Maximiliano Nagl Garcez e Miguel Rodrigues Nunes Neto
Pauta-bomba contra o movimento sindical e contra o interesse público
neste primeiro semestre de 2016, a Lei Geral das Estatais tramita com a
urgência de quem está de olho nos muitos bilhões de patrimônio do povo
brasileiro - e que a proposta poderia transferir para a lógica
insensível do “mercado”. O tema é central na Agenda Brasil imposta por
Renan Calheiros e pretende ao fim e ao cabo a privatização (ou
desestatização, no discurso neoliberal) das empresas que hoje estão sob
controle do Estado.
O pretexto é instituir regras de governança corporativa às estatais,
nos moldes do padrão denominado “Novo Mercado da BM&F Bovespa”. Os
sindicatos rebatem corretamente, alegando que as estatais estão sendo
privatizadas em prejuízo da classe trabalhadora e do desenvolvimento do
país. O PLS 555/ 2015 merece atenção da sociedade brasileira.
FALSA MOTIVAÇÃO: LÓGICA PRIVATISTA E DEMONIZAÇÃO DAS ESTATAIS
A finalidade da Lei Geral é retomar o processo de privatização
lamentável que vimos nos anos 90 de FHC: a privatização de empresas do
povo brasileiro construídas com muita luta, sangue e trabalho.
A opção privatista é demagogicamente utilizada no discurso neoliberal
de determinados segmentos políticos. O novo PLS 555, longe de apenas
fixar responsabilidades e transparência (o que seria louvável), na
prática adota regras de governança coorporativa que retiram a autonomia
das empresas estatais e a transformam em meros marionetes dos interesses
do capital.
Luiz Alberto dos Santos, durante seminário sobre o tema promovido
pelo Comitê de Defesa das Estatais explicou que “as regras do PLS
555/2015 são mais rigorosas até mesmo do que aquelas propostas pela
Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão
internacional que promove ações de combate à corrupção e à evasão fiscal
e que busca o crescimento econômico sustentável”.
E foram estas mesmas regras neoliberais de governança que não
evitaram o recente caso de gestão desastrosa e sem transparência
envolvendo o grupo empresarial EBX, o que demonstra a fragilidade da
ideia central do Estatuto, ao rotular as empresas estatais como
“ineficientes” e o mercado e a iniciativa privada como o único modelo de
boa governança.
CONVERSÃO E EMISSÃO DE AÇÕES ORDINÁRIAS COMO INSTRUMENTO DE PRIVATIZAÇÃO INDIRETA
Quanto às sociedades de economia mista, a forma adotada pelo PLS
555/2015 para a privatização foi sutil: um malicioso processo de
privatização inserido sorrateiramente em seu texto, e que retira
progressivamente o controle do Estado sobre tais empresas. Estas têm seu
poder decisório cada vez mais reduzido com a emissão de novas ações
ordinárias e a conversão em ordinárias das ações preferenciais.
A decisão que antes competia ao Estado caberá agora a todos os
acionistas, públicos ou privados, que poderão agir sem qualquer
preocupação social, guiados estritamente pelo lucro.
Mas o processo de privatização indireta (a expressão é de autoria do
Dep. Estadual catarinense Fernando Coruja) não se limita às sociedades
de economia mista. As empresas públicas também terão, obrigatoriamente,
seu regime jurídico alterado para sociedade anônima, muito embora, a
princípio, seu capital se mantenha fechado.
Isto impossibilitará, em um primeiro momento, a venda pública de
ações da empresa pública no mercado de ações, mas a medida não tardará!
Ora, ao transformar a empresa pública em sociedade anônima, arma-se o
terreno para o seu malfadado destino: a privatização indireta tal como a
prevista para as sociedades de economia mista.
E não é só. A progressiva substituição das ações preferenciais, que
não permitem direito a voto, por ações ordinárias, que asseguram direito
ao voto, é uma forma ainda mais nefasta de privatização. O patrimônio
público é entregue sem qualquer contraprestação financeira ao Estado
(como ocorre no caso de um leilão para concessão de serviço público) ou
ainda sem qualquer benefício ao usuário do serviço - como a redução de
tarifas ou a ampliação da malha de serviços públicos oferecidos.
É por tais razões que a modalidade de privatização indireta que
pretende instituir o PLS 555/2015 ofende o princípio republicano, baliza
no trato da coisa pública no Brasil.
PROIBIÇÃO DE SINDICALISTAS OU FILIADOS A PARTIDOS INTEGRAREM O CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO
Este certamente é um dos pontos onde a inconstitucionalidade do
Estatuto Jurídico das Estatais é mais gritante; trata-se da inexplicável
figura do “Conselheiro Independente”. Segundo o PLS, os conselhos de
administração das estatais deverão contar com a presença mínima de 20%,
ou 25% no substitutivo do Sen. Tasso Jereissati, de membros
“independentes”.
Independentes de quem? É justa a preocupação exteriorizada pelo
movimento sindical de que os conselheiros ditos “independentes”
representariam grupos de interesse bem definidos. Esta assertiva fica
clara na leitura do inciso I do Art. 21 do projeto, que não considera
independentes, por exemplo, os trabalhadores das empresas estatais, mas
considera plenamente independentes os detentores de capital acionário da
empresa - mais um vez o PLS 555 privilegia o capital em detrimento do
trabalho.
Igualmente inconstitucional é a vedação à participação no Conselho de
Administração e nas Diretorias de sindicalizados e de filiados a
partido político.
A vedação é antidemocrática e ofende o pleno exercício dos direitos
políticos previstos na CF. Qualquer limitação a estes direitos somente
pode ocorrer por determinação expressa da CF, única norma que pode
limitar direitos fundamentais, tal como o faz a Carta ao vedar o
exercício de atividades político-partidárias por magistrados e membros
do Ministério Público. Fora destas exceções constitucionais, qualquer
limitação direta ou indireta a direitos políticos por lei ordinária é
inconstitucional.
Também é autoritária e antidemocrática a iniciativa de barrar
dirigentes sindicais. Significa querer punir quem decide lutar por seus
colegas de trabalho e por uma sociedade mais justa, impedindo-os de
avançar na carreira. A Carta Política veda qualquer prática
antissindical por parte do Estado, ao prever em seu art. 8º o direito
social à liberdade de associação sindical, fixando as únicas condições
para seu exercício.
VÍCIO DE INICIATIVA
O Estatuto ainda apresenta vício de iniciativa. Seu processo
legislativo foi iniciado por Senador da República; tal iniciativa
caberia, única e exclusivamente, à Presidência da República, conforme o
art. 61 da Constituição Federal.
O vício não tem correção, como já decidiu o STF no passado (vide ADI
2.867). Em outras palavras: ainda que a Presidência sancione o Estatuto
das Estatais, ele continuará sendo inconstitucional porque não se
convalidará a usurpação de competência promovida pelo Senado.
CONSEQUÊNCIAS DO PLS 555/2015
A inconstitucionalidade do Estatuto Jurídico das Estatais é tema que
exige maior reflexão do Senado, não havendo razão justa para sua
tramitação açodada, em regime de urgência. O debate deve ser profundo e
aberto ao conjunto da sociedade brasileira, sem atropelos.
O certo é que se aprovada a Lei Geral das Estatais dois efeitos serão
inevitáveis: a demissão em massa de trabalhadores, muitos dos quais já
em vias de aposentadoria, e a precarização ou inviabilização de serviços
públicos essenciais, prestados por empresas como a CEF, Banco do
Brasil, Eletrobras, Serpro, dentre várias outras. A lógica será apenas
agradar o mercado de capitais. E também as empresas públicas e
sociedades de economia mista controladas por Estados e Municípios,
muitas delas prestando serviços públicos essenciais, sofreriam o mesmo
destino trágico.
Finalmente, o PLS também prejudica a soberania nacional, eis que tira
espaço para o Estado defender o interesse público, muitas vezes em
setores altamente estratégicos para nosso desenvolvimento.
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