segunda-feira, 31 de agosto de 2015

CPI do HSBC quebra e logo “desquebra” sigilos dos donos do poder

Jacob Barata, Jacob Barata Filho, David Ferreira Barata, Rosane Ferreira Barata (reis do ônibus no RJ), Jacks Rabinovich (grupo Vicunha), Paula Queiros Frota (Grupo Edson de Queiroz), Benjamin Steinbruck e família (CSN): estes e mais de 8 mil brasileiros deveriam ser investigados pela CPI do HSBC (Senado) por supostamente manterem contas criminosas no exterior (não declaradas ao Fisco), nos anos de 2006/2007, com valores superiores a 7 bilhões de dólares. Isso significa a prática dos crimes de evasão de divisas e sonegação fiscal; e tudo que for de origem ilícita configura também o crime de lavagem de capitais. Crimes relativamente frequentes na tradição dos “senhores neofeudais”.

No dia 30/6/15 a CPI (que é uma investigação política) determinou a quebra de muitos sigilos bancários. O STF ratificou essa decisão. Tudo indicava que, desta vez, muitos senhores neofeudais fossem prestar contas de parte dos seus caprichos à nação brasileira. A alegria dos que querem ver o Brasil passado a limpo durou pouco. Mas a esperança de que algo mude não morreu. A Justiça tem que entrar em campo. É incrível, no entanto, como os políticos transformam sonhos utópicos em distópicos. Quinze dias depois de decretada a quebra veio a “desquebra” dos sigilos. Os poderosos econômicos e financeiros (os verdadeiros donos do poder) quando não asseguram sua impunidade por meio das leis ou por intermédio do próprio Judiciário, se arrumam no campo político (que é o mais sensível à proteção dos seus interesses, tendo em vista o financiamento das suas campanhas eleitorais).

Todos os senadores que compõem a CPI (do PT, PSDB, DEM, PP, PMDB, PR e PSD) votaram pela pouca vergonha da “desquebra” (a única exceção teria sido Randolfo Rodrigues, PSOL-AP – veja O Globo 1/8/15: 17). O argumento ridículo para o privilégio foi o seguinte: “É uma temeridade quebrar os sigilos bancários de pessoas que têm reputação ilibada. Não existe nada que desabone a sua conduta. Eles são grandes empresários nacionais”. É de estarrecer! Dinheiro remetido ao exterior criminosamente não é gerador de nenhuma suspeita. Não desabona! Necessidade de fazer a lei ser cumprida para todos não constitui razão suficiente. Por mais ilibada que seja uma pessoa, se ela tem conta aparentemente criminosa no exterior, tem que ser investigada. Do contrário, os senhores neofeudais continuam se julgando acima das leis (podendo mandar e desmandar conforme seus caprichos). Em qualquer país moralmente sério (escandinavos, por exemplo), todos esses políticos teriam sido peremptoriamente defenestrados.

Episódios como esse mostram o quanto o Brasil ainda continua composto de senhores neofeudais, cidadãos e neoescravos (neoserviçais, que são os assalariados em geral). Nosso sistema republicano não vale igualmente para todos. República perpetuamente adiada. Os privilégios são ofertados aos plutocratas (adeptos da dominação dos ricos, não necessariamente dos melhores, como imaginavam Aristóteles e Platão), muitos deles oligarcas (governo de poucos, de acordo com o capitalismo selvagem de compadrio e de cartéis) e alguns descaradamente cleptocratas, como os envolvidos nos escândalos de corrupção (governo dos ladrões). Uma das classes (a dos dominantes) desfruta de todos os privilégios imagináveis, que são a razão da nossa desigualdade extrema, que é filha da especulação e do extrativismo e mãe da opressão e da espoliação.

Falam em perda de compostura, quando o correto seria ausência. A CPI do HSBC, como tantas outras, é um cadáver insepulto. Só não é o caso de se pedir uma CPI contra a CPI porque no caos que nos encontramos (novamente, ao longo da nossa História) não temos mais nenhum minuto de sobra para devaneios. Do caos para o colapso total a linha é muito tênue. Nunca aprendemos (na História da nossa formação moral) a lição que ensina que existe uma grande distância entre o que nós desejamos e o que é desejável.

Entre o desejado, de um lado, e o desejável, de outro, está uma opinião, um juízo de valor, ou seja, a ética (E. Giannetti). Ela é o filtro que separa o desejado do desejável. Falta esse filtro seja no momento em que remetemos dinheiro criminosamente para o exterior (não declarando ao Fisco), seja quando uma CPI “desquebra” o sigilo bancário e não investiga quem fez isso. Pior: desquebra sob a alegação de que alguns senhores não podem ser afetados em sua “reputação ilibada”. A servidão do povo brasileiro só acabará no dia em que ele entender todas essas coisas. Precisamos de mais gente contando isso para o povo.
 

domingo, 30 de agosto de 2015

Charges na rua


Quem são os eleitores? 10 empresas financiaram 70% dos deputados

Quem so os eleitores 10 empresas financiaram 70 dos deputados

Lawrence Lessig (renomado professor da Faculdade de Direito de Harvard) e Paulo Roberto Costa (réu confesso e delator no caso Lava Jato, que está preso em regime domiciliar) afirmam que as doações empresariais de campanha distorcem a República e têm por objetivo influenciar o comportamento dos eleitos (deslegitimando a democracia). Reportando-se ao caso americano, Lawrence Lessig é enfático: “Temos eleições gerais, mas só depois que os financiadores escolhem os candidatos que vão participar da disputa”. Do sistema de dominação (invisível) exercido pelos poderosos econômico-financeiros, faz parte o controle do poder político, que é o visível. Isso representa uma distorção gravíssima, que acontece com maior ênfase no Brasil, onde apenas 10 grandes empresas participaram do financiamento das campanhas de 70% dos deputados federais eleitos em 2014.

De cada 10 deputados federais, portanto, 7 foram financiados (“corrompidos em sua independência”) pelos 10 doadores empresarias que mais “investiram” nos políticos (cf. PortalEstadão 8/11/14). São 360 dos 513 deputados, distribuídos em 23 partidos diferentes. O dinheiro dos financiadores não têm cor nem ideologia. O fundamental para o sistema de dominação é ter o controle do poder político. Tudo e todos (incluindo, particularmente, o poder político e o poder midiático) devem estar sob suas rédeas. Com o sistema de dominação de uma sociedade não se brinca. Os dez maiores financiadores são: JBS (bancada do bife), Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht, UTC e Queiroz Galvão (bancada das betoneiras ou do concreto), Grupo Vale (bancada dos minérios) e Ambev (bancada das bebidas). Além dessas ainda existem as bancadas da bola, da bala, da bíblia etc. O STF já votou (majoritariamente) pela inconstitucionalidade desse financiamento empresarial.

Não existem de fato eleições livres no Brasil e não é difícil compreender onde está o centro do problema. Se um candidato não dispõe de recursos significativos para promover a sua campanha e outro está abastecido por milhões (os eleitos gastaram 11 vezes mais que os não eleitos), já se sabe de antemão quem vencerá. O número de pessoas alcançadas pela propaganda deste último superará em muito os que sequer saberão da candidatura do outro. No nosso caso, temos que considerar ainda o caráter endêmico do abuso do poder econômico caracterizado pela compra do apoio de lideranças políticas.
Paga-se, e muito, a pessoas com as quais o candidato não possui vínculo algum, desde que sejam capazes de mobilizar certo número de eleitores. Isso explica a votação imensa obtida por notórios desconhecidos. Em circunstâncias assim, para ser eleito é mais conveniente encontrar meios de conquistar o beneplácito de poderosos financiadores que perder tempo tentando convencer os eleitores da validade dos seus propósitos políticos.

Uma das formas mais comuns de compra de apoio político é a das “dobradinhas” entre candidatos a deputado federal e estadual. Opulentos candidatos à Câmara Federal escolhem diversos postulantes à Assembleia Legislativa, espalhados por diferentes regiões do Estado, e integrantes dos mais diversos partidos para pedirem votos em conjunto. Até integrantes de partidos aparentemente rivais conjugam seus esforços para assegurar vitória eleitoral um ao outro. O candidato a deputado estadual entra no “negócio” com sua base local de eleitores; o que postula o cargo federal participa do acordo com dinheiro, muito dinheiro (que normalmente vem dos “financiadores de campanhas”).

Alguém que se predisponha a disputar com um candidato assim está fadado, com raríssimas exceções, à derrota. Mas não é o oponente o maior perdedor, senão toda a República e a democracia. Os eleitos não são de fato representantes dos cidadãos, mas dos seus poderosos financiadores. Não há problema em adotar no mandato postura que contrarie os votantes. Só um pecado não é aceito: negar ajuda a quem tornou possível a superação do jogo financeiro em que se transformaram as eleições.

O resultado é um Congresso Nacional que definitivamente não espelha a complexidade e riqueza social de um País imenso e plural com o Brasil. “Garimpar verbas de campanha se tornou um estilo de vida”, afirma Lessig. Costa complementa: “doação oficial é uma balela”, para deixar claro que, na verdade, o que ocorre é uma operação de natureza econômica, uma compra e venda. Os criminosos (ao menos aparentemente) falam com autoridade (sobre os crimes organizados dos quais participam).

Esse não é apenas um problema americano ou brasileiro, mas um desafio para o aperfeiçoamento da democracia no Século XXI. Trata-se de solucionar um problema grave (inclusive filosófico). A democracia moderna foi concebida por uma classe social ascendente, a burguesia, para permitir a seus integrantes a partilha do poder político. Dois séculos de desenvolvimento sociopolítico fizeram surgir o voto universal, expandindo o número daqueles aptos a escolher os mandatários. Mas esse movimento não se fez acompanhar por outro: a candidatura universal.

De fato, os candidatos são escolhidos e suas campanhas são viabilizadas por setores diminutos da sociedade, justamente os grandes detentores do capital econômico-financeiro (que são os verdadeiros donos do poder), o que mostra que o processo de aprofundamento da democracia pode e deve seguir seu curso.

Por Márlon Reis (juiz de direito e membro do MCCE) e Luiz Flávio Gomes (jurista e presidente do IAB).

sábado, 29 de agosto de 2015

Delações detonam Nova República



Delaes detonam Nova Repblica a de Youssef vale diz STF
Pela primeira vez na nossa história o fim de um ciclo no Brasil está ligado à Justiça (que acaba de convalidar as delações premiadas de A. Youssef). A independência (1822) acabou (em termos) com o colonialismo (1500-1822); a lei áurea (1888) foi o golpe mortal do Império (1822-1889); Getúlio (1930) aniquilou a Primeira República (oligárquica, do “café com leite”); a democracia populista e patricial (1945-1964) liquidou o Estado Novo autoritário; a ditadura civil-militar (1964) derrotou o chamado (e controvertido) “risco do comunismo”; as delações premiadas (2015) estão detonando os senhores neofeudais donos do poder e da Nova República.

Já foram feitas 22 delações e podem ainda acontecer mais umas 30 ou 40, disse o PGR. Elas estão no epicentro da implosão de mais um ciclo da nossa existência coletiva. Depois de 30 anos (1985-2015), a Nova República (redemocratização) chegou ao ápice do seu esgotamento, com dezenas de empresários, altos funcionários e ex-políticos na cadeia. Não podemos continuar chamando de destino todas as asneiras que cometemos na nossa construção política, econômica e social. “Quando um barco [dá sinais evidentes de que] começa a afundar, não reze. Abandone-o” (Max Gunther). É preciso colocar um ponto final na Nova República.

As crises todas que estamos vivendo (que não são novidade, diga-se de passagem), vistas em seu conjunto, vão muito além das “roubalheiras do PT” (que aprimorou, aprofundou e institucionalizou a corrupção no aparelhamento do Estado, mas não a inventou). A corrupção sistêmica é uma das marcas registradas de todos os governos da redemocratização (Sarney, Collor, Itamar, FHC, Lula e Dilma). “Não importa a distância já percorrida na estrada errada, volte [ou mude de rumo]” (Provérbio turco).

Quem diria que as delações premiadas fossem produzir tanta eficácia a ponto de detonar a Nova República, assim como as bombas atômicas dizimaram Hiroshima. O STF, por unanimidade, acaba de convalidar a homologação das delações feitas por Youssef. O ato homologatório de Teori Zavascki não tem nada de nulidade. Youssef é apontado como um dos principais organizadores do esquema de desvio de recursos da Petrobras. Foi a partir das delações dele que o STF abriu a maioria dos inquéritos contra 35 congressistas suspeitos de ligação com a criminalidade organizada dentro da estatal. Um “conluio de delinquentes” assaltaram a Petrobras (disse o ministro Celso de Mello).
De qualquer modo, as delações não são provas, enquanto não comprovadas dentro do devido processo legal (com todas as garantias). Não se admite condenação penal quando a única prova residir na prova de agente colaborar. Mesmo que se associem a outros depoimentos, não importa (Celso de Mello – STF, HC 127.483).

A suposta inidoneidade de Alberto Youssef para firmar acordo de delação depois de descumprir a cláusula de não voltar a delinquir, incluída em colaboração anterior, foi refutada pelo STF (por unanimidade). O ministro Dias Toffoli explicou que a idoneidade não se verifica em razão dos antecedentes criminais, mas sim em decorrência da comprovação das informações resultantes da colaboração. Até porque, destacou, os delatores são pessoas envolvidas em delitos que têm como objetivo a redução das sanções penais ou a obtenção de benefícios nas condenações a que venha sofrer.

Gilson Dipp, num parecer (veja Conjur), opinou pela derrubada das delações de Youssef por falta de credibilidade (sobretudo porque ele já quebrara delação anterior). O paradigma do direito penal brasileiro, por decisão do poder político (Executivo e Legislativo), se alterou: a palavra (delação) dos ladrões passou a ter grande relevância no nosso sistema penal (tudo depende do quanto que o delatado é comprovado em juízo). O Estado falido e moralmente carcomido (em virtude da baixa estatura moral das bandas podres e cleptocratas dos seus donos econômicos, financeiros e políticos) necessita das informações do ladrão, como o paciente de hemodiálise carece de sangue. O Estado brasileiro jogou a toalha. Para mostrar eficácia, precisa contar com a ajuda dos ladrões. É por meio deles que se está chegando aos barões-ladrões.

No novo paradigma penal, quanto mais ladrão seja o agente (posto que tem mais informações), mais útil ele será. Quanto mais ladrão, mais informações e quanto mais informações, mais provas e quanto mais provas, mais “prêmios” para o delator e mais penas para os delatados. Essa é a dinâmica do direito premial. O mais premiado será sempre o ladrão mais festejado. Quem não sabe que o ladrão, especialmente o do erário, de pronto, não tem credibilidade? Mas isso é o que menos importa para o novo sistema de “Justiça” criminal. Entramos definitivamente na era do “direito líquido” (Bauman). A pós-modernidade corre por entre os dedos. O sistema jurídico Hermes (descrito pelo belga François Ost) é flexível, comunicativo e volátil. Algo mais profano seria impossível. A lógica da nova Justiça é peculiar. De qualquer modo, “A lógica, como o whisky, perde seu efeito benéfico quando tomada em quantidades exageradas” (Lord Dunsany).
O artigo 86, § 12º, da Lei 12.529/2011 (tanto quanto a nova lei anticorrupção), traz a sanção da “quarentena” (de 3 anos) àquele que descumpra o acordo de leniência nos casos de carteis ou das pessoas jurídicas que geram danos ao Estado. Diferentemente, a Lei 12.850/2013 (Lei de Combate às Organizações Criminosas) não previu essa sanção de “quarentena”. Quem já quebrou delação anterior pode fazer uma nova (no mundo da criminalidade organizada). Interpretação contrária (como pretende o ex-ministro Dipp) seria analogia contra o réu (in malam partem). Totalmente inconstitucional, portanto. O valor da delação está diretamente ligado às provas que dela podem emanar. Por mais ladrão e mau-caráter que seja a pessoa, se suas informações forem confirmadas por provas indiscutíveis, mais prêmio ele vai receber. Esse é o espírito do novo sistema. Não há nulidade nisso nem prova ilícita por essa razão, desde que o juiz jamais condene qualquer pessoa só com base na delação.

A falta de credibilidade do delator não constitui razão legal para o juiz recusar a homologação da delação. Por isso que Teori Zavascki (do STF) homologou a colaboração de Youssef. Frise-se que o acordo de colaboração premiada pretende colher provas ou elementos de prova a fim de alcançar os resultados nela previstos. Mais utilitarismo impossível. De escanteio ficou a polêmica sobre a ética. A delação em si não serve de prova. Pouco importa, portanto, de acordo com o novo sistema de “Justiça”, que o delator seja impoluto ou cafajeste. A qualidade do agente, por si só, não contamina a delação, se dela a Justiça consegue provas do crime investigado, recuperação dos bens surrupiados e ressarcimento dos danos causados. Tudo isso já acontece nos EUA intensivamente desde o final do século XIX. “Não há nada novo sob o sol, mas há muitas coisas velhas que não conhecemos” (Ambrose Bierce).

Para o STF a quebra de um acordo não impede que outro seja celebrado, caso o Ministério Público considera a participação relevante, porque ele não interfere no teor dos depoimentos dos colaboradores. Isso porque a homologação valida apenas o acordo que traz benefícios e obrigações para o delator, sem confirmar o teor das declarações.

Lewandowski foi mais longe: o fato de as delações serem fechadas com delatores ainda presos não anula necessariamente a delação. Segundo o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, 30% das delações foram fechadas com pessoas ainda presas. “A prisão por si só não vicia a vontade do delator. Mas isso não impede que o delator comprove que sofreu algum constrangimento a comprometer a livre manifestação de sua vontade, com familiares ameaçados, acometidos por doença, esse ato por ter natureza negocial não subsistirá”, disse Lewandowski.

Foto: Fabio Rodrigues Pozzebom / Agência Brasil

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001). [ assessoria de comunicação e imprensa +55 11 991697674 [agenda de palestras e entrevistas]