terça-feira, 30 de dezembro de 2014

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

Governo tem que confiscar bens das empreiteiras e dos corruptos

Quando são perguntados sobre como ficaram ricos e construíram fortunas, os empresários sempre respondem que foi com “muito trabalho”. Escondem, assim, tanto a exploração que realizam do trabalhador quanto o roubo que fazem dos cofres públicos por meio de fraudes em licitações, contratos superfaturados, empréstimos que recebem de bancos estatais com juros subsidiados e até mesmo as milagrosas ajudas do Estado para comprar outras empresas ou salvá-los da falência. Mas, a mentira tem perna curta.
De fato, a Operação Lava Jato da Polícia Federal (PF) deixa bastante claro que as maiores empreiteiras do país se tornaram grandes empresas não com o trabalho de nenhum dos seus donos, mas com o roubo descarado que realizaram da nação brasileira, em particular, da maior empresa pública do país, a Petrobras. Segundo a PF, as empreiteiras Camargo Correa, OAS, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Queiroz Galvão, Iesa, Engevix, UTC e Toyo Setal formaram um cartel para fraudar licitações, impor altos preços nos contratos, corromper funcionários da estatal, e ganhar rios de dinheiro.
Embora somente este ano o esquema tenha sido revelado, o cartel das empreiteiras vem há décadas manipulando licitações, dividindo as obras entre as empresas e superfaturando os preços. Já está comprovado até o momento que o cartel agiu em contratos que superam 59 bilhões de reais.
Vejamos alguns exemplos da ação do cartel das empreiteiras. A construção da Refinaria Abreu e Lima em Pernambuco foi aprovada custando US$ 2,5 bilhões de dólares; após alguns anos, seu custo foi elevado para US$ 18,5 bilhões. A obra da Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Coperj)), localizada no município de Itaboraí, inicialmente orçada em R$ 6,5 bilhões, agora, custa R$ 13,5 bilhões.
O lobista Fernando Soares, delatado por Alberto Youssef como o operador do PMDB no esquema, conseguiu que sua empresa assinasse 86 contratos com a Petrobras num valor total de R$ 131,6 milhões. Esse mesmo Fernando Soares recebeu da empresa Toyo Setal, segundo acusou um diretor, US$ 40 milhões, depositados em contas do lobista no Banco Winterbothan no Uruguai. Em troca, a Petrobras comprou sondas de perfuração da Toyo com preço acima do mercado.
lava jato capaO resultado dessa roubalheira, além de causar prejuízos bilionários à Petrobras e tornar nosso país mais pobre, aumentou de forma gigantesca os lucros dessas empreiteiras. Com efeito, balanços divulgados pelas empresas que formam o cartel mostram que elas faturaram juntas US$ 56 bilhões em 2013.
Para realizar esses crimes contra a Petrobras e o povo brasileiro, as empreiteiras se reuniam, combinavam que obra cada uma iria fazer, decidiam que valor cobrar e acrescentavam um percentual para corromper diretores e funcionários da estatal e para financiar os partidos políticos da base aliada do governo – PT, PP e PMDB. O dinheiro desviado para os funcionários da Petrobras e para os partidos era transferido por meio de empresas de consultoria que assinavam contratos com as empreiteiras, depositado em contas secretas no exterior ou como doações legais de campanha. Como informa despacho do juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba, responsável pela investigação e considerado um dos maiores especialistas em lavagem de dinheiro: “o produto do crime decorrente do ajuste dos procedimentos licitatórios e do preço foi, sucessivamente, lavado pelas empreiteiras por meio do doleiro Alberto Youssef”.
O navio afunda, mas o rato se salva
Assim que ocorreram as primeiras prisões, os ratos começaram a brigar para ver quem seria o primeiro a pular do navio (ou seria da plataforma?). Um após outro foram assinando acordos de delação premiada (benefício concedido a um criminoso delator, que aceite colaborar na investigação, entregando os outros criminosos em troca de não ficar na cadeia ou ter sua pena reduzida). Entre os que fizeram acordos de delação premiada, estão o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto Costa, o doleiro Alberto Youssef, dois executivos do grupo Setal – Júlio Camargo e Augusto Ribeiro de Mendonça Neto – e o engenheiro Pedro Barusco, gerente-executivo de engenharia da Petrobras. Segundo a Polícia Federal, também fazem parte do esquema, Nestor Cerveró, ex-diretor da área internacional e Renato Duque, diretor de serviços da Petrobras.
Na delação premiada, os criminosos se comprometem a devolver parte do que roubaram. Os números do que cada um desses criminosos desviou para as suas contas pessoais dão ideia de como surge um milionário, de onde vêm os milhões que os partidos burgueses e pequeno- burgueses gastam na campanha eleitoral e como as grandes empresas se tornaram multinacionais bilionárias.
O Paulo Roberto Costa se comprometeu a devolver R$ 70 milhões, mas, depois disso foram descobertos 23 milhões de dólares em seis contas que possui na Suíça. O engenheiro Pedro Barusco, gerente-executivo de engenharia da Petrobras, devolverá a bagatela de R$ 252 milhões, mas continuará de posse de sua casa avaliada em R$ 8 milhões, bem como do que estiver depositado em contas de familiares. O doleiro Alberto Youssef assumiu restituir R$ 55 milhões.
Corrupção ou extorsão?
Para tentar diminuir as penas dos corruptores, famosos advogados dos grandes escritórios de advocacia estabeleceram como linha de defesa de seus milionários clientes a tese de que os donos das empreiteiras foram vítimas de extorsão dos funcionários da Petrobras e dos partidos burgueses. Vejamos o que disse o advogado do vice-presidente da gigante Mendes Júnior: “A empresa que não fizesse pagamento não receberia a fatura a que teria direito legalmente”.
Também, os grandes meios de comunicação do país, TV Globo à frente, tentam apresentar as empreiteiras como vítimas de extorsão dos diretores da Petrobras ou dos partidos políticos que indicaram esses diretores.
Lava Jato 2É claro que sem a ajuda dos diretores da Petrobras denunciados e sem o apoio dos partidos políticos que influenciaram nas escolhas dos diretores da estatal, não teria sido possível nenhum crime contra o patrimônio nacional. Porém, como bem questionou o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot, “É muito difícil acreditar que atividades empresariais dessa estatura possam ter sido alvo de concussão¹ que as levasse a fraudar licitação e dividir mercado para obter um lucro excelente como resultado. Ninguém é obrigado a ganhar dinheiro e a lucrar com uma atividade ilícita. Como a concussão te obriga a fazer um cartel, fraudar licitação e ganhar um dinheirão? Está sendo extorquido para ganhar dinheiro, para botar 100 milhões no bolso?”
Entretanto, o cartel das empreiteiras não atua apenas na Petrobras, mas em todos os estados e empresas públicas do país. É só observar que são sempre as mesmas empresas que constroem estações de metrô, viadutos, rodovias, enfim, que realizam as obras públicas. Não bastasse, somente nas eleições desse ano, essas mesmas empresas do cartel que atua na Petrobras repassaram R$ 53,3 milhões para a campanha de Dilma Roussef (PT) e R$ 19,2 milhões para a campanha de Aécio Neves (PSDB). Doações legais, mas, sem dúvida, imorais.
Uma história de corrupção
A verdade é que as empreiteiras se tornaram gigantes por terem sugado e espoliado o Estado e as empresas públicas. Quando da Ditadura Militar, a maioria delas eram pequenas empresas, mas graças à colaboração que deram ao regime militar, ganharam concorrências de grandes obras como a Ponte Rio-Niterói, a Transamazônica, as hidrelétricas de Itaipu e Tucuruí, as usinas nucleares de Angra, a Ferrovia do Aço, etc.
Após a redemocratização, o esquema continuou funcionando, pois a propriedade privada dos meios de produção continuou sendo santificada em nosso país. Essas mesmas empreiteiras, em particular, OAS, Odebrecht, Camargo Correa e a Andrade Gutierrez, passaram a financiar os partidos burgueses para ganhar as eleições e em recompensa recebiam obras superfaturadas para executar. Com as privatizações das estatais no governo de FHC, as empreiteiras se tornaram proprietárias de lucrativas empresas estatais como petroquímicas, empresas de telefonia, de energia elétrica, de água, etc.
Associadas a grandes bancos e sempre apoiadas pelo sucessivos governos federais de 1995 até hoje, estenderam seus tentáculos para vários países da África e da América Latina. Mesmo assim, como mostra a Operação Lava-Jato, e apesar de todo discurso contra a intervenção do Estado na economia, elas não dispensam nenhuma obra pública, como fica evidente na construção dos estádios para a Copa do Mundo, nas hidrelétricas de Jirau e Belo Monte, na transposição do Rio São Francisco, na Transnordestina, etc.
Diante de todo esse escândalo e roubo do patrimônio nacional, é de se lamentar a postura da presidenta Dilma, que acabou de ser reeleita pelo povo brasileiro. Falando sobre o caso, disse somente que “Isso pode mudar o país para sempre”, e que “as investigações vão continuar”. Ora, é preciso mais que palavras, é preciso ação; o governo deve adotar imediatamente medidas efetivas para proteger os interesses nacionais, declarar, como pediu o Procurador-Geral da República, as empreiteiras como empresas inidôneas, isto é, impedidas de participar de licitações ou de fechar contratos com a administração pública federal, do contrário, as fraudes continuarão. Mais: confiscar todos os bens dessas empresas e de seus executivos, obtidos, como está provado, por corrupção, e que o dinheiro seja usado na saúde, na educação, no saneamento e para garantir teto, escola e vida digna para todas as crianças pobres do Brasil.
Mas por que tudo isso acontece?
Portanto, diferente das afirmações dos economistas e políticos burgueses de que os investimentos privados são essenciais para garantir o crescimento econômico, o que ocorre é que a classe capitalista constrói suas fortunas promovendo um grande assalto ao Estado e às empresas estatais. É graças a esse roubo que as empresas privadas conseguem obter enormes lucros e se tornam grandes empresas. Sem os repasses do Estado para os empresários por meio de obras superfaturadas, pagamento dos títulos da dívida pública, empréstimos com juros subsidiados, isenções fiscais, como no caso das montadoras de automóveis, ou mesmo de privatizações de empresas públicas, aeroportos e rodovias, construídos com dinheiro público, a chamada “iniciativa privada’ não passaria de um castelo de areia.
Assim, em vez de empreendedorismo e da falácia de que a propriedade privada é fundamental para desenvolver a economia e garantir os empregos, o que realmente ocorre é que os monopólios privados são um entrave para o desenvolvimento do país; basta verificar quantas casas populares, quantos hospitais, quantas universidades, quantas refinarias poderiam ser construídos com esses bilhões que as empreiteiras roubaram da Petrobras.
Em outras palavras, a grande empresa privada é um câncer em qualquer sociedade moderna. Enquanto ela existir, continuará acontecendo o roubo das riquezas nacionais e a corrupção. Pior, além de assaltarem o patrimônio público, os empresários também expropriam o trabalhador. Com efeito, o operário recebe um salário miserável, embora o que ele produz com o seu trabalho seja muito superior em valor ao que ele ganha, como afirma Marx: “o operário não produz para si, mas para o capital”.
Resumindo, as grandes empresas privadas, além de depenarem a Petrobras e nossas riquezas, como o pré-sal, para aumentar suas fortunas, também enganam o trabalhador, massacram-no e o obrigam a trabalhar mais que um burro de carga. Essas são as principais razões para o crescimento das riquezas capitalistas, para surgirem os milionários em nosso país e não a “visão do futuro” ou o “espirito animal dos empresários”. Até porque, o trabalho das empreiteiras é realizado pelos operários e não pelos seus donos.
Tudo isso ajuda a entender bem quais são as diferenças de um partido comunista revolucionário para um partido burguês ou pequeno-burguês, isto é, enquanto os partidos burgueses e pequeno burgueses consideram essencial a propriedade privada para desenvolver a economia, têm uma relação promíscua com a classe capitalista e ajudam-na a acumular cada vez mais capital, o partido da classe operária e os comunistas revolucionários lutam pelo fim da propriedade privada dos meios de produção e o estabelecimento da propriedade social e por uma revolução socialista que destrua o Estado burguês e construa o Estado da classe operária e dos camponeses. Com a propriedade coletiva dos meios de produção, todas as riquezas produzidas passam a pertencer à sociedade e não a uma minoria de pessoas, acaba a divisão entre ricos e pobres e, consequentemente, o egoísmo e a ganância, pois todos terão os mesmos direitos e os mesmos deveres.
Lula Falcão, diretor de A Verdade e membro do comitê central do PCR
¹ Concussão: o ato de exigir para si ou para outrem, dinheiro ou vantagem em razão da função, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida.

quarta-feira, 17 de dezembro de 2014

terça-feira, 9 de dezembro de 2014

By Latuff


Ditador Médici guardou em casa provas de tortura


Comissão da Verdade do Rio encontra prontuários médicos de presos no arquivo do ex-presidente
 
Juliana Dal Piva

Rio - Durante décadas a cúpula do governo militar negou a prática de tortura contra presos políticos na ditadura. Não importavam as denúncias das famílias, as marcas ou sequelas das vítimas. Quase 30 anos após o fim do regime, surgem agora as primeiras provas documentais de que no auge da repressão política — 1970 — o próprio general e então presidente da República Emílio Garrastazu Médici sabia em detalhes sobre a violência dos quartéis e suas consequências físicas e psicológicas.


Médici e o caderno onde guardava os relatos das sequelas das torturas de presas políticas no Rio
Foto:  Divulgação

Médici guardou até a morte, em meio a 32 caixas de manuscritos, um caderno de capa de couro preta com o nome do ex-presidente timbrado em letras douradas na frente. Dentro, a revelação: três prontuários médicos de presas políticas atendidas no Hospital Central do Exército (HCE). São elas: Dalva Bonet,Francisca Abigail Paranhos, além dos documentos de Vera Sílvia Magalhães — conhecida por sua participação no sequestro do embaixador americano Charles Elbrick.

O arquivo pessoal de Médici, doado pela família há 10 anos, integra o acervo do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) e foi disponibilizado para pesquisa da Comissão da Verdade do Rio, que localizou os prontuários. “Quanto mais temos acesso aos documentos, confirmamos que a cadeia de comando das torturas e desaparecimentos começava no Palácio do Planalto”, afirma Wadih Damous, presidente da CEV-Rio. Cópias dos documentos serão entregues às famílias em audiência pública na próxima terça-feira.


Vera Sílvia, ao deixar o país, foi carregada por Cid Benjamin
Foto:  Reprodução

O prontuário de Vera Sílvia detalha cada medicamento utilizado por ela durante os dois períodos de internação registrados. Presa em 6 de março de 1970, ela chegou pela primeira vez ao HCE transferida do Hospital Souza Aguiar no dia seguinte devido a um “traumatismo craniano encefálico por projétil de arma de fogo”. Tratada na unidade, ela foi liberada dias depois para interrogatório no DOI-Codi.

Em 18 de maio foi internada novamente, e a descrição do quadro dá a medida do sofrimento de Vera. “Paciente acentuadamente desnutrida, subfebril. O exame neurológico acusa sensível diminuição da força muscular nos membros inferiores...há acentuada hipertrofia muscular nos membros inferiores”, registra o prontuário. O diagnóstico, porém, foi de que ela estava com uma paralisia nas pernas devido a razões psicológicas.

O médico legista Levi Inima, que auxilia a pesquisa da CEV-Rio, disse que a avaliação é “falsa”. “As alterações em termos de hipotrofia muscular demonstram a tortura em pau de arara. Ela estava bastante desnutrida, o que mostra os maus-tratos”, explicou. Vera deixou o Brasil em junho de 1970, trocada pelo embaixador alemão. Ela retornou após a anistia e morreu devido a um câncer em 2007.

Choque elétrico provocou crises convulsivas

Ao saber que seu prontuário médico fazia parte do arquivo pessoal do presidente Médici, a tradutora Maria Dalva Bonet, 68 anos, olha para alto e respira fundo. “Vou precisar de um tempo para poder falar sobre isso. É inacreditável”, desabafa Dalva.

Militante do Partido Comunista Revolucionário Brasileiro (PCBR), ela diz que foi presa no fim de janeiro de 1970 junto com a amiga inseparável, Abigail. “Foram 72 horas de pancadaria. Eu estava com a pele toda descascada do choque e me jogaram no chão de cimento. Foi quando eu comecei a ter hemorragia. Os presos pressionaram e eles me levaram para o HCE”, conta Dalva.

Ela diz que ficou cinco meses sem andar devido à tortura no pau de arara. Além disso, os choques desenvolveram um quadro de epilepsia. Por isso, como o próprio prontuário encontrado registra, foram realizados exames neurológicos. “Eles queriam dizer que as convulsões que eu passei a ter eram preexistentes. Mas eu nunca tive nada”, diz ela. Dalva disse que sofreu com crises convulsivas durante 10 anos.

Segundo o diagnóstico feito no HCE, a paralisia de suas pernas também seria emocional — como a de Vera.“Não apresenta vontade de locomover-se; procura queixar-se de tudo e de todos; é impertinente e astuciosa. Costuma ser acometida por pesadelos”, descreve o documento.


Maria Dalva Bonet ficou cinco meses sem conseguir andar devido à tortura no pau de arara. Ela também desenvolveu epilepsia por 10 anos
Foto:  Severino Silva / Agência O Dia

O médico legista Levi Inima também chamou a atenção para a quantidade de tranquilizantes, ansiolíticos e sedativos como Mandrix e Kiatrium ministrados. “ É uma associação de vários medicamentos. Isso tudo faz parte de um cenário médico exatamente para suprimir a questão da tortura”, explica Inima.

'Não deseja recuperar-se'

A advogada Francisca Abigail Paranhos também teve a sua passagem pelo Hospital Central do Exército guardada por Médici. No relatório que segue com o prontuário ela é descrita como “indiciada em inquérito policial-militar pelos crimes praticados como membro do PCBR, alegou paralisação dos membros inferiores”.

Além disso, o diagnóstico diz que Abigail, como era conhecida, não ajudava na melhora de seu quadro de saúde. “Os exames revelaram que Abigail é portadora de depressão neurótica, que não deseja recuperar-se não colaborando para o sucesso do tratamento que lhe é ministrado”, finaliza o relatório.
Dalva diz que elas deixaram a prisão cerca de um ano e meio depois. Abigail morreu de câncer em 1994.

terça-feira, 25 de novembro de 2014

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

segunda-feira, 3 de novembro de 2014

Latuff: Carta aos brasileiros (da esquerda)

Afinal, Dilma Rousseff garantiu mais um mandato, derrotando o tucano Aécio Neves. Foi por um triz, como na eleição de 2010, ao enfrentar o também tucano José Serra. Naquele ano, como agora, votei em Dilma, não por apoiar a agenda de seu governo e sim por acreditar que as coisas podem não melhorar, mas certamente podem piorar, e no meu entendimento, Aécio Neves simboliza o retrocesso, o agravamento de um problema.
Meu voto não é um cheque em branco a Dilma e seu partido, nem tão pouco é um voto de confiança no sistema eleitoral. Com sua política de alianças com o que há de mais patife na política brasileira, o governo de Dilma Rousseff não me representa, como também não representa os indígenas e quilombolas, estes sequer citados nos debates e propagandas dos candidatos. Quero crer também que não representa os moradores de favelas cuja ocupação por tropas do exército foi autorizada pela presidenta. E acredito ainda que não representa a parcela do movimento social que não foi cooptada pela máquina do governo.
Claro que me agrada aos olhos ver os “coxinhas” se consumindo no próprio ódio ao saber que a “ditadura comunista do PT” terá um fôlego adicional de 4 anos, mas não tenho qualquer esperança de que o Partido dos Trabalhadores, com todos os compromissos firmados com o agronegócio, banqueiros, empresários, e mesmo a “guerra contra as drogas” de Washington, possa retomar às velhas bandeiras de luta do movimento social. O movimento social no Brasil precisa livrar-se dessa polarização entre PT e PSDB, livrar-se da cooptação, e trabalhar por uma alternativa à esquerda, uma alternativa que não busque como meta o governo e sim o poder. Acabar de vez com essa oligarquia, com o coronelismo, com o poder de famílias que possuem terras, emissoras de TV e rádio, e mesmo estados inteiros. São estes os verdadeiros detentores do poder no Brasil.
Quanto a mim, retorno agora à oposição de esquerda e continuo colocando minha arte a serviço do movimento social. A quem acredita que pelo meu voto crítico eu aderi ou capitulei ao governismo, peço que refreie sua leviandade e guarde essa carta como referência futura.
Carlos Latuff
Porto Alegre, 27 de outubro de 2014.

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

By Latuff


Luciana Genro mais uma vez deu um show no debate da Globo

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Mais uma vez, os melhores momentos couberam a Luciana Genro no debate da Globo, o último antes das eleições.

Foi brilhante sua reação a uma deselegância de Aécio quando ela o questionou sobre o aeroporto que ele mandou construir em terras da família com dinheiro público.

Desnorteado, sem encontrar palavras que expliquem o aeroporto, ele esticou o dedo para Luciana Genro. Imediatamente ela ordenou que ele baixasse o dedo.
E ele baixou, depois da bofetada moral que levou.

Logo no começo, ela aproveitou para falar o que pensava da Globo em plena Globo. Não poderia perder a oportunidade, e não perdeu.

Luciana Genro disse também certas verdades inconvenientes a Marina, e arrancou dela uma declaração vital. Num tributo involuntário a Luciana Genro, Marina disse que seu programa é parecido com o dela, Luciana, e não com o de Aécio.

Marina completou ali o giro total que ela deu nas suas propostas. Premida pela queda nas intenções de voto, ela acabou indo para a esquerda, depois de começar com um discurso de centro direita, parecido com o de Aécio.

Flexibilizar as leis trabalhistas se transformou em estendê-las para empregados que não estão protegidos pela CLT. Até para o Bolsa Família ela anunciou uma novidade: um 13.o.

É presumível que seu guru econômico, o ortodoxo Eduardo Giannetti, tenha engasgado diante da nova Marina, tão identificada com Luciana Genro que chegou a usar o pronome “tu” em certo momento.

Giannetti dissera, antes da transformação, que os compromissos sociais só seriam cumpridos se e quando o orçamento permitisse.

Marina está dizendo o oposto, e há aí uma dissonância cognitiva que deve redundar numa crise na equipe de Marina. Informalmente, é como se ela tivesse despedido Giannetti e companheiros de ortodoxia.

Luciana Genro foi aguda, também, ao perguntar a Dilma o que pensa da taxação das grandes fortunas. É uma pena que Dilma não tenha respondido. No encontro com blogueiros, diante de outro ponto vital para o avanço da sociedade, a regulação da mídia, ela respondeu com firmeza e clareza.

Foi ainda Luciana Genro quem trouxe a criminalização da homofobia para o centro do debate nacional ao perguntar, no debate anterior, a Levy Fidelix o que pensava do assunto.

Disse, em outro artigo, e repito aqui: Luciana Genro não vai ganhar, e nem passará para o segundo turno.

Mas, e isto ninguém lhe tira, ela dinamizou o debate político nestas semanas de campanha com sua verve, com sua inteligência, com sua coragem e com sua sinceridade. A expressão “nova política” acabou se tornando uma piada, no decorrer das últimas semanas.

Mas, se alguém emergiu desta campanha com ideias que merecem ser chamadas de novas, é essa gaúcha ousada e intrépida que, cachos ao vento, capturou o Zeitgeist, o espírito do tempo – aquele sentimento que comandou as Jornadas de Junho, nas quais a voz rouca das ruas disse não à política que está aí.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

A fome de Marina Silva

retirado do Diário do Centro do Mundo

O vídeo de um comício de Marina Silva em Fortaleza viralizou. O mote era sua defesa do Bolsa Família, programa que não será desativado em seu eventual governo.
Diz ela, emocionada:
”Eu sei o que é passar fome. Eu sei o que foi um sábado de aleluia em 1968. Tudo que minha mãe tinha, para oito filhos, era um ovo e um pouco de farinha e sal. Meu pai, minha mãe, minha avó, minha tia olhavam para aqueles oito irmãos. Eu me lembro de ter perguntado pro meu pai e minha mãe: ‘vocês não vão comer?’ Minha mãe respondeu: ‘nós não estamos com fome’. Uma criança acreditou naquilo. Quem viveu esta experiência, jamais acabará com o Bolsa Família. Não é um discurso, é uma vida. O compromisso não está escrito em um papel que depois eles rasgam e esquecem. Está escrito sabe aonde? Na carne deste corpo magro”.
É contundente. Ela interrompe sua fala por causa das lágrimas. Há quem, compreensivelmente, chore ao ouvi-la.
Mas essa passagem da vida de Marina adquiriu um tamanho inédito apenas recentemente.
Uma biografia de 2010 acaba de ser relançada. “Marina, a vida por uma causa” foi escrita pela jornalista Marília de Camargo César, que ouviu familiares, amigos e pessoas próximas de Marina ao longo de meses — além, é claro, da própria MS.
A palavra “fome” aparece dez vezes em mais de 260 páginas. Em nenhum momento referindo-se ao que ela disse no Ceará.
Ela conta da influência da avó paterna, Júlia, com quem morou no Seringal Bagaço, a 70 quilômetros de Rio Branco: “Na Semana Santa, não se comia carne nem nada que tivesse açúcar. Minha avó fazia mungunzá sem açúcar, arroz-doce sem açúcar. Deve ser uma tradição vinda do Ceará”.
Marina, segundo aprendemos, era muito querida pela avó. Arnóbio Marques, ex-governador do Acre, que a conhece “há uns duzentos anos”, aparece dizendo: “É a única pobre mimada que conheço”.
Marina tinha 10 anos quando do almoço mencionado no palanque. Há um testemunho da época no livro:
“Desde uns dez anos de idade, eu acordava todo dia por volta de quatro da manhã para preparar a comida que meu pai levava para a estrada da seringa. (…) Todo dia preparava farofa. Às vezes com carne, mas quase sempre com ovo e um pouquinho de cebola de palha, acompanhada de macaxeira frita. Aí botava dentro de uma lata vazia de manteiga, com tampa. Manteiga era comprada só quando minha mãe ganhava bebê. Meu pai encomendava no barracão — o entreposto de mercadorias mantido pelo dono do seringal — uma lata, pra fazer caldo d’água durante o período de resguardo. Por incrível que pareça, a manteiga vinha da Europa para as casas aviadoras de Manaus e Belém e dali chegava aos seringais do Acre.A lata era uma coisa preciosa. De bom tamanho, muito útil, tinha tampa e desenhos lindos e elegantes”.
Num outro trecho sobre a infância:
“Minhas irmãs também faziam as mesmas coisas que eu. As outras crianças, filhas de meus tios, do vizinho do lado, também iam pro roçado, iam buscar água no igarapé, varrer o terreiro, ajudavam a plantar arroz, milho e feijão. O pai à frente, cavando as covas, e elas colocando a sementinha nas covas. Você não tinha nenhum instrumento para ver uma realidade oposta àquela, para dizer: por que os filhos do fulano de tal ficam só brincando e nós, aqui, trabalhando? Não existia isso. Havia até um prazer de poder ajudar nossos pais a diminuir o fardo deles”.
Não se coloca em dúvida que Marina enfrentou enormes atribulações e é dona, sim, uma trajetória notável. A ex-seringueira acreana adquiriu malária cinco vezes, alfabetizou-se aos 16, chegou a senadora e ministra e concorre à presidência. Uma vencedora.
Mas a cartada da fome é típica de um populismo que, esperava-se, passaria longe da “nova política”. Quando ditou suas memórias, aquele sábado dramático, portinariano, não mereceu qualquer evocação. Hoje, talvez por insistência dos marqueteiros, a cena virou o filme.
É difícil competir com isso. Aécio, moço bem criado (ficou bom o botox), não tem o que oferecer nesse quesito. Dilma poderia apelar para o câncer ao qual sobreviveu para provocar a empatia da superação.
Se o fizesse, porém, a candidata do PSB provavelmente estaria pronta para acusá-la de demagogia.
A revelação em Fortaleza é mais uma faceta de um personagem surpreendente, cuja história não vai parar de ganhar novos capítulos e ser reescrita. Pelo menos até o fim das eleições.

50 ANOS DOS ASSASSINATOS DE PEDRO FAZENDEIRO E NEGO FUBA

07 DE SETEMBRO – INDEPENDÊNCIA OU MORTE? MORTE!!!
A vida é o direito mais sublime do ser humano.  Foi concedido por Deus. Só ele pode tomá-lo de volta. Não foi assim com Pedro Inácio de Araújo (Pedro Fazendeiro) e João Alfredo (Nego Fuba). Dois líderes camponeses cuja luta tinha como objetivo assegurar os direitos dos trabalhadores e a concretização da Reforma Agrária no Brasil. Para isso, fazia-se necessário que o homem do campo tivesse uma entidade que os assistisse e, em 1958, foi fundada a Liga Camponesa de Sapé, que tinha como lideranças João Pedro Teixeira; Pedro Fazendeiro, Nego Fuba, Assis Lemos, Severino Barbosa e outros.
Pedro Fazendeiro, homem de caráter, carismático, destemido, pacífico. Consciente da exploração do homem do campo, tinha o perfil perfeito para conscientizar o trabalhador na luta por seus direitos. Fazia o trabalho de base, era o alicerce das Ligas no campo. À medida que a Liga de Sapé crescia, crescia também a aversão dos latifundiários por ele e seus companheiros. Há época, o coronel Luiz de Barros, delegado do Município de Sapé, era o “carrasco dos trabalhadores”.
Com o Golpe Militar de 64, covardes, assassinos, psicopatas e detentores do poder deram vazão a seus piores instintos de crueldade. Pedro Fazendeiro foi preso no 15º Regimento de Infantaria, em Cruz das Armas. Órgão das Forças Armadas do Exército Brasileiro, na época sob o comando de José Benedito Montenegro de Magalhães Cordeiro, o major Cordeiro, capacho dos usineiros.
Lá, Pedro Fazendeiro foi torturado física e psicologicamente até o dia 07 de setembro de 1964, data em que, na calada da noite foi simulada uma soltura e Pedro Fazendeiro, juntamente com João Alfredo, foram levados pelos agentes. Hoje, 07 de setembro de 2014 – data que simboliza liberdade –meio século se passou, eas gerações de Pedro Fazendeiro e  Nego Fuba vivem presas à eterna tortura e a sentimentos de saudade, espera, dor, dúvida, desesperança, revolta, injustiça por conta da impunidade que se arrasta.
Pedimos que seja revista esta Lei da Anistia: não pode um torturador, um criminoso ser anistiado. Pedimos que o silêncio seja quebrado. As gerações atuais e futuras têm direito à verdade. É uma parte podre da História do Brasil que deve ser conhecida em toda sua totalidade. Pedimos que abram os arquivos da Ditadura. Não podemos continuar como Eternos Filhos do Silêncio. Queremos os restos mortais dos dois líderes para dar-lhes ao menos um sepultamento digno. Nossas entranhas clamam por justiça!
José Marinardi de Araújo
Josineide Maria de Araújo
Nadieje Maria de Araújo (in memoriam)
Naúgia Maria de Araújo
Walter de Araújo
____________________________
Filhos de Pedro Fazendeiro

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

terça-feira, 16 de setembro de 2014

Imagem do dia

Foto retirado do site uol

Resistência dos sem-teto paralisa o centro de São Paulo. De um lado o Estado não garante direitos e os governos não realizam a Reforma Urbana. Do outro, o povo resiste como pode em defesa do direito a moradia digna. É a luta de classes avançando cada vez mais!

quarta-feira, 3 de setembro de 2014

By Latuff


Saneamento básico: questão de vida! E vida não se privatiza!

A edição do Jornal da Paraíba de hoje (03/09/2014) divulga pesquisa acerca das preocupações dos eleitores paraibanos neste ano. Em primeiro lugar encontra-se a preocupação com a saúde seguido da preocupação com o abastecimento de água. Os números são 31% e 20%, respectivamente, dos entrevistados pela pesquisa IBOPE, contratada pelas TVs Cabo Branco e Paraíba. Dois problemas que, inclusive, tem relação direta, pois água é vida e não há vida sem saúde de qualidade.

É necessário destacar na pesquisa que, ao contrário do que se poderia pensar e do que comumente encontramos nos guias eleitorais, a preocupação dos eleitores está longe de ser a segurança pública que, na pesquisa citada, é apontada por 10% dos entrevistados na lista dos problemas enfrentados pela população. Segurança pública ainda fica atrás da preocupação com a educação que recebeu a votação de 12% nessa pesquisa.

O editorial da Folha de São Paulo do último sábado (30/08) intitulado “Brasil maltratado” aborda a questão do saneamento básico com base em dados divulgados pelo Instituto Trata Brasil. Segundo cálculo do Instituto somente nas cem maiores cidades brasileiras, 2.959 enormes piscinas de líquido de esgoto são lançadas sem tratamento nos rios. Na opinião do editorial, compartilhada aqui, “Pelo nível de renda que alcançou, o Brasil deveria ostentar indicadores bem vergonhosos de saneamento”.

E segue: 82,7% da população já têm acesso à água tratada, se aproximando assim da sua universalização. Já quando se fala de coleta de esgoto a média nacional é de apenas 48,3%. Menos da metade da população tem seus dejetos recolhidos. Quanto ao tratamento do esgoto a média vai pra baixo atingindo o índice vergonhoso de 38,7%.

“São Paulo, a maior e mais rica metrópole, não se sai muito melhor. Recolhe 96,1% do esgoto, mas trata apenas 52,2%. Tem 99,1% da população servida pela rede de água, no entanto enfrenta agora grave crise de abastecimento” diz o editorial.

Sem sombra de dúvidas, como vemos, a questão da água e saneamento é uma preocupação que diz respeito não apenas ao Estado da Paraíba e é preciso encará-la com responsabilidade. Para muitos governantes, lidar com esse tema não merece muita atenção, devido ao fato de se tratar de obras enterradas que causam transtorno quando se encontram em execução, e assim, não são “rentáveis” do ponto de vista eleitoreiro. Assim, tem ganhado força a idéia de que a melhor solução é a privatização deste setor, algo que ocorreu no Estado vizinho, Pernambuco, onde o sistema de esgotamento sanitário foi entregue a Odebrecht.

Na Paraíba, eleição após eleição é levantada a questão da privatização da CAGEPA ou sobre os projetos de Parceria Pública Privada, as PPPs, que tem se tornado moda entre os governantes em todo o país. Questão que aumenta nossa preocupação quando vemos a saúde ser entregue a iniciativa privada e não se diminuir os problemas enfrentados pela população; ao contrário. Não podemos ficar a mercê de empresas privadas cujo único objetivo é o lucro. Estamos falando, como exposto no início do artigo, de vida. E nossas vidas não podem se tornar objeto de lucro num mundo onde tudo é mercantilizado. Que se faça a reflexão!

Emerson Lira


segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Marina Silva é a nova cara da extrema-direita

Retirado do sítio do Jornal A Verdade

Após 12 anos no governo, o PT vive um momento de grande desgaste. Por não querer contrariar os interesses dos capitalistas, especuladores e ruralistas, os governos de Lula e Dilma gerenciaram a economia durante a última década garantindo os super-lucros dos setores privilegiados. Na área social, o governo procurou atender alguns setores com reformas e ampliação do crédito, mas que não tocaram, de fato, na principal contradição que é a enorme desigualdade social que existe no Brasil somada às péssimas condições dos serviços públicos.

Em junho de 2013, ficou evidente para quem ainda não queria ver o grande descontentamento do povo para com essa política de conciliação.  A classe trabalhadora, com amplas parcelas da juventude à frente, foi às ruas para gritar em alto e bom som toda a sua revolta. O número de greves é o maior desde a década de 90 e, mesmo que seja necessário enfrentar as direções sindicais, os trabalhadores escolhem parar e exigir seus direitos.

No momento das eleições, toda essa revolta se expressou em uma importante rejeição à candidata do PT ao executivo nacional, até porque Dilma não apresentou nenhuma proposta que representasse um enfrentamento aos problemas do país. Dilma se propõe a ficar mais quatro anos no governo fazendo mais do mesmo.
Belo Horizonte, Junho 2013
Belo Horizonte, Junho 2013

No entanto, todo o trabalho das organizações populares durante os anos de governo do PT não foi em vão. O povo brasileiro cresceu sua consciência política ao ponto de ver claramente que o PSDB é um partido que governa apenas para os ricos e de nenhuma maneira expressa uma mudança que beneficie os trabalhadores. Aécio Neves, candidato do PSDB, permanece com uma quantidade ridícula de intenções de voto para quem conta com o apoio total e irrestrito da mídia dos monopólios e dos banqueiros.

A rejeição ao PT, no entanto, está desaguando em uma candidatura que vem se mostrando tão reacionária quanto a do PSDB.

Após a morte de Eduardo Campos, Marina Silva assumiu candidatura a presidente se apresentando como portadora da novidade. Por ser mulher, negra, de origem nas lutas populares e por ter se desvinculado do PT em 2010, Marina conseguiu capitalizar o sentimento de transformação social e a fé na mudança política, principalmente, das parcelas mais jovens do povo. A história que Marina não conta, no entanto, é como ela conseguiu chegar lá, quem a apoia, financia, e quem está por trás de seu verdadeiro projeto político, projeto esse que ela prefere esconder ou desconversar.

Itaú e Natura, uma aliança das elites

Foi a associação com dois grandes capitalistas que deu a Marina Silva a estrutura para iniciar a construção de seu partido (REDE) e impulsionar suas candidaturas a presidente. Neca Setúbal, herdeira do Banco Itaú, e Guilherme Leal, bilionário dono da marca de cosméticos Natura e candidato a vice na chapa de Marina, se uniram para dar a Marina todo o dinheiro necessário para a construção da “nova política”.

O programa de Marina Silva e da REDE é dúbio e tergiversa sobre diversos pontos, menos no que diz respeito a manutenção da atual política econômica, que significa a retirada de dinheiro da saúde, educação e áreas sociais para pagar a dívida pública mantendo altos índices de juros. O próprio banco Itaú, além de ser devedor do fisco, é dono de muitos títulos da dívida brasileira.

Marina é, dessa maneira, apenas uma nova cara utilizada pela extrema-direita para expressar seu já velho e surrado programa de privatizações, aumento do controle dos financistas sobre a economia, arrocho salarial, ataque aos direitos trabalhistas e submissão do Brasil aos interesses dos países imperialistas.

Marina tenta se apropriar de tudo que cheire a novidade ou que represente a última moda, com o objetivo de disfarçar a velhice de seu programa. Caiu como uma luva sua religião evangélica, a mesma que está em crescimento no Brasil com o declínio da Igreja Católica em número de fiéis. Assim, a candidata não hesita em se dobrar diante de ameaças de pastores reacionários como Silas Malafaia, por exemplo.

A defesa do meio ambiente também é uma bandeira da moda que a candidata empunha sem disfarçar oportunismo. Não se encontra em seu discurso uma única crítica ao uso intensivo de agrotóxicos pelos ruralistas do agronegócio, um verdadeiro veneno que é posto em nossa mesa, e a defesa da reforma agrária também é um ponto esquecido.

Sobre todo o resto, não é possível ter certeza quem vai de fato governar. Se é Marina Silva, que não conta com o um partido constituído ou uma base social capaz de gerenciar o governo, ou se são os capitalistas que financiam e formulam sua campanha, e estão acostumados há anos na gestão do Estado.

Debater e explicar para a juventude

Fazer vencer o projeto da classe trabalhadora, o socialismo, significa também derrotar do ponto de vista ideológico o conteúdo e a forma da ideologia reacionária. É preciso explicar e debater com todos, mostrando que Marina é a nova cara do programa da extrema-direita, que foi derrotado na consciência de grande parte das pessoas e agora quer ressurgir com novos slogans e velhas práticas.

É preciso debater e explicar, em especial à juventude, que a novidade não está na forma do discurso, mas no conteúdo das ideias. São as ideias de igualdade social, fraternidade entre as pessoas e combate à exploração e ganância que representam o futuro, e não a velha proposta de manter a política econômica que beneficiou e vai continuar beneficiando os muito ricos.

Nesses pouco mais de 30 dias que faltam para as eleições, não podemos fingir que esse debate está acontecendo fora da nossa base social e que não nos diz respeito. Desmascarar a candidatura de Marina é desmascarar a nova cara que a extrema-direita pretende assumir no Brasil.

Jorge Batista, São Paulo

sábado, 30 de agosto de 2014

Uma entrevista com o cartunista Carlos Latuff sobre a Palestina, o Rio de Janeiro e as eleições deste ano

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Poucos cartunistas se deram tão bem na era da internet quanto Carlos Latuff. Bom desenhista, politicamente engajado, inteligente e rápido no gatilho, Latuff tomou posições claras e se tornou uma referência no ativismo social.

No fim dos anos 1990, ficou chocado com a situação palestina durante uma visita e passou a tê-la como inspiração principal. Com isso, ficou cada vez mais comum ver seus trabalhos reproduzidos em cartazes e faixas de manifestantes anti-guerra pelo mundo inteiro.

Nascido no Rio de Janeiro há 45 anos, vive em Porto Alegre, e foi adotado pelos gaúchos. Sente-se mais em casa ali do que no Rio, que considera uma cidade desvirtuada do que foi nos bons tempos.

Eram mais de onze da noite quando o DCM conseguiu falar com ele via vídeo-conferência. Latuff finalizava uma charge. Foi um bate papo de mais de uma hora com uma pessoa falante, animada com o trabalho e politicamente crítica.

A seguir, alguns trechos selecionados de sua entrevista.

Diário do Centro do Mundo: Você está desenhando?

Carlos Latuff: Não, eu estava. Fiz um desenho aqui sobre a Marina, vou te mostrar (ele mostra pelo monitor a imagem abaixo).
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DCM: Você acha que há uso eleitoral da morte do Eduardo Campos?

CL: Em política não tem esse papo de sentimentalismo. O negócio é que ele morreu. Houve um choque porque é uma tragédia, diferente do caso do Plínio de Arruda Sampaio. Só que na política, ainda mais em se tratando de eleições, existe a questão prática. Era de se esperar que isso acontecesse. De fato, a morte do Campos catapultou a candidatura da Marina. Na política vale o pragmatismo.

DCM: Você tem candidato?

CL: Não. Eu não me sinto representado por ninguém, mas parece que vou chegar numa situação semelhante à que me encontrei na primeira eleição entre Dilma e Serra, em que tive que escolher entre o ruim e o pior. O Serra não dá, então votei nulo no primeiro turno e no segundo, não só votei na Dilma como fiz campanha.

DCM: Quem você acha que vai ser o Serra da vez?

CL: Rapaz, o Aécio e a Marina. O Aécio é o Serra, é o tucano, é o que a gente já conhece. E a Marina representa o fundamentalismo evangélico. O sistema colocou a gente entre a cruz e a caldeirinha. Não tem muito o que fazer.
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DCM: Então você não avalia bem esses 12 anos de PT?

CL: Eu poderia passar horas aqui dando a minha opinião sobre o governo do PT, mas tenho uma analogia que acho que pode sintetizar: o PT e o PSDB disputam o cargo de síndico num prédio que tem dono. Os dono não são eles, e eles não querem ser donos. Querem apenas administrar. Para administrar, precisam fazer acordos com os donos do prédio. Um administra de um jeito, outro administra de outro, mas no fim das contas são só síndicos. Quando falam que o PT está no poder, eu discordo. O PT não está no poder, o PT está no governo [ele acentua "governo"]. Para governar, precisa fazer alianças com quem está no poder. E quem chegou lá não chegou por meio do voto. Aí a gente fala de classes dominantes.

DCM: Para você, as classes dominantes são os donos do prédio?

CL: Sim, eles que são os donos do prédio. Tem até uma charge que eu fiz em que aparece um oligarca numa cadeira de engraxate, com um PT e o PSDB engraxando os sapatos, cada um de um lado. Eles diz “não briguem, meninos, ambos estão me servindo muito bem”. Então sempre vai precisar de acordos. A menos que você tivesse uma espécie de Hugo Chaves no Brasil, um sujeito que levasse sozinho todo mundo. Aí, você poderia enfrentar melhor o poder.
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DCM: Você nasceu no Rio de Janeiro, certo?

CL: Sim.

DCM: Mas não mora mais lá…

CL: Estou em Porto Alegre há um ano.

DCM: Por quê você foi?

CL: Aqui tem mais qualidade de vida. Eu que nasci, fui criado e vivi no Rio de Janeiro por 45 anos não reconheço mais a cidade, não reconheço a vizinhança. Virou um Estado policial. As pessoas acompanham como têm sido as repressões aos movimentos sociais. O Rio de Janeiro, do Leonel Brizola pra cá, só desce a ladeira. Então eu sempre vim pra cá, me simpatizei muito com os gaúchos… o gaúcho não é muito parecido com o carioca.
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DCM: Quais são as diferenças?

CL: Acho que o gaúcho não é tão expansivo quanto o carioca. É mais reservado em alguns aspectos. Eu gosto muito do Rio Grande do Sul. Tenho sido muito bem tratado aqui. Não me imagino voltando pro Rio de Janeiro.

DCM: O que você acha que deveria ter sido feito no Rio?

CL: Eu não sou Brizolista e nem tenho filiação partidária. Nunca tive. Mas o Brizola tinha uma perseguição com educação. Inclusive o carro chefe dele eram os CIEPs [Centro Integral de Educação Pública]. Foi o único governador que se preocupou com educação. Educação é fundamental para construir a sociedade. No segundo governo, ele teve problemas com os professores, mas mesmo assim ele foi o melhor nesse aspecto. Ele tinha como secretario da educação o Darcy Ribeiro. Aquele caminho que eles estavam trilhando estava melhor. O Brizola proibiu a polícia de chutar porta de barraco, então o acusavam erroneamente de ser conivente com a bandidagem. Hoje chutar porta de barraco é o mínimo.

DCM: Então o Brizola teria sido inimigo do Capitão Nascimento?

CL: Exatamente. O Rio de Janeiro hoje virou uma grande Tropa de Elite. O filme, inclusive, serviu para pavimentar o caminho para as UPPs. É de uma propaganda fascista tão clara que é incrível. E funcionou muito bem para vender a UPP como solução para a criminalidade nas favelas.
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DCM: E a Palestina? O seu trabalho tem sido muito usado como bandeira da causa. Como você vê isso?

CL: Como artista é muito gratificante ver a arte transcendendo o papel editorial. Quando ele sai das páginas do jornal e ganha as ruas, ele já subverteu esse papel, se tornou um instrumento de luta para aquele povo. Isso me deixa feliz, mas eu ficaria mais feliz se ela pudesse impedir o massacre e não apenas denunciá-lo. Mas eu como artista não tenho esse poder. Quem tem, não o faz. Infelizmente, a arma que eu tenho é essa.

DCM: Por quê você adotou a Palestina como mote principal da sua obra nessa última fase?

CL: Eu estive lá em 1998, e quando você é testemunha ocular de uma situação, tem mais condição de abraçar à causa. A experiência pessoal é diferente. Eu passei 15 dias na Cisjordânia e pude ver exatamente como os palestinos viviam. E decidi apoiá-los através da arte.

DCM: Você voltou pra lá depois?

CL: Não, não posso. Se eu voltar para lá agora, com sorte me mandam de volta. Não há como entrar na Palestina, com exceção de Gaza que faz fronteira com o Egito. Eles não tem controle sobre as próprias fronteiras, não há um Estado. A autoridade palestina é uma piada. Quem tem autonomia realmente é Gaza. A Cisjordânia é toda cheia de muros, check-points, patrulhas. Eles não têm autonomia, então para entrar no território palestino, você precisa da autorização de Israel. Eu tenho uma amiga chilena com descendência palestina que está na Jordânia. Ela tentou entrar em Israel. Passou por três checagens, com perguntas de perfil racial. Eles te perguntam “esse sobrenome é de que origem?”, “de onde é seu pai?”, “você é palestina?” Então se desenham o perfil de um árabe, já partem do pressuposto que há um problema. Ela ficou mais de 10 horas num cubículo sem água e sem comida, e depois foi mandada embora. No meu caso, não vão nem perguntar.
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DCM: Como você imagina que a coisa está lá hoje, mais de 15 anos depois?

CL: Muito pior.

DCM: Você fantasia o estado das coisas?

CL: Se você pegar o mapa de 1948 pra cá, vê que o território palestino diminui a cada dia. O governo de Israel sempre fala em acordo de paz. Enquanto eles dizem isso, vão construindo assentamentos e roubando o território palestino. Hoje tem o muro que não tinha quando eu estive lá. Tem também a divisão de Gaza e Cisjordânia, que não tinha. E a autoridade palestina também não ajuda, é um fantoche.

DCM: Como você vê o Hamas?

CL: O Hamas é, querendo ou não, governo. Se referir a eles como grupo terrorista aborta qualquer possibilidade de diálogo. Eu costumo dizer que Israel não tem moral para falar de terrorismo, já que seu Estado foi fundado sob terrorismo. Existiam basicamente três grupos judaicos criados antes de 1948 que aterrorizavam a população local. O primeiro caminhão-bomba detonado no Oriente Médio foi desses grupos. O termo terrorismo é muito flexível. Os alemães chamavam as guerrilhas francesas de terroristas na segunda guerra. Os movimentos armados no Brasil contra a ditadura eram chamados de terroristas.

DCM: Tem gente até hoje que diz que a Dilma foi terrorista…

CL: Sim. Mas, então, o Hamas foi eleito em 2007, só que Israel, a Europa e os EUA não reconheceram, então isolaram o grupo. Israel é o irmãozinho folgado porque tem o irmãozão, os EUA. Nada passa contra Israel no conselho de segurança da ONU. Nunca teve investigação por crimes de guerra em Israel. Já teve em Ruanda, na Bósnia, mas nunca em Israel.
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By Latuff


"Marina, você não merece a confiança do povo brasileiro"

Retirado do facebook

Em "nota de esclarecimento", Marina Silva desmente seu próprio programa de governo e afirma que não apoia o casamento civil igualitário, mas uma lei segregacionista de "união civil". Vocês já imaginaram um candidato presidencial dizendo que é contra o direito dos negros ao casamento civil, mas apoiaria uma "lei de união de negros"? A nova política da Marina é tão velha que lembra os argumentos dos racistas americanos de meados do século XX. Contudo, o pior é que ela brincou com as esperanças de milhões de pessoas! E isso é cruel, Marina!

Bastaram quatro tuites do pastor Malafaia para que, em apenas 24 horas, a candidata se esquecesse dos compromissos de ontem, anunciados em um ato público transmitido por televisão, e desmentisse seu próprio programa de governo, impresso em cores e divulgado pelas redes. Marina também retirou do programa o compromisso com a aprovação da lei João Nery, a elaboração de materiais didáticos sobre diversidade sexual, a criminalização da homofobia e da transfobia e outras propostas. Só deixou frases bonitas, mas deletou todas as propostas realmente importantes. E ela ainda nem se elegeu! O que esperar então dela se eleita presidenta quando a bancada fundamentalista, a bancada ruralista e outros grupos de pressão começarem a condicionar o apoio a seu governo? Tem políticos que renunciam a seus compromissos de campanha e descumprem suas promessas depois de eleitos. Marina já fez isso mais de um mês antes do primeiro turno. Que medo!

Como todos sabem, minha candidata presidencial é Luciana Genro. Ela SEMPRE defendeu todos os direitos da comunidade LGBT e foi a primeira candidata na história do Brasil que teve a coragem de pautar esses temas no debate presidencial da Band. Contudo, ontem, quando consultado pela imprensa, apesar da minha desconfiança com relação à Marina, elogiei o programa apresentado pelo PSB (apenas no que dizia respeito aos direitos da população LGBT, já que discordo profundamente de muitas outras propostas neoliberais e regressivas nele contidas). Fiz isso porque acho que os posicionamentos corretos devem ser reconhecidos, mesmo que provenham de um/a adversário/a.

É com essa autoridade, de quem agiu de boa fé, que agora digo: Marina, você não merece a confiança do povo brasileiro! Você mentiu a todos nós e brincou com a esperança de milhões de pessoas.

Jean Willys - Deputado Federal pelo PSOL

quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Lei da Anistia faz 35 anos hoje; a impunidade dos torturadores persiste

vale anistiaPlástico da campanha da anistia – Coleção do blogueiro

RETIRADO SITE UOL - BLOG DO MÁRIO MAGALHÃES

Trinta e cinco anos atrás, no dia 28 de agosto de 1979, o “Diário Oficial da União'' publicava a lei nº 6.683, que passaria à história como a Lei da Anistia. Assinaram-na o ditador João Baptista Figueiredo e seus ministros.

De lá para cá, torturadores, assassinos, genocidas e outros autores de crimes contra a humanidade foram punidos mundo afora, da Argentina à Sérvia, do Camboja à Alemanha.

Menos no Brasil.

Aqui, os velhos agentes do Estado que torturaram, mataram e sumiram com corpos de oposicionistas, privando as famílias de oferecerem uma despedida digna aos seus filhos, irmãos, pais e mães, continuam livres por aí.

Vão morrendo aos poucos e deixando a mensagem às futuras gerações: podem barbarizar de novo, porque dá em nada, é crime sem castigo.

A campanha da anistia mobilizou milhares de brasileiros na segunda metade da década de 1970. Exigia anistia ampla, geral e irrestrita aos perseguidos pela ditadura imposta em 1964. Jamais reivindicou a impunidade que a ditadura concedeu a si mesma e aos seus.

O plástico reproduzido acima é memorabilia daquelas jornadas, presente que ganhei de uma alma generosa.

Dez anos atrás, às vésperas do aniversário de um quarto de século da Lei da Anistia, escrevi na “Folha'' o artigo republicado abaixo. A ferida segue purulenta.

A propósito, o que pensam sobre o assunto os candidatos à Presidência? Algo novo ou só a velha defesa mal disfarçada da impunidade dos agentes da ditadura?

*

Anistia e tortura: uma ferida purulenta

Efemérides são oportunidade para redescobrir o passado e aprender com suas lições. São também armadilha: celebram mitificações, protocolos e lugares-comuns. O calendário de 2004 é gordo: 70 anos da primeira Constituição depois da República Velha, 60 do Dia D, meio século do tiro de Getúlio, quatro décadas do golpe de Estado, duas da Campanha das Diretas, uma da última curva do Senna.

No mês que vem, faz 25 anos a canetada com que o general João Baptista Figueiredo sancionou a Lei da Anistia. Será uma pena se o país desperdiçar a chance de encarar uma ferida purulenta e já longeva: a impunidade dos autores -e responsáveis- de atos de tortura, assassinato e desaparecimento forçado de oposicionistas na ditadura (1964-85).

Um bom começo é a releitura da lei 6.683, de agosto de 1979. Convencionou-se em círculos amplos interpretar que teria ocorrido um perdão de mão dupla: anistiavam-se os punidos por crimes políticos de 1961 a 1979, bem como os agentes do Estado que houvessem cometido violência de toda espécie contra aqueles.

Estes estariam abrigados no chapéu dos “crimes conexos'', assim definidos: “crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política''. Nenhum dos 15 artigos, contudo, fala em tortura.

Seria difícil: a anistia beneficiou quem foi condenado ou punido de algum modo. Ignora-se a existência de torturadores processados e castigados na Justiça devido aos flagelos físicos a que submeteram prisioneiros.

A anistia foi concedida individualmente. Não se tem notícia de quem tenha pronunciado seu próprio nome, assumido que amarrou seres humanos no pau-de-arara, seviciou-os com choques elétricos, matou-os a pauladas, sumiu com seus cadáveres, e tenha requerido perdão legal. Não há acusação e punição, inexiste anistia.

Considerar a Lei da Anistia como salvo-conduto aos torturadores poderia sugerir um direito nonsense: o regime que promoveu a barbárie teria a prerrogativa de se auto-anistiar. Estimularia o preceito segundo o qual o autor do crime pode ser também autor do perdão a si mesmo.

Voltar os olhos para o que passou não é exercício de arqueologia política. Ajuda a entender o presente. É difícil acreditar que o emprego disseminado da tortura hoje em dependências policiais não seja herdeiro da impunidade que amparou os torturadores de outrora.

Não basta que a história conte a tortura. É preciso conhecer os algozes e puni-los, como exemplo às gerações. Recorrer ainda ao clichê da “fragilidade da democracia brasileira'' para desculpar os torturadores é expediente destinado a eternizar o temor de reabrir feridas. Elas nunca cicatrizaram.

Consagra a hipocrisia o país que proclama ter a anistia zerado o jogo para os torturadores, mas não lhes permite ocupar certos postos da administração pública. Está certo no veto, justamente porque a Lei da Anistia não os anistiou. Nem deveria. Ao mandar os velhos torturadores para a cadeia, a Argentina avisa: nunca mais. Ao deixar para lá os seus, o Brasil dá sinal verde a novas tragédias.

(Mário Magalhães, “Folha de S. Paulo'', 12 de julho de 2004)

quarta-feira, 27 de agosto de 2014

segunda-feira, 25 de agosto de 2014