a redução da maioridade penal. Numa avaliação pessimista eu diria que ali o Brasil está representado proporcionalmente e quase fidedignamente (e eu nem preciso dizer por que essa é a visão pessimista). Por outro lado, com otimismo, eu diria que a quantidade de gente sensata me pareceu razoável, especialmente por alguns discursos, a maioria contra a redução.

A questão aqui é fazer uma avaliação do que os caros deputados e muitos "cidadãos" entendem por "maioria". Ouvi muitos falando sobre os 87% que querem a redução da maioridade penal. "Ouçam o povo, estamos na Casa do Povo e temos o dever de ouvi-los". É uma pena que não sejamos ouvidos quando a "maioria" encabeça outras propostas que afetam os "representantes", mas vá lá...

Vivemos em um Estado Democrático de Direito. Por mais que você imagine que uma democracia se faz com decisões majoritárias a coisa nunca vai funcionar bem assim. Eu diria que se a mudança passasse, não demoraria muito (talvez sim, pela morosidade burocrática) para o STF derrubá-la por sua inconstitucionalidade.

- Quem o STF pensa que é para passar por cima da legitimidade do Legislativo? - perguntariam alguns.

O STF tem a função, embora não exclusiva (o que é uma pena!), de ser o guardião da Constituição. Esta é uma norma e, portanto, tem o que se chama de força normativa e se impõe a tudo o que o Legislativo, Executivo e Judiciário fazem. É fundamento de validade de suas atuações.

Embora não confiemos tanto na Jurisdição Constitucional de nosso país por motivos "políticos", que afetam as escolhas de seus integrantes, ela faz parte do jogo democrático. É uma pena que as democracias recentes, que é o nosso caso - afinal saímos há pouco tempo de um regime autoritário - ainda possuam um sistema defeituoso. Paulo Bonavides já falava da crise de legitimidade da jurisdição constitucional e as coisas vão de mal a pior.

Assim acontece com as "ditaduras constitucionais" de algumas repúblicas latino-americanas, das quais o exemplo mais atual, frisante e ilustrativo é o Brasil na presente conjunção. Por onde se infere que neste país, o Poder Executivo busca fazer o controle de constitucionalidade se exercitar cada vez mais no interesse do grupo governante e cada vez menos no interesse da ordem constitucional propriamente dita, de que é guarda o Poder Judiciário.

Eu diria, entretanto, que nesses assuntos menos afetos ao governo em si o STF seja menos influenciado por suas nuances político-governistas e mais por sua "leitura moral" da Constituição.
A maioria não vale de nada se o que se pretende impor vai de encontro aos elementos constitutivos essenciais e fundamentais da "Carta Política". Era o caso de ontem. E ainda bem que os deputados foram sensatos. Ah... Se fosse sempre assim...

A maioria precisa entender que o Estado é Democrático, mas é também de Direito e as bases que o definem estão na Constituição, da qual somos reféns. É óbvio que escolhemos os nossos representantes para defender interesses que surgem ao longo do processo de "desenvolvimento" e mudanças históricas, mas lá no fundo todos devem reconhecer que o "principio majoritário" deve respeito ao pilar traçado pela construção de direitos fundamentais, sua historicidade e os acordos implícitos (nem tão implícitos assim) dos chamados direitos humanos.
A derrota da maioria Ela vale alguma coisa na democracia 

A maioria vai precisar "engolir essa" e muitas outras. Amargurar muitas derrotas até entender que nem sempre se vence. Desejar vencer em grande quantidade não basta para tocar em algo que a própria democracia, lá no comecinho, na Constituinte, decidiu. Das duas uma: ou começamos outra vez, com o risco de voltarmos à barbárie ou reconhecemos que todos merecem o mesmo respeito e consideração.

Se a Constituição pudesse falar, talvez ela dissesse um belo: "vocês vão ter que me engolir"!