quarta-feira, 28 de agosto de 2013
terça-feira, 27 de agosto de 2013
Fuga de senador foi ação orquestrada, diz deputado do PT
Retirado do Portal Carta Maior
Brasília – A fuga do senador boliviano que custou o cargo ao
ministro das Relações Exteriores, Antônio Patriota, não foi obra
individual de um destemido diplomada brasileiro, mas uma ação organizada
pela direita com apoio de setores conservadores do Itamaraty, que
mantêm estreitos laços em questões políticas e econômicas, como o
boicote aos governos socialistas e a defesa intransigente do
agronegócio.
A avaliação é do deputado Cláudio Puty (PT-PA), que participou de uma missão oficial à Bolívia, em março, onde conheceu os três principais personagens envolvidos na trama: o então embaixador do Brasil na Bolívia, Marcel Biato, que patrocinou a aceitação brasileira ao pedido de asilo político do senador, o diplomata brasileiro Eduardo Sabóia, que afirma ter organizado sozinho a fuga do político, e o próprio senador oposicionista Roger Pinto, que viveu 545 dias na embaixada brasileira na Bolívia.
“Esta foi uma ação sem precedente na história da diplomacia brasileira. Como pode um diplomata patrocinar a fuga de um criminoso comum, à revelia do governo brasileiro, escondido do governo boliviano e com o apoio explícito da direita brasileira, que já o aguardava na fronteira do país?”, questiona Puty.
Para ele, é inadmissível que o Brasil, que não aceitou o pedido de asilo político do ex-agente da CIA, Edward Snowden, corra o risco de colocar em xeque as relações com um país amigo para ajudar um criminoso comum como Roger Pinto. “Pelo que consta, o Brasil não reconhece a Bolívia como um governo de exceção. Portanto, essa ação foi um atentado à soberania boliviana que precisa ser punida exemplarmente”, acrescentou.
Missão oficial
O deputado foi à Bolívia acompanhado de outros quatro colegas que, como ele, atuavam na CPI do Trabalho Escravo. Em visita à embaixada brasileira em La Paz, se surpreenderam com a presença de Roger Pinto. “Ele usava a embaixada como escritório particular para fazer oposição ao governo de Evo Morales. Recebia colegas do partido e concedia entrevista livremente”, relembra.
Puty ficou muito impressionado também com a postura de Biato e Sabóia que, a despeito das excelentes relações bilaterais entre Brasil e Bolívia, tratavam aquele país com total desrespeito. “Eles falavam sobre a Bolívia, os bolivianos e o Evo com tanto preconceito que o jantar de recepção à nossa delegação terminou em bate-boca”, recorda ele, ressaltando a cumplicidade ideológica entre diplomatas e senador.
Para o deputado, a aceitação do pedido de asilo político, patrocinada por Biato, foi um erro que, desde então, tem gerado desconforto na relação Brasil e Bolívia. Pressionado, o Brasil decidiu transferir Biato para a Suécia, em junho passado. Saboia, então, passou a responder como embaixador em exercício.
Voz do agronegócio
Proprietário de terras na fronteira com o Acre, Roger Pinto é o principal porta-voz do agronegócio no país. Governou o departamento de Pando, quando acumulou processos por desvios de verba, favorecimento a jogos ilegais e venda de terra pública para estrangeiros. Depois, elegeu-se senador pela Convergência Nacional e passou a líder um bloco de partidos conservadores no parlamento.
Desde que ingressou na carreira política, teve um aumento 290% em seu patrimônio avaliado, hoje, em US$ 1 milhão. Condenado por dano econômico ao país mais pobre da América do Sul, pediu asilo político ao Brasil, em maio de 2011. Em junho, teve a solicitação acatada pelo Itamaraty e se dirigiu à embaixada brasileira em La Paz, onde permaneceu por 545 dias, até a fuga para o Brasil.
De acordo com o portal do Governo da Bolívia, além da condenação, o senador responde a quatro processos por corrupção, além de outros dez por crimes comuns: calúnia, difamação e desacato à autoridade. O governo boliviano garantiu que o episódio não irá afetar as relações da Bolívia com o Brasil, mas o Ministério Público do país já estuda pedir a extradição de Roger Pinto.
Fuga espetacular
Roger Pinto deixou La Paz em carro oficial da embaixada brasileira, na companhia de Saboia. Atravessou a Bolívia e despistou a imigração até cruzar a fronteira. Em Corumbá (MS), foi recebido pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que o acompanhou até Brasília, de avião.
À imprensa, Saboia afirmou ter tramado sozinho a operação, motivado por questões humanitárias, já que o senador sofre de problemas renais e apresentava quadro de depressão, devido à privação de liberdade e ao afastamento da família, que vive no Brasil.
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro demonstrou surpresa, prometeu apurar o caso e convocou Sabóia para prestar esclarecimentos nesta segunda (26). Em nota divulgada no domingo (25), afirmou que abrirá inquérito e tomará as medidas administrativas e disciplinares cabíveis.
Na noite desta segunda (26), a presidenta Dilma comunicou a demissão do ministro Antônio Patriota. No lugar dele, assume Luiz Alberto Figueiredo Machado. Diplomata de carreira, ele foi o negociador-chefe da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e atuava com representante do Brasil na ONU.
A avaliação é do deputado Cláudio Puty (PT-PA), que participou de uma missão oficial à Bolívia, em março, onde conheceu os três principais personagens envolvidos na trama: o então embaixador do Brasil na Bolívia, Marcel Biato, que patrocinou a aceitação brasileira ao pedido de asilo político do senador, o diplomata brasileiro Eduardo Sabóia, que afirma ter organizado sozinho a fuga do político, e o próprio senador oposicionista Roger Pinto, que viveu 545 dias na embaixada brasileira na Bolívia.
“Esta foi uma ação sem precedente na história da diplomacia brasileira. Como pode um diplomata patrocinar a fuga de um criminoso comum, à revelia do governo brasileiro, escondido do governo boliviano e com o apoio explícito da direita brasileira, que já o aguardava na fronteira do país?”, questiona Puty.
Para ele, é inadmissível que o Brasil, que não aceitou o pedido de asilo político do ex-agente da CIA, Edward Snowden, corra o risco de colocar em xeque as relações com um país amigo para ajudar um criminoso comum como Roger Pinto. “Pelo que consta, o Brasil não reconhece a Bolívia como um governo de exceção. Portanto, essa ação foi um atentado à soberania boliviana que precisa ser punida exemplarmente”, acrescentou.
Missão oficial
O deputado foi à Bolívia acompanhado de outros quatro colegas que, como ele, atuavam na CPI do Trabalho Escravo. Em visita à embaixada brasileira em La Paz, se surpreenderam com a presença de Roger Pinto. “Ele usava a embaixada como escritório particular para fazer oposição ao governo de Evo Morales. Recebia colegas do partido e concedia entrevista livremente”, relembra.
Puty ficou muito impressionado também com a postura de Biato e Sabóia que, a despeito das excelentes relações bilaterais entre Brasil e Bolívia, tratavam aquele país com total desrespeito. “Eles falavam sobre a Bolívia, os bolivianos e o Evo com tanto preconceito que o jantar de recepção à nossa delegação terminou em bate-boca”, recorda ele, ressaltando a cumplicidade ideológica entre diplomatas e senador.
Para o deputado, a aceitação do pedido de asilo político, patrocinada por Biato, foi um erro que, desde então, tem gerado desconforto na relação Brasil e Bolívia. Pressionado, o Brasil decidiu transferir Biato para a Suécia, em junho passado. Saboia, então, passou a responder como embaixador em exercício.
Voz do agronegócio
Proprietário de terras na fronteira com o Acre, Roger Pinto é o principal porta-voz do agronegócio no país. Governou o departamento de Pando, quando acumulou processos por desvios de verba, favorecimento a jogos ilegais e venda de terra pública para estrangeiros. Depois, elegeu-se senador pela Convergência Nacional e passou a líder um bloco de partidos conservadores no parlamento.
Desde que ingressou na carreira política, teve um aumento 290% em seu patrimônio avaliado, hoje, em US$ 1 milhão. Condenado por dano econômico ao país mais pobre da América do Sul, pediu asilo político ao Brasil, em maio de 2011. Em junho, teve a solicitação acatada pelo Itamaraty e se dirigiu à embaixada brasileira em La Paz, onde permaneceu por 545 dias, até a fuga para o Brasil.
De acordo com o portal do Governo da Bolívia, além da condenação, o senador responde a quatro processos por corrupção, além de outros dez por crimes comuns: calúnia, difamação e desacato à autoridade. O governo boliviano garantiu que o episódio não irá afetar as relações da Bolívia com o Brasil, mas o Ministério Público do país já estuda pedir a extradição de Roger Pinto.
Fuga espetacular
Roger Pinto deixou La Paz em carro oficial da embaixada brasileira, na companhia de Saboia. Atravessou a Bolívia e despistou a imigração até cruzar a fronteira. Em Corumbá (MS), foi recebido pelo presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que o acompanhou até Brasília, de avião.
À imprensa, Saboia afirmou ter tramado sozinho a operação, motivado por questões humanitárias, já que o senador sofre de problemas renais e apresentava quadro de depressão, devido à privação de liberdade e ao afastamento da família, que vive no Brasil.
O Ministério das Relações Exteriores brasileiro demonstrou surpresa, prometeu apurar o caso e convocou Sabóia para prestar esclarecimentos nesta segunda (26). Em nota divulgada no domingo (25), afirmou que abrirá inquérito e tomará as medidas administrativas e disciplinares cabíveis.
Na noite desta segunda (26), a presidenta Dilma comunicou a demissão do ministro Antônio Patriota. No lugar dele, assume Luiz Alberto Figueiredo Machado. Diplomata de carreira, ele foi o negociador-chefe da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, e atuava com representante do Brasil na ONU.
sexta-feira, 23 de agosto de 2013
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
segunda-feira, 19 de agosto de 2013
O linchamento da Midia Ninja
Por Luciano Martins Costa, no Observatório da Imprensa:
Algumas das mais prestigiadas cabeças da imprensa têm se empenhado, nos últimos dias, a uma articulada operação com o objetivo de desmoralizar o coletivo de produções culturais chamado Fora do Eixo e, como resultado indireto, demonizar o fenômeno de midiativismo conhecido como Mídia Ninja.
Não se pode dizer que esse movimento seja organizado, da mesma forma como se planeja uma pauta de jornal, mas são fortes as evidências de uma estratégia comum em suas iniciativas. Há uma urgência na ação de desconstrução da mídia alternativa que nasce em projetos culturais à margem da indústria de comunicação e entretenimento – e os agentes dessa estratégia têm motivos fortes para isso.
Interessante observar que essa operação-desmanche reúne desde os mais ferozes e ruidosos porta-vozes do reacionarismo político até pensadores identificados com correntes vanguardistas, o que compõe um mosaico de discursos que vão dos costumeiros rosnados de blogueiros raivosos até lucubrações mais ou menos sofisticadas de intelectuais sobre o ambiente comunicacional contemporâneo.
Entre as mais ferozes dessas manifestações, certamente ganha destaque a “reportagem” publicada pelaFolha de S. Paulo no domingo (18/8), sob o título “Fora do Eixo deixou rastro de calotes na origem em Cuiabá” (ver aqui). O texto se refere a despesas, no total de R$ 60 mil, feitas pelos organizadores de um festival de música alternativa realizado em 2006 na capital de Mato Grosso, onde ocorreram os primeiros eventos do Fora do Eixo.
A reportagem é montada com depoimentos de comerciantes, que dizem estar tentando cobrar a dívida há três anos, e termina com o chamado “outro lado”: uma curta explicação da responsável pelas finanças do Fora do Eixo, reconhecendo o débito e afirmando que todos os credores serão pagos.
Ora, se a dívida é reconhecida e tem sido negociada, qual a justificativa para tamanho barulho?
Se usasse o mesmo critério para todos os casos semelhantes, o jornal deveria dar manchetes com a controvérsia sobre uma suposta dívida do grupo Globo junto à Receita Federal, e que é acompanhada de um escândalo sobre o sumiço do processo.
Com a mesma disposição, seria de se esperar que a imprensa acompanhasse o drama de centenas de jornalistas e outros profissionais que lutam há mais de década por seus direitos trabalhistas, apropriados por empresários do ramo das comunicações. Verdadeiros estelionatos foram cometidos contra esses trabalhadores, há evidências de chicanas na Justiça do Trabalho e denúncias até mesmo de desvio do patrimônio de fundos de pensão, sem que a imprensa se interesse por essa pauta.
Uma parceria impensável
O alvo central dos ataques é o principal articulador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, que já foi chamado de “imperador de um submundo”, como se os coletivos de ação cultural fossem um universo clandestino e fora da lei. O bombardeio inclui denúncias de “trabalho escravo”, “exploração sexual”, “formação de seita” e outras alegações que não sobrevivem a uma análise superficial, como as referências deletérias aos editais onde algumas dessas iniciativas buscam recursos.
Ora, não consta que os ativistas que agora vão a público acusar Capilé tenham ficado algemados ao pé da mesa nas Casas Fora do Eixo, ou que alguém tenha sido abduzido para se integrar aos coletivos.
Os editais são resultado de uma inovação produzida pelo ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que permitiu democratizar parte dos recursos oficiais de incentivo à produção de música, dança e artes visuais, com menos burocracia do que a exigida pela Lei Rouanet.
Aliás, há outra pauta mais interessante, que a imprensa ignora, sobre as fraudes no uso de recursos por grandes produtoras, como a prática de fazer seguidas captações financeiras com empresas de fachada. A cantora Claudia Leitte, por exemplo, é acusada de haver obtido perto de R$ 6 milhões em apoio oficial usando esse artifício.
Pode-se alinhar muitos exemplos da falta de proporcionalidade que a imprensa tem aplicado a erros ou desvios eventualmente cometidos por algumas das milhares de iniciativas do Fora do Eixo. Mas o mais interessante é a personalização das acusações, centradas na figura de Capilé – e que, por essa razão, apontam como alvo final a Mídia Ninja.
O processo de demonização desse fenômeno de comunicação produz até mesmo uma impensável convergência entre as revistas Veja e Carta Capital.
Carta Capital (ver aqui) contribui para deformar a imagem do Fora do Eixo e da Mídia Ninja ao afirmarque ex-integrantes do coletivo cultural têm medo de se manifestar contra o grupo, como se se tratasse de uma perigosa organização criminosa. A deixa é aproveitada pelo colunista mais virulento de Veja para uma de suas diatribes.
Quando os dois extremos do espectro ideológico se tocam, forma-se o círculo perfeito do conservadorismo que rejeita toda mudança.
Algumas das mais prestigiadas cabeças da imprensa têm se empenhado, nos últimos dias, a uma articulada operação com o objetivo de desmoralizar o coletivo de produções culturais chamado Fora do Eixo e, como resultado indireto, demonizar o fenômeno de midiativismo conhecido como Mídia Ninja.
Não se pode dizer que esse movimento seja organizado, da mesma forma como se planeja uma pauta de jornal, mas são fortes as evidências de uma estratégia comum em suas iniciativas. Há uma urgência na ação de desconstrução da mídia alternativa que nasce em projetos culturais à margem da indústria de comunicação e entretenimento – e os agentes dessa estratégia têm motivos fortes para isso.
Interessante observar que essa operação-desmanche reúne desde os mais ferozes e ruidosos porta-vozes do reacionarismo político até pensadores identificados com correntes vanguardistas, o que compõe um mosaico de discursos que vão dos costumeiros rosnados de blogueiros raivosos até lucubrações mais ou menos sofisticadas de intelectuais sobre o ambiente comunicacional contemporâneo.
Entre as mais ferozes dessas manifestações, certamente ganha destaque a “reportagem” publicada pelaFolha de S. Paulo no domingo (18/8), sob o título “Fora do Eixo deixou rastro de calotes na origem em Cuiabá” (ver aqui). O texto se refere a despesas, no total de R$ 60 mil, feitas pelos organizadores de um festival de música alternativa realizado em 2006 na capital de Mato Grosso, onde ocorreram os primeiros eventos do Fora do Eixo.
A reportagem é montada com depoimentos de comerciantes, que dizem estar tentando cobrar a dívida há três anos, e termina com o chamado “outro lado”: uma curta explicação da responsável pelas finanças do Fora do Eixo, reconhecendo o débito e afirmando que todos os credores serão pagos.
Ora, se a dívida é reconhecida e tem sido negociada, qual a justificativa para tamanho barulho?
Se usasse o mesmo critério para todos os casos semelhantes, o jornal deveria dar manchetes com a controvérsia sobre uma suposta dívida do grupo Globo junto à Receita Federal, e que é acompanhada de um escândalo sobre o sumiço do processo.
Com a mesma disposição, seria de se esperar que a imprensa acompanhasse o drama de centenas de jornalistas e outros profissionais que lutam há mais de década por seus direitos trabalhistas, apropriados por empresários do ramo das comunicações. Verdadeiros estelionatos foram cometidos contra esses trabalhadores, há evidências de chicanas na Justiça do Trabalho e denúncias até mesmo de desvio do patrimônio de fundos de pensão, sem que a imprensa se interesse por essa pauta.
Uma parceria impensável
O alvo central dos ataques é o principal articulador do Fora do Eixo, Pablo Capilé, que já foi chamado de “imperador de um submundo”, como se os coletivos de ação cultural fossem um universo clandestino e fora da lei. O bombardeio inclui denúncias de “trabalho escravo”, “exploração sexual”, “formação de seita” e outras alegações que não sobrevivem a uma análise superficial, como as referências deletérias aos editais onde algumas dessas iniciativas buscam recursos.
Ora, não consta que os ativistas que agora vão a público acusar Capilé tenham ficado algemados ao pé da mesa nas Casas Fora do Eixo, ou que alguém tenha sido abduzido para se integrar aos coletivos.
Os editais são resultado de uma inovação produzida pelo ex-ministro da Cultura Gilberto Gil, que permitiu democratizar parte dos recursos oficiais de incentivo à produção de música, dança e artes visuais, com menos burocracia do que a exigida pela Lei Rouanet.
Aliás, há outra pauta mais interessante, que a imprensa ignora, sobre as fraudes no uso de recursos por grandes produtoras, como a prática de fazer seguidas captações financeiras com empresas de fachada. A cantora Claudia Leitte, por exemplo, é acusada de haver obtido perto de R$ 6 milhões em apoio oficial usando esse artifício.
Pode-se alinhar muitos exemplos da falta de proporcionalidade que a imprensa tem aplicado a erros ou desvios eventualmente cometidos por algumas das milhares de iniciativas do Fora do Eixo. Mas o mais interessante é a personalização das acusações, centradas na figura de Capilé – e que, por essa razão, apontam como alvo final a Mídia Ninja.
O processo de demonização desse fenômeno de comunicação produz até mesmo uma impensável convergência entre as revistas Veja e Carta Capital.
Carta Capital (ver aqui) contribui para deformar a imagem do Fora do Eixo e da Mídia Ninja ao afirmarque ex-integrantes do coletivo cultural têm medo de se manifestar contra o grupo, como se se tratasse de uma perigosa organização criminosa. A deixa é aproveitada pelo colunista mais virulento de Veja para uma de suas diatribes.
Quando os dois extremos do espectro ideológico se tocam, forma-se o círculo perfeito do conservadorismo que rejeita toda mudança.
domingo, 11 de agosto de 2013
quarta-feira, 7 de agosto de 2013
PL 4330: A mais grave ameaça aos direitos trabalhistas desde a ditadura militar
Por: Ivaldo Pontes Filho*
O Projeto de Lei 4330 de autoria do deputado Sandro Mabel do PMDB de Goiás que regulamenta a terceirização de serviços no Brasil é a mais grave ameaça aos direitos trabalhistas, desde a ditadura militar.
O processo de terceirização no país avançou intensamente a partir da década de 90, com a vitória do projeto neoliberal de Collor/FHC. No período, a terceirização deixa de ser uma prática complementar (só o setor de limpeza faturou 15,2 bilhões em 2010) e se transforma em uma estratégia prioritária do capital. É por isto que o decreto visa agora regulamentar a terceirização em toda a economia, inclusive no chão da fábrica, na indústria.
Na verdade a burguesia deseja acabar com o arcabouço da CLT getulista, em vigor há setenta anos. O grito de guerra de FHC logo após a posse, “vamos superar a era Vargas”, não era dirigido exclusivamente a Vale e a Petrobras, incluía também a CLT. Mas uma luta aberta contra a CLT não era prudente e comportava riscos.
A melhor estratégia política encontrada foi deixar avançar à terceirização e apresentar a proposta como uma das maiores inovações organizacionais de todos os tempos. É exatamente isso que faz o capital e seus representantes políticos e empresariais hoje. Na semana passada, foram os próprios presidentes das federações das indústrias em cada estado do país, que foram à imprensa, em particular a rede CBN, tecer elogios à terceirização e exigir sua aprovação imediata em nome da modernização.
Apesar do avanço da terceirização na economia durante a última década não há uma legislação específica que garanta os mesmos direitos entre trabalhadores contratados e os terceirizados em uma mesma empresa. De acordo com a CUT os trabalhadores terceirizados recebem 27% a menos, mais de 70% tem menos direitos trabalhistas e a maioria trabalha três horas a mais que os contratados diretamente. O único instrumento legal que regula a terceirização no país é o Enunciado 331 do Tribunal Superior do Trabalho, mas sem força de lei. É neste vácuo legal que o projeto de lei 4330 tenta precarizar agora o maior número possível de trabalhadores.
O projeto de Lei legaliza:
A contratação de empresas terceirizadas nas atividades principais da empresa contratante, bem como nas atividades complementares (todos os metalúrgicos, bancários e jornalistas, agora poderão ser terceirizados);
A empresa terceirizada pode subcontratar outra empresa, em um processo sem fim, para a realização dos serviços contratados;
Será permitida a contratação sucessiva dos trabalhadores por diferentes empresas prestadoras de serviços que prestem serviços à mesma contratante sucessivamente (neste caso os trabalhadores não recebem os direitos trabalhistas ao final de cada contrato);
Não há vínculo empregatício entre a empresa contratante e os trabalhadores das empresas prestadoras de serviços. (Isto permitirá que os trabalhadores terceirizados fiquem de fora dos dissídios coletivos e tenham seus salários rebaixados. Resultará também na fragilização do movimento sindical, que representará um número menor de trabalhadores);
A empresa terceirizada não tem nenhuma obrigação de estender aos seus trabalhadores os benefícios oferecidos aos trabalhadores das contratantes (atendimento médico, ambulatorial, e de refeição, existentes na empresa);
Os cinco pontos citados acima desestruturam profundamente os direitos trabalhistas e a organização sindical dos trabalhadores. Pelo presente e pelo futuro vamos convocar todos os trabalhadores para rejeitar o PL 4330.
*Ivaldo Pontes Filho é Engenheiro Civil, Professor Associado na UFPE.
terça-feira, 6 de agosto de 2013
Se você estuprou alguém, leia. Essa carta pode ser pra você.
Não vou me identificar para que meu pai
não saiba dessa história. Quero evitar que sinta a enorme tristeza e
indignação que as pessoas que gostam de mim sentiram quando contei o que
me passou. Quero protegê-lo de todo o tipo de reação que essa história
poderia desencadear nele.
Esse é também um relato a mais para que
homens e mulheres possam entender melhor o que acontece na vida e na
mente de uma pessoa que foi estuprada. É mais uma narrativa dos efeitos
do machismo brasileiro do séx XIX.
QUANDO ACONTECEU
Voltando da minha festa de aniversário
no ano de 2009, um amigo de faculdade me acompanhou até em casa num dia
frio. O convidei para entrar, assim esperaria o taxi dentro de casa,
quentinha. Foi uma gentileza a uma pessoa com quem convivi na faculdade
por mais de 5 anos. Mas parece que ele entendeu o recado de outra forma.
Estávamos bêbados, e eu tinha total confiança nele. Nessa noite ele me
estuprou. Por muito tempo não me lembrei do que aconteceu naquela noite.
Apenas sentia uma angústia difusa e inexplicada, que pude entender
aproximadamente dois anos depois.
QUANDO ENTENDI O QUE ACONTECEU OU QUANDO DEI NOME AOS BOIS
Dois anos depois do ocorrido, me mudei à
capital de outro país, depois de um ano de profunda angústia e tristeza
na minha cidade natal. Decidi fazer uma pós-graduação fora, ou acabaria
me matando se seguisse vivendo aí. Para conhecer mais gente e me
envolver em um projeto artístico, me meti em um grupo de teatro, que
“coincidentemente” trabalhava com improvisações sobre campos de
concentração, cujos trabalhos deram origem a uma peça, meses depois.
Durante uma improvisação, em meio a gritos, golpes e estupros simulados,
minha memória voltou ao ano de 2009.
Durante esse exercício lembrei desse meu
colega, sobre mim, na minha cama, me segurando pelo pescoço e me
asfixiando. Me lembrei da luta para escapar daí e de como a cada
tentativa de sair dessa relação sexual não consensuada – e com
preservativo – , ele me batia mais. Lembrei como achava que ele ia me
matar sem nem perceber, ou propositalmente. Me lembrei de como não
entendia se a violência dele era dirigida a mim ou se era algo próprio
dele. Me lembrei de como não entendia, no momento, sei se ele achava que
eu gostava daquilo, ou se era pura maldade.
Nos momentos de consciência (tive
momentos em que acredito ter desmaiado) lembro de tentar encontrar algo
para golpeá-lo, e não encontrar. Recordei de quando uma professora de
história mencionou casos de violência sexual e disse que para o sádico
não interessa ver o prazer alheio. Fingi estar gostando, não funcionou.
Pensei então que do que ele gostava era da minha submissão e humilhação.
A saída que encontrei foi dizer a ele:
“Vai pra casa, não estou no meu melhor dia. Quero passar uma noite
incrível com você e já estou cansada… Você é incrível e merece o meu
melhor”.
Ele parou. “Entendeu”. Era o melhor que
eu poderia dizer a uma pessoa narcisista e psicopata. Ele se convenceu
dos elogios, acreditou em mim.
Sua resposta pra isso foi: “Tudo bem!
Vem aqui, encosta a cabeça no meu peito. Sabia que eu gosto de você
desde o primeiro momento que te vi?” Ele queria demonstrar afeto. Não
fui. Permaneci encolhida, nua e protegida por um travesseiro, no outro
lado da cama.
Mandei ele embora engolindo o mar de
choro dentro de mim. E sorri. O tratei como um Rei que teria sua grande
recompensa no futuro. Não lembro como estive depois que ele saiu pela
porta, nem dos dias seguintes. Não me lembro do que fiz, se fiz, para
onde fui. Apaguei. Sei que deletei meu MSN e desapareci do campo de
visão dele, na medida do possível.
AS REAÇÕES DAS PESSOAS PRÓXIMAS
Dias depois fui falar sobre o ocorrido
com meu ex-namorado num café, onde chorei muito, sem pudores e sem
lenços de papel, a ponto de voltar pra casa com os punhos das mangas e
parte da blusa molhada de lágrimas. Eles se conheciam. Saímos algumas
vezes junto com o então futuro estuprador e outros amigos mais, todos,
enquanto namorávamos. Ele não demonstrou grande empatia e tampoco me
apoiou. Disse que eu não podia fazer nada, porque o cara era poderoso e
eu era uma defensora da liberdade sexual. A justiça decidiria contra mim
e eu acabei considerando que ele tinha razão.
Depois, em algum momento, falei com meu
melhor amigo e não sei se ele acreditou em mim. Nessa ocasião comecei a
ter dúvidas se houve estupro ou se foi consensual. No mesmo período duas
amigas próximas acreditaram, enquanto outras pessoas ignoraram ou
fizeram pouco caso. Não era um assunto fino para mencionar em mesa de
café ou durante um chá. E bastante incômodo para uma cerveja ou um
vinho. Não mencionei o ocorrido por muito tempo e com essa atitude tudo
parecia seguir normalmente. Eu achava que o ocorrido não tinha o poder
de me afetar diretamente.
Em nenhum momento as pessoas que
souberam se prontificaram a me acompanhar para fazer uma denúncia. Pelo
contrário, lhes parecia normal que eu seguisse convivendo com a presença
dessa pessoa nas salas e corredores da faculdade ou em cada lugar que
eu ia para “me divertir”. Por sorte tive amigas que me protegeram de
encontrá-lo, me avisando de onde ele estava para que não nos
cruzássemos. Com o tempo era mais difícil esconder o nojo e a raiva, e
vê-lo simplesmente me deixava deprimida e me fazia sentir muito
vulnerável por dias.
ESTUPRO É UMA PALAVRA DIFÍCIL DE PRONUNCIAR
Nos meses seguintes oscilei entre
acreditar que houve estupro e que não houve estupro. E as vezes preferia
acreditar que a culpa era minha por tê-lo deixado entrar, crer que eu
poderia ter passado uma mensagem dúbia pra ele, ou simplesmente busquei.
Não sei. Era mais fácil para mim pensar que eu era a responsável. Além
disso, o mundo em volta me dizia que eu tinha culpa. O lado mais frágil,
a mulher estuprada, ainda que feminista e formada na área de ciencias
humanas, acredita ou opta por acreditar que foi responsável, eu. Era
mais fácil pensar que havia tido uma experiência sexual diferente e
violenta do que me classificar como vítima, enfrentar as consequências
de uma denúncia e carregar estigmas.
Me surpreendi quando um menino com quem
saía – por quem estive perdidamente apaixonada por meses – , e conhecia
ao estuprador, me disse, em tom de decepção: “eu sei que você deu pra
ele!” (O estuprador tinha espalhado pra todos que tinha “me comido”!)
Minha resposta foi: “não, ele praticamente me estuprou”. Praticamente.
“Praticamente me estuprou” foi o mais próximo que consegui chegar. Foi a
única nomeação possível que não me fazia entrar completamente dentro da
categoria de mulher estuprada.
Eu entendia muito pouco do que tinha me
passado, mas depois da improvisação teatral, fora do Brasil e do
ambiente opressor, passei a entender. E Brasll passou a significar dor.
VOLTANDO À CIDADE NATAL
Voltei à minha cidade natal para as
festas de final de ano, carregando um pacote de memórias bastante denso
que se arrebentaria a qualquer momento. E foi um dia depois da minha
chegada. Dentro de um par de semanas tudo o que eu tomava como cômodo e
seguro não existiria mais.
No dia seguinte à minha chegada fui
encontrar quem foi meu melhor amigo em 2009. Marcamos para tomar uma
cerveja no bar de sempre e lá pelas tantas aparece o estuprador, que
havia sido convidado pelo meu amigo. Nesse momento tive a prova de que a
solidariedade masculina se sobrepunha a nossa amizade, ou que ele não
tinha acreditado em mim. Efetivamente nossa amizade tinha grandes
limitações.
O estuprador chegou e quis dar um beijo
na bochecha, mas não permiti. O máximo que pude fazer foi “oferecer”
minha mão para um aperto cordial (o que hoje me parece absurdo e
descabido). Durante o aperto de mãos ele disse que não sentia minha mão e
que eu deveria apertar com força. Eu nem podia olhar na cara dele, mas
apertei mais forte porque no fundo queria devolver aquela violência
toda. Ao sentir minha força ele apertou mais forte ainda, e me machucou
bastante. Pra completar disse algo como: “uma pessoa que não aperta
suficientemente forte não pode ser levada a sério”. Soou como uma
ameaça.
(Passei duas semanas sem conseguir abrir e fechar a mão direita, pelo aperto que ele me deu na frente do meu “melhor amigo”)
Fiquei paralisada, tomada de sentimentos
como nojo e desprezo. Liguei pra uma amiga e fomos pra outro lugar.
Ela, uma pessoa querida e profundamente iluminada, me ajudou muito a não
ficar imobilizada pelo medo naquela noite. Mas as opressões seguiriam.
A DOR DE USAR ARGUMENTOS MACHISTAS PARA EVITAR VIOLÊNCIAS MACHISTAS
Na mesma noite, em outro lugar,
encontrei um colega do mestrado, que a partir de determinado ponto
começou a discutir sobre a primeira guerra mundial com outro cara que
possivelmente seria neo nazista. Depois de alguns minutos o neonazi
tentou me agarrar e tive que usar argumentos estilo “familia, tradição e
propriedade” para que ele me soltasse. “O que você faria se alguém
agarrasse uma irmã ou filha sua na rua, sem que ela queira, como você
está fazendo comigo?” Eu tremia de medo. É bastante comum que nazis
estejam armados e esse cara estava completamente fora de si gritando
estar morrendo de tesão por mim. Ele entendeu. Disse que se fosse com
uma irmã dele ele ficaria furioso. “Então”, disse, e saí rapidamente
buscar minha amiga.
Acham que esse meu colega do mestrado me
tirou dali? Não. Ele desapareceu esquina abaixo. Me deixou sozinha. Por
“sorte”, sendo feminista e de esquerda, eu conhecia suficientemente a
concepção de mundo de um jovem nazista para poder convencê-lo, por seus
próprios argumentos, de que ele não deveria me agarrar contra minha
vontade. Doeu na minha alma.
Cheguei em casa exausta.
Existencialmente exausta. Vi que ninguém estava do meu lado e que o que
me passava por dentro escorria pelos meus poros. Já não tinha mais como
esconder de mim mesma o que eu vinha sentindo.
CONTAR PARA A FAMÍLIA
Tinha marcado de reencontrar meu
orientador porque tinha planos de fazer pós no exterior, e nossas
conversas sempre são muito agradáveis. Estava fragilizada pelos últimos
acontecimentos e e lhe contei o que havia acontecido. Me fez bem. Achei
que seria melhor começar contando pra ele antes de contar para minha
família. Essa notícia o deixou profundamente mal e me senti ainda pior
por ter contado. Vi que ele quis me ajudar, mas não havia nada a fazer
porque nesse momento eu não estava disposta a denunciar. E sim, ele foi a
única pessoa que vi fisicamente disposta a ir à delegacia de mulheres
imediatamente. Mas tive um medo de perder o controle sobre os efeitos de
tornar pública a história.
Havia chegado o momento de contar para a
minha mãe porque sentia que ela acabaria sabendo de alguma maneira e a
denúcia parecia eminente.
Foi durante um almoço. Ela se levantou
para recolher os pratos e pedi pra ela ficar. Ela deve ter sentido que
vinha uma bomba, porque empalideceu. Não mencionei detalhes. Não vi
nenhuma expressão na cara dela e não tenho ideia do que sentiu. Me disse
coisas como “Me sinto meio culpada por ter te deixado ir morar sozinha…
Sabia que algo assim podia acontecer”. Depois de contar, depois do
silêncio dela, enlouqueci. Me ajoelhei e pedi perdão pra ela. Perdão por
estar compartilhando algo tão terrível, que eu preferia ter guardado
pra mim. Ela se manteve fria por dias e dias. Em alguns momentos, ao
longo dos últimos anos, disse que se o visse o mataria. Eu não tenho
dúvidas.
INFLUENCIAS DA GRANDE MÍDIA NA MESA DA COZINHA
Chegou janeiro e com ele o Big Brother
Brasil. Numa das festas do programa, um dos participantes estuprou uma
menina, que dormia, bêbada. Gerou uma discussão enorme (todo mundo
lembra) e para mim tinha ficado muito claro que havia existido estupro,
como para outras centenas de mulheres. Sim, é daquele cara cujos
advogados atualmente pedem 20 milhões por danos morais à Globo.
Nesse momento eu já me sentia mais
cômoda para falar sobre o tema estupro, que chegou à mesa, durante o
almoço. Então minha mãe decidiu opinar sobre o caso, dizendo: “quem
mandou beber? Se a menina estava lá, estava pra isso, a culpa é dela”. A
culpa era dela, para minha mãe. A culpa era dela, a culpa era dela, a
culpa era dela. Isso ficou ecoando na minha cabeça numa velocidade
enorme até eu não resistir mais.
Minha reação se expressou num grito
visceral de ódio, raiva, decepção. Profunda decepção. Eu nunca havia
gritado desse jeito, na minha vida. Aquela não era mais a minha casa. Eu
gritava pra ela dizendo: “não acredito que você está me dizendo isso,
eu não acredito”. Tive vontade de quebrar a casa e ela me olhava como
quem não entendia nada, assustada. Meu pai, por sorte, não escutou.
Emiti as passagens e voltei pro exterior 3 dias depois,. Depois de
longos meses de conversas bastante difíceis, fomos nos reconciliando e
ela reconquistou minha confiança. Mas tive que pedir pra ela não tocar
mais no assunto.
*Mãe, se você vier a ler isto, saiba que
eu te amo, muito. Que você não teve culpa, nem eu. Isso é o que querem
colocar na nossa cabeça, por décadas, para nos fazer sentir
responsáveis, quando somos vítimas. Eu já não estou mais magoada. Tudo
passou, Escrever agora é parte do processo de compartilhar minha
experiência.
- Que sorte eu tive por poder imigrar e por poder escapar tão facilmente…. Infelizmente com a maioria das mulheres, não é assim -
Parte do meu medo de contar para o meu
pai é de que reaja da mesma maneira. E meu maior medo é que não encontre
nele o apoio que eu há anos sonho que ele me daria, além de,
evidentemente, expor a ele uma situação que poderia afetar sua saúde ou
incentivá-lo a reagir violentamente contra o estuprador.
A FÉ NA HUMANIDADE E O MACHISMO DAS MULHERES
Devo dizer que depois do ocorrido
encontrei homens maravillhosos. Em todas as relações posteriores (seja
em âmbitos de amizade, trabalho, romance ou sexo), os homens que conheci
foram extremamente respeituosos e generosos comigo na superação do meu
trauma. Em especial meu namorado, que tem uma conduta impecável comigo,
me ajudando muito no processo de expressar o que aconteceu e me adaptar a
novos ambientes e situações.
Faço questão de ressaltar isso porque
não existiu mais empatia de mulheres ou de homens. A propósito, existem
muitas mulheres que indiretamente estupram outras, quando covarde e
comodamente se posicionam a favor do estuprador. Não é uma questão de
ter nascido com uma vagina ou um pênis, de ser trans, bi, hetero, gay. É
um posicionamento político contra ou a favor da violência de gênero.
Cruzo com várias versões femininas do Rafinha Bastos diariamente e seria
absurdo ignorá-las como perpetuadoras do sexismo. (Acho que um dos
principais desafios do feminismo hoje é gerar solidariedade entre as
mulheres, e tirá-las de uma condição de competição para a atenção dos
homens).
Também me encontrei numa situação em que
uma amiga, militante feminista, me culpava por não ter denunciado meu
estuprador, argumentando que eu seria culpada por novas vítimas dele.
Apesar de ter grande afeto por ela, não pude vê-la mais porque considero
esse um argumento essencialmente machista, mas com embalagem feminista.
Essa posição culpabiliza mulheres vítimas e infantiliza estupradores,
além de impor diretrizes de comportamento, novamente, às mulheres,
quando a culpa e a responsabilidade dos atos seguem sendo do estuprador e
seus cúmplices.
DENUNCIAR?
Entendo a utilidade da identificação de
estupradores, por parte da Justiça. Entendo a ideia de criar um cadastro
de estupradores. Mas entendo que uma denúncia é incompatível com o meu
caso. Eu não tenho suficientes recursos para evitar um processo contra
difamação, danos morais, ou algo similar por parte de quem me estuprou.
Ele, com o poder político e economico que tem, comparados aos meus, me
cansaria pelo cansaço e me faria perder em várias instâncias. Mas o mais
importante é que sustentar algo assim me levaria a seguir atormentada
por esses fantasmas e memórias por mais tempo do que gostaria. E quero
aplicar meu tempo na militância. É diferente ser estuprada por um zé
ninguém ou por um filhinho de papai protegido por elites políticas.
Em virtude dessa situação, minha opção é
diferente. Por isso decidi que ia escrever esse relato, e decidi que
faria publicar esse relato, e que esse relato chegaria até ele,
anonimamente, sem nomeá-lo. Decidi que ele se reconheceria nesse relato,
e que cada uma das pessoas envolvidas se reconheceriam nele. E que
outras tantas pessoas se reconheceriam nesse relato, sem ter feito parte
dele.
CARTA AO “MEU ESTUPRADOR”
Ao meu estuprador (e a tantos outros potenciais estupradores),
Demorei pra me pronunciar, mas soube que você é papai e teve uma filha.
Espero, sinceramente que as mulheres da sua família estejam bem, saudáveis e felizes. De coração.
Não sei se você mudou ou se o que
aconteceu comigo foi excepcional (tenho todos os indícios de que não). Espero que você não repita mais esse comportamento. Nunca mais. E lute
contra ele adentro de si e dos espaços em que circula.
Caso você venha a sentir desejos e uma
vontade visceral de possuir uma mulher, te peço que lembre da sua filha
(uma irmã ou mulher que você ama muito).
Pense se você gostaria de vê-la sofrer e
ter sua vida arrasada por alguns minutos de prazer egoísta de algum
imbecil da faculdade dela. Pense na quantidade de dias, anos e meses, em
que seus olhos não teriam brilho, e em quantos dos dias da sua vida o
suicídio passaria por sua cabeça.
Pense no potencial de uma vida feliz e
saudável, desperdiçado por uma ejaculação patética de alguns segundos,
de alguém que se crê demasiado importante. Pense em como ela perderia a
capacidade de abrir a porta a amigos, como ela perderia a capacidade de
se deixar tocar por alguém que a ama e respeita, e como ela teria que
abandonar vários projetos de futuro.
Pronto. Você se colocou no lugar do meu
pai, que algum dia deve ter jurado pra ele mesmo me proteger acima de
todas as coisas, como você provavelmente pensa agora a respeito do seu
bebê.
(O que você sentiria vontade de fazer contra alguém que estupra a sua filha?)
Eu quero que meu pai tenha uma velhice
saudável e feliz. É por mim e por ele que essa história se encerra aqui e
eu não vou te denunciar.
Mas não vou te perdoar, nem perdoar quem
provoca violência de gênero. Serei implacável contra cada abuso, contra
os micromachismos, contra as violências de gênero diárias que sofrem
todas as mulheres. Espero que sua filha seja assim com você.
Você ainda vai agradecer como nós,
feministas, vamos entregar um mundo mais justo para os teus filhos.
Mundo podre que pessoas como você ajudaram a construir. Canalha.
Com todo o desprezo do mundo,
Uma mulher que teve a vida revirada por sua culpa
Uma mulher que teve a vida revirada por sua culpa
quinta-feira, 1 de agosto de 2013
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