"O comprometimento desse governo com a lógica da exploração e
acumulação chegou a tal ponto que já não percebe o absurdo de sua
proposta e o quanto é desprezível e mesquinha a tentativa de convencer
os povos indígenas a aceitá-la. A arrogância venceu o medo", afirma o Cimi em seu sítio, 05-12-2013.
Eis a nota.
Propor mudanças na sistemática de demarcação das terras indígenas,
caso da minuta apresentada pelo Ministério da Justiça, é a resposta do
governo aos seus aliados do agronegócio. Como ele não pode renunciar
publicamente ao seu dever constitucional, a saída encontrada foi criar
um imbróglio capaz de assegurar que em tempo algum tenha que decidir
sobre a declaração dos limites de uma terra indígena, sobretudo se a
delimitação contrariar os seus amigos latifundiários.
O governo FHC, com o Decreto 1775/96,
já havia feito um movimento semelhante trazendo para a via
administrativa o chamado “direito ao contraditório” no procedimento
demarcatório das terras indígenas. O argumento usado para tentar
convencer os povos indígenas dessa mudança foi o de evitar as ações na
Justiça e, em consequência, agilizar a demarcação das terras indígenas.
Aconteceu o contrário. Proliferaram as ações na Justiça. Curiosamente o
argumento do governo atual e suas motivações são exatamente os mesmos.
Por isso é perfeitamente compreensível a indignação das lideranças
indígenas diante do cinismo governamental que tenta enganá-los pela
segunda vez com os mesmos argumentos mentirosos. Não precisa ser nenhum
expert para perceber que a demarcação das terras indígenas envolve a
disputa entre interesses por um lado e direitos por outro,
irreconciliáveis, e se o governo propõe a mudança na forma da demarcação
das terras para atender a reivindicação dos ruralistas, ele o faz de
forma consciente para impor perdas aos povos indígenas.
O governo adotou como estratégia usar as terras indígenas como moeda
de troca nas suas negociações políticas. Os povos indígenas, através da
mobilização, têm sistematicamente se oposto e inviabilizado esta prática
e por isso vêm criando constrangimentos ao governo na relação com seus
aliados. Com a proposta de mudança na sistemática de demarcação das
terras indígenas e com a Portaria 303, da AGU, o governo sinaliza para estes aliados que continua disposto a honrar os compromissos firmados.
Os interlocutores do governo com o movimento indígena e popular, para
desmobilizar a luta, enchem a boca para afirmar que se trata de “uma
decisão de governo” um grande empreendimento aqui ou acolá, sobretudo
dos PAC’s, fazendo crer que é irreversível e o negócio é
um só: aceitar. Com as usinas hidrelétricas têm sido assim: haja o que
houver, mesmo criando problemas para os povos e comunidades locais,
destruindo o que tiver que destruir. Se as comunidades resistem, ou
trabalhadores entram em greve, o governo age com a Força Nacional de
Segurança.
Não é este o discurso que o governo adota quando se trata de garantir
os direitos constitucionais dos povos indígenas, quilombolas e
comunidades tradicionais. Não existe “uma decisão de governo” para dizer
aos defensores do latifúndio, da concentração da terra, do
desmatamento, do uso indiscriminado de agrotóxicos, dos alimentos
transgênicos que mesmo que “chova canivete” fará respeitar o direito
sagrado a terra destes povos e comunidades.
O comprometimento desse governo com a lógica da exploração e
acumulação chegou a tal ponto que já não percebe o absurdo de sua
proposta e o quanto é desprezível e mesquinha a tentativa de convencer
os povos indígenas a aceitá-la. A arrogância venceu o medo.
Fonte: IHU
Fonte: IHU
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