Lawrence Lessig (renomado professor da Faculdade de Direito de
Harvard) e Paulo Roberto Costa (réu confesso e delator no caso Lava
Jato, que está preso em regime domiciliar) afirmam que as doações
empresariais de campanha distorcem a República e têm por objetivo
influenciar o comportamento dos eleitos (deslegitimando a democracia).
Reportando-se ao caso americano, Lawrence Lessig é enfático: “Temos
eleições gerais, mas só depois que os financiadores escolhem os
candidatos que vão participar da disputa”. Do sistema de dominação
(invisível) exercido pelos poderosos econômico-financeiros, faz parte o
controle do poder político, que é o visível. Isso representa uma
distorção gravíssima, que acontece com maior ênfase no Brasil, onde
apenas 10 grandes empresas participaram do financiamento das campanhas
de 70% dos deputados federais eleitos em 2014.
De
cada 10 deputados federais, portanto, 7 foram financiados (“corrompidos
em sua independência”) pelos 10 doadores empresarias que mais
“investiram” nos políticos (cf. PortalEstadão 8/11/14). São 360
dos 513 deputados, distribuídos em 23 partidos diferentes. O dinheiro
dos financiadores não têm cor nem ideologia. O fundamental para o
sistema de dominação é ter o controle do poder político. Tudo e todos
(incluindo, particularmente, o poder político e o poder midiático) devem
estar sob suas rédeas. Com o sistema de dominação de uma sociedade não
se brinca. Os dez maiores financiadores são: JBS (bancada do bife),
Bradesco e Itaú (bancada dos bancos), OAS, Andrade Gutierrez, Odebrecht,
UTC e Queiroz Galvão (bancada das betoneiras ou do concreto), Grupo
Vale (bancada dos minérios) e Ambev (bancada das bebidas). Além dessas
ainda existem as bancadas da bola, da bala, da bíblia etc. O STF já
votou (majoritariamente) pela inconstitucionalidade desse financiamento
empresarial.
Não existem de fato eleições livres no Brasil e não é
difícil compreender onde está o centro do problema. Se um candidato não
dispõe de recursos significativos para promover a sua campanha e outro
está abastecido por milhões (os eleitos gastaram 11 vezes mais que os
não eleitos), já se sabe de antemão quem vencerá. O número de pessoas
alcançadas pela propaganda deste último superará em muito os que sequer
saberão da candidatura do outro. No nosso caso, temos que considerar
ainda o caráter endêmico do abuso do poder econômico caracterizado pela
compra do apoio de lideranças políticas.
Paga-se, e muito, a
pessoas com as quais o candidato não possui vínculo algum, desde que
sejam capazes de mobilizar certo número de eleitores. Isso explica a
votação imensa obtida por notórios desconhecidos. Em circunstâncias
assim, para ser eleito é mais conveniente encontrar meios de conquistar o
beneplácito de poderosos financiadores que perder tempo tentando
convencer os eleitores da validade dos seus propósitos políticos.
Uma
das formas mais comuns de compra de apoio político é a das
“dobradinhas” entre candidatos a deputado federal e estadual. Opulentos
candidatos à Câmara Federal escolhem diversos postulantes à Assembleia
Legislativa, espalhados por diferentes regiões do Estado, e integrantes
dos mais diversos partidos para pedirem votos em conjunto. Até
integrantes de partidos aparentemente rivais conjugam seus esforços para
assegurar vitória eleitoral um ao outro. O candidato a deputado
estadual entra no “negócio” com sua base local de eleitores; o que
postula o cargo federal participa do acordo com dinheiro, muito dinheiro
(que normalmente vem dos “financiadores de campanhas”).
Alguém
que se predisponha a disputar com um candidato assim está fadado, com
raríssimas exceções, à derrota. Mas não é o oponente o maior perdedor,
senão toda a República e a democracia. Os eleitos não são de fato
representantes dos cidadãos, mas dos seus poderosos financiadores. Não
há problema em adotar no mandato postura que contrarie os votantes. Só
um pecado não é aceito: negar ajuda a quem tornou possível a superação
do jogo financeiro em que se transformaram as eleições.
O
resultado é um Congresso Nacional que definitivamente não espelha a
complexidade e riqueza social de um País imenso e plural com o Brasil. “Garimpar verbas de campanha se tornou um estilo de vida”, afirma
Lessig. Costa complementa: “doação oficial é uma balela”, para deixar
claro que, na verdade, o que ocorre é uma operação de natureza
econômica, uma compra e venda. Os criminosos (ao menos aparentemente)
falam com autoridade (sobre os crimes organizados dos quais participam).
Esse
não é apenas um problema americano ou brasileiro, mas um desafio para o
aperfeiçoamento da democracia no Século XXI. Trata-se de solucionar um
problema grave (inclusive filosófico). A democracia moderna foi
concebida por uma classe social ascendente, a burguesia, para permitir a
seus integrantes a partilha do poder político. Dois séculos de
desenvolvimento sociopolítico fizeram surgir o voto universal,
expandindo o número daqueles aptos a escolher os mandatários. Mas esse
movimento não se fez acompanhar por outro: a candidatura universal.
De
fato, os candidatos são escolhidos e suas campanhas são viabilizadas
por setores diminutos da sociedade, justamente os grandes detentores do
capital econômico-financeiro (que são os verdadeiros donos do poder), o
que mostra que o processo de aprofundamento da democracia pode e deve
seguir seu curso.
Por Márlon Reis (juiz de direito e membro do MCCE) e Luiz Flávio Gomes (jurista e presidente do IAB).
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