sábado, 13 de março de 2010

Um pouco de Universidade!


Além da atividade que realizo por opção ideológica também destino um tempo para a atividade acadêmica e quem duvidar é só ver a dissertação que fiz sobre a lenda de Ikursk.

Ikursk, vivendo numa tribo de características próprias dos primeiros povos que existiram em nosso planeta, era de se supor que fosse um homem corajoso e destemido fazendo jus a sua civilização guerreira. Além disso, num período onde a relação de produção entre os homens era de perfeita colaboração também era de se supor que Ikursk encarasse e aceitasse a tarefa dada pelo líder da sua aldeia, o pajé, que ao ser representante de tal comunidade representava integralmente os desejos da mesma.

Contraditoriamente, Ikursk toma um caminho diferente e inimaginável para a época, afinal, estamos falando de uma época onde o ato da caça era uma necessidade inquestionável para a sobrevivência de um povo que precisavam se alimentar e se proteger dos animais selvagens extremamente ferozes, que habitavam a Terra nessa época histórica. Assim, matar uma fera seria uma tarefa que por si só seria corriqueira e normal.

Ao rejeitar essa tarefa, Ikursk, além de tomar um ato que ia à contramão dos interesses de sua aldeia, agia contra si próprio, pois qualquer habitante de comunidades primitivas dessa época estava sujeito a se deparar numa situação de risco que levasse a sua morte. No entanto, Ikursk num ato de puro egoísmo pessoal, tentando fugir da responsabilidade que lhe foi confiada, pensando unicamente em resguardar a sua vida mesmo que isso resultasse na maldição dos deuses e que gerasse sofrimento a sua alma após sua morte, foge dessa tarefa sem nenhum constrangimento e acaba impondo seu interesse individual aos habitantes da sua aldeia, que acabam se resignando ante a sua atitude de covardia.

No final, Ikursk consegue sobreviver ao ataque da fera e ao matá-la por acaso, salva não somente a sua vida, mas a vida dos habitantes de sua aldeia. O interesse coletivo foi atendido, talvez tardiamente, porque o agora “herói” não havia compreendido que, como habitante de uma comunidade, era um ser que ao defender os interesses coletivos estava também defendendo seus próprios interesses individuais. Ao defender a sua aldeia de uma fera estava protegendo a si mesmo. Estavam todos “no mesmo barco”.

Ikursk não podia fugir de sua responsabilidade. Ao ser de uma comunidade na época em que vivia e com tarefas bem definidas para cada um, e num mundo onde o Homem, ao não possuir meios adequados, era extremamente inferior as forças e criaturas da natureza, Ikursk não tinha alternativa a não ser fortalecer os laços que fortaleciam a sua comunidade, mesmo que isso resultasse na perda de sua vida. Ao fugir da responsabilidade que tinha, fez apenas adiar o cumprimento dela e ainda aumentou o risco de perder a vida, o que não ocorreu por puro acaso.

AGORA A LENDA:

Um resultado inesperado

Numa tribo primitiva, antes da descoberta dos metais, vivia
Ikursk. Ikursk era, acima de tudo, um medroso.

Um enorme tigre dente-de-sabre rondava a aldeia por
aquela época, matando as criações e atacando as pessoas. Vários
dos mais bravos dos guerreiros já havia se proposto a matá-lo, mas
os resultados foram sempre trágicos: seus corpos foram
encontrados devorados pelo felino.

Com o tigre a solta, entrar na selva era um ato de extrema
coragem, e nosso heróico Ikursk resolveu se proteger de tal
eventualidade. Para tanto, quebrou seu machado e passou vários
dias construindo um outro, enorme, tão grande e pesado que seria
impossível carregá-lo por uma distância maior que umas poucas
dezenas de metros. Tal arma descomunal no peso e no amanho,
seria um forte argumento, esperava Ikursk, para que a tribo não o
enviasse à floresta, posto que o herói seria presa fácil à agilidade
do tigre.

Quando o machado estava tomando a sua forma final e
todos na tribo se deram conta de que Ikursk decidira não cooperar
com o esforço coletivo para matar o tigre, o pajé chamou-o para
uma conversa ao pé da fogueira. Contou a Ikursk a tradicional
lenda de Batolau, o guerreiro que se negou a ir para a guerra junto
com sua tribo, por isso, após a morte, abandonado pelos deuses,
ficou vagando entre as estrelas. O pajé disse a Ikursk que seu
comportamento desagradava aos deuses e que ele deveria queimar
o machado que estava construindo. Ikursk saiu da tenda do pajé
sem nada responder e, para consternação de todos, no dia seguinte
continuou a trabalhar no seu machado com o mesmo empenho de
antes.

De posse do novo machado, com o passar do tempo Ikursk
se sentia cada vez mais seguro. Durante meses, na divisão matinal
das tarefas cotidianas, coube a Ikursk acompanhar as mulheres aos
coqueirais para auxiliar, com o seu enorme machado, na quebra
dos cocos. Assim, dia após dia, a decisão de Ikursk quebrar seu
machado e substituí-lo por um outro, descomunal, alcançou o
resultado almejado: nosso herói não foi enviado á selva.

Algo inesperado, no entanto, aconteceu.

Era um belo final de tarde. O sol se punha no horizonte e
uma brisa espantava o calor. Ikursk, já cansado, quebrava os
últimos cocos do dia quando, ao levantar o machado, escutou uma
respiração e sentiu no cangote um bafo que não era humano. Seu
coração parou e seu sangue congelou nas veias: era o terrível tigre
que o atacava pelas costas. O pavor tomou conta do seu ser, o
joelho fraquejou, a vista escureceu e um urro horrível, um misto de
ai! e mãe!, que apenas os covardes sabem dar, ecoou pela aldeia.

Nesse transe de pavor, sabendo que iria morrer nas garras
do tigre, seu corpo se contraiu na antecipação da dor, e Ikursk caiu
de costas. Sua hora havia chegado; não, contudo, com o conteúdo
mortal que imaginara.

Na contramão espasmódica que terminou por derrubar
Ikursk, o machado, por mero acaso, descreveu uma trajetória que
terminou na cabeça do tigre, matando-o.

O nosso covarde herói, com seu descomunal machado
construído propositadamente para ser o mais inadequado possível
para lutar contra o tigre, realizara a proeza de que nenhum dos
mais valentes e habilidosos guerreiros da tribo fora capaz. O felino
estava morto e, sua ameaça, finda. A floresta voltava a ser um
espaço pouco ameaçador, a aldeia poderia viver em paz com as
suas criações.

(LESSA, Sérgio. Para compreender a otologia
de Lukács. Ijuí: Editora UNIJUI, 2007. p. 19-21
Disponível em:
http://www.geocities.com/srglessa/Onto_de_Luk
acs.pdf. Acesso: 21 de jan. 2008.)

Um comentário:

Paula Meyer disse...

Oi, muito interessante sua resenha! Estou no primeiro ano de História, e, na disciplina de Introdução às Ciências Sociais estou vendo esse texto! =]
Parabéns pelo blog!