Dona de uma história de vida
de muita dor e luta, Maria Amélia de Almeida Teles, ou Amelinha, como é
carinhosamente chamada, teve sua trajetória profundamente marcada pelo período
mais duro da história do nosso país, e fez dessa experiência sua militância até
os dias de hoje.
Ex-presa política, Amelinha
foi torturada nos porões da ditadura, e desde então nunca deixou de lutar para
que essa página não seja arrancada de nossa história, e que os torturadores
sejam identificados e punidos.
Sua luta, de sua família e
amigos, rendeu uma vitória histórica para o nosso país. A família Teles entrou,
em 2008, com uma ação contra o coronel reformado Carlos Albreto Brilahnte Ustra,
e conseguiu que, pela primeira vez na história brasileira, um militar fosse
considerado torturador perante a Justiça.
Mas a luta para que a
memória da ditadura não seja apagada é a única na qual Amelinha está envolvida.
Feminista, ela se empenha pela pauta que, segundo ela, “Até hoje é muito
secundarizada, mesmo com uma mulher como presidenta”.
Amelinha nasceu na cidade de
Contagem, Minas Gerais, no ano de 1944. Seu pai, sindicalista e membro do
Partido Comunista (PC), a influenciou muito, e ainda no colégio, ela começou a
militar no movimento estudantil.
Aos 15 anos Amelinha já era
membro do PC do B, e marcaria definitivamente sua vida e a de muitas outras
pessoas por todo país. Ela se lembra do dia do golpe: “Belo Horizonte, onde eu
vivia, começou a ter uma força invisível prendendo pessoas; você não via
ninguém prendendo, só não encontrava elas. Eu e meu pai, ligamos o rádio e
ouvimos que as tropas estavam saindo de Juiz de Fora para o Rio de Janeiro,
para se juntar com as tropas golpistas”.
Três dias depois do golpe
seu pai foi trabalhar e não retornou para casa. Inicia-se uma jornada de sua
família por quartéis para encontrá-lo. “Os quartéis era tão procurados que as
filas davam voltas. A gente ficava horas na fila, e depois que entrávamos,
dizíamos: ‘Estou procurando meu pai’. E eles: ‘Não temos informações sobre
ele’. Passamos em vários quartéis, até que um dia me prenderam”.
Reconhecida pela polícia,
Amelinha ficou três dias presa. Ela conta a acusação que lhe foi feita: “Eles
inventaram que nós íamos envenenar a caixa d’água da cidade, para envenenar o
povo”.
Apenas em agosto de 1964,
quatro meses após o golpe de Estado, a família consegue encontrar o pai, que
estava preso na cidade de Ribeirão das Neves, a 32 Km de Belo Horizonte. Após
localizar seu pai, Amelinha se muda para a Baixada Fluminense para cuidar da
imprensa do partido.
Do Rio ela vai para a cidade
de São Paulo, onde é presa novamente, no dia 28 de dezembro de 1972, por
agentes da Operação Bandeirante (OBAN) comandada pelo major Carlos Alberto
Brilhante Ustra.
Os militares prenderam
também seu companheiro, César Teles e seus dois filhos, de quatro e cinco anos.
Durante uma semana ficaram presos e presenciaram os pais sendo torturados. A
irmã de Amelinha, Criméia de Almeida, que estava grávida de seis meses, também
foi levada.
Amelinha ficou presa por um
ano e foi torturada, inclusive, por Ustra. Ao sair da prisão foi morar com seus
filhos, sua irmã e seu sobrinho, que nasceu em um hospital militar durante o
período em que sua mãe estava presa.
Segundo Criméia, nesse
período eles contaram com muita solidariedade: “Éramos três adultos desempregados,
com três crianças estigmatizadas. Recebemos muita solidariedade de familiares,
presos e ex-presos, foi o que fez a gente conseguir se segurar. Eu tive não sei
quantos empregos, porque eu entrava, o Dops ia lá e eu era demitida”.
Amelinha cita outra situação
interessante: “Eu arrumei um emprego com uma alemã judia, que teve que fugir do
nazismo. A gente chamava ela de Elo. No lugar onde eu trabalhava tinha um
lustre, que às vezes tinha um envelope pendurado com o meu nome escrito à
máquina, e dentro estava cheio de dinheiro. Muito tempo depois, eu descobri que
a Elo era de uma comunidade de judeus que ajudavam pessoas perseguidas”.
Durante o tempo que passou
na prisão, Amelinha refletiu sobre o machismo e desigualdade de gênero. “A
condição de mulher e a maternidade eram utilizadas para torturar. Eu percebi,
também, com o coletivo de mulheres com o qual eu vivi na prisão, que em comum
nós tínhamos uma experiência fruto da desigualdade, mesmo na militância”.
Ela decide militar pelo
feminismo, apesar de a sua relação com o tema vir de antes da prisão. Amelinha
considera que se tornou feminista pouco antes do golpe, quando assistiu a
Marcha da Família com Deus pela Liberdade, que reuniu cerca de meio milhão de
pessoas em São Paulo; a maioria mulheres: “Quando eu vi aquela mulherada
acompanhando os padres, pregando contra o comunismo e João Goulart, eu pensei:
‘a gente está errado em alguma coisa, não é possível que o povo que a gente
defende seja contra a nós’. Depois que eu ponderei que a esquerda negligenciou
muito a força das mulheres, privilegiou os homens como já era próprio do
capitalismo”.
Em 1981, Amelinha participa
da fundação da União das Mulheres, que até hoje tem como principais pautas a
legalização do aborto, fim da violência contra a mulher, salário igual para
trabalho igual, entre outros. Ela atribui à sua militância feminista de sua
expulsão do PCdoB, em 1987.
Em 2008, a família Teles
entrou com uma ação declaratória contra Carlos Alberto Brilhante Ustra, que,
vitoriosa, fez com que a Justiça o declarasse torturador. Ivan Seixas, ex-preso
político e testemunha da ação, afirma: “O processo oficializa e informa que
houve uma ditadura, que mataram pessoas, censuraram, castraram uma geração
inteira. A importância dessa sentença é dar nome aos torturadores, porque a
maior parte deles é conhecido apenas por apelidos. Essa ação da família Teles
abre portas para um série de outros processos”.
Exemplo de outras ações que
foram possibilitadas por essa é o da família do jornalista Luiz Eduardo Merlino,
torturado e morto por Ustra em 1971. Uma ação movida por sua irmã e sua
ex-companheira, que ainda está em fase de julgamento, prevê uma indenização por
danos morais.
Ainda há muito a ser
esclarecido a respeito dos mortos e desaparecidos da época da ditadura. Muitos
torturadores vagam pelo país sob o manto do anonimato, e os resquícios dessa
época ainda podem ser percebidos. “Toda a sociedade brasileira foi vítima da
ditadura, e hoje nós sofremos com o entulho autoritário que se manteve deste
período, como o sigilo dos documentos e um projeto da comissão da verdade pela
metade, define Criméia.
Bábara Mengardo é jornalista
Caros Amigos / Outubro 2011
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