Para relembrar a importância desta data reproduzo um artigo que encontrei sobre Salvador Allende, presidente eleito do Chile no ano de 70 que via no dia 11 de setembro de 1973 seu governo popular desabar por conta do golpe desferido pelo Imperialismo norte-americano tendo como representante no país o General Pinochet que se tornaria ditador do Chile responsável pela morte e tortura de milhares de chilenos.
Viva Allende! Viva a luta do povo!
...(Essa história com certeza não será lembrada pela Globo e os componentes do PIG (Partido da Imprensa Golpista)
A vitória de Allende
Augusto Buonicore
Em
janeiro de 1970 a Unidade Popular ainda não tinha decidido quem seria o
seu candidato à presidência da República. Existia certa resistência ao
nome do socialista Salvador Allende que havia sido derrotado por três
vezes consecutivas. Enquanto se desenvolviam as negociações, o Partido
Comunista lançou o seu próprio candidato: o poeta Pablo Neruda. No
entanto, a situação exigia a unidade das forças de esquerda e,
finalmente, chegou-se a um acordo em torno do nome do candidato
socialista.
Em janeiro de 1970 a Unidade Popular
ainda não tinha decidido quem seria o seu candidato à presidência da
República. Existia certa resistência ao nome do socialista Salvador
Allende que havia sido derrotado por três vezes consecutivas. Enquanto
se desenvolviam as negociações, o Partido Comunista lançou o seu próprio
candidato: o poeta Pablo Neruda. No entanto, a situação exigia a
unidade das forças de esquerda e, finalmente, chegou-se a um acordo em
torno do nome do candidato socialista.
A Unidade
Popular (UP) foi composta pelos partidos socialista, comunista, radical,
social-democrata, Movimento de Ação Popular Unitário (Mapu) e Ação
Popular. As duas principais forças eram a socialista e a comunista. O
Partido Socialista podia ser considerado a extrema-esquerda da
Internacional Socialista. Muitos de seus dirigentes se diziam
marxista-leninistas e defendiam Cuba socialista. O Partido Comunista do
Chile, por sua vez, era o maior partido da esquerda e, nas últimas
eleições, tinha conseguido aproximadamente 17% dos votos e eleito 21
deputados e 5 senadores.
A campanha da UP ganhou o
país e mobilizou centenas de milhares de trabalhadores. Todos
pressentiam que chegara a hora da esquerda chilena. Mais de 400 mil
pessoas se reuniram no último comício realizado na capital. Em 4 de
setembro de 1970 Allende venceu por uma margem bastante apertada. Ele
obteve 36,6% dos votos, Jorge Alessandri do Partido Nacional (direita)
34,8% e Radomiro Tomic da Democracia Cristã 27%. Uma multidão tomou as
ruas de Santiago.
Contudo, a guerra ainda não
havia sido ganha. Como nenhum dos candidatos obteve maioria absoluta dos
votos cabia ao Congresso Nacional, no qual a UP era minoria, confirmar o
candidato vencedor. Começou, assim, uma intensa pressão da burguesia
sobre os parlamentares democrata-cristãos para que não aceitassem o
resultado das urnas.
A CIA trama contra a posse de Allende
Num
discurso pronunciado em 14 de setembro de 1970, o secretário de Estado
estadunidense Henry Kissinger afirmou: "É muito fácil prever que a
vitória de Allende possibilitará o estabelecimento de um governo
comunista. Nesse caso, não se trata de um governo desse tipo numa ilha
sem tradição e nem impacto na América Latina (...). A evolução da
política chilena é muito séria para os interesses da segurança nacional
dos Estados Unidos".
Em 21 de setembro a CIA
enviou um telegrama aos seus agentes em Santiago: "O propósito da
operação é evitar que Allende assuma o poder. O suborno do Parlamento
foi descartado. O objetivo é a solução militar". Um relatório da
embaixada norte-americana enviado à Kissinger afirmava: "o general
Schneider tem que ser neutralizado, tirado da frente se por preciso". O
comandante-em-chefe do Exército, general René Schneider, era um
legalista e se opunha aos projetos golpistas da direita militar. Por
isto, segundo a CIA, ele precisava ser eliminado.
No
começo de outubro outra mensagem chegou à capital chilena: "Criar um
clima de golpe mediante propaganda, desinformação e atividades
terroristas destinadas a provocar a esquerda para ter um pretexto para
um golpe". Alguns dias depois um agente da CIA em Santiago informou sua
sede em Washington que o "general Viaux propôs seqüestrar os generais
Schneider e Prats dentro das próximas 48 horas". A resposta foi:
"Informar a esses oficiais golpistas que o governo dos EUA lhes dará
apoio total no golpe." Os americanos não só sabiam do plano terrorista
de matar o comandante do Exército chileno como o apoiavam. O próprio
adido militar dos Estados Unidos entregou três metralhadoras aos
oficiais golpistas, liderados por Viaux e Valenzuela, que assassinariam o
general Schneider no dia 25 de outubro.
O fato
ocorreu poucas horas antes da votação no Congresso que deveria homologar
o nome de Allende. A CIA exultou: "24 horas da reunião do Parlamento,
um clima de golpe existe no Chile (...) o atentado contra o general
Schneider produziu conseqüências muito próximas das previstas no plano
de Valenzuela (...). Em conseqüência, a posição dos conspiradores foi
reforçada". Ledo engano.
O país ficou consternado e
o resultado acabou sendo desfavorável às forças de direita. A ala
democrática da Democracia Cristã venceu e, em 24 de outubro, o congresso
acabou reconhecendo a vitória de Allende. Em troca exigiu a aprovação
do Estatuto de Garantias Constitucionais pelo qual o novo governo
socialista ficava proibido de mexer nos meios de comunicação privados,
na educação e nas Forças Armadas. Um acordo que o novo governo cumpriu
religiosamente nos seus mil dias conturbados.
O
primeiro ministério refletiu a nova correlação de forças existente no
Chile. Dele participavam cinco ministros socialistas, três comunistas,
três radicais, um do MAPU, um da AP e um da esquerda independente. A
esquerda havia conquistado o governo e não o poder. Os poderes
legislativo e judiciário continuavam firmes nas mãos de representantes
da burguesia. A subestimação deste dado da realidade criou perigosas
ilusões no seio das forças socialistas chilenas.
As medidas econômicas e sociais do governo Allende
Uma
das principais bandeiras da UP foi a nacionalização das minas de cobre.
O cobre representava cerca de 80% das exportações chilenas e estava nas
mãos de três grandes monopólios estrangeiros: a Anaconda, a Kennecott
Cooper e a Serro.
A lei de nacionalização foi
aprovada em 11 de julho de 1971 com o voto unânime do congresso nacional
- nem a direita entreguista teve coragem de votar contra um anseio tão
profundo da nação chilena. O governo também nacionalizou as indústrias
do ferro e do salitre. Interveio na Companhia de Telefones do Chile, que
era filial da poderosa ITT norte-americana e estatizou o sistema
bancário, nele se incluía o City Bank. As nacionalizações feriram
profundamente os interesses privados das companhias estadunidenses.
Após
a estatização dos bancos o governo orientou o crédito para os pequenos e
médios produtores e para projetos de desenvolvimento industrial e
social. Houve uma significativa redução dos juros. Reativou-se o setor
de construção civil, adotando uma ousada política de construção de casas
populares.
Foram estabelecidas relações
diplomáticas e comerciais com Cuba, China, Vietnã e Coréia do Norte.
Realizou-se uma reforma agrária abrangente que resultou na quase
extinção do latifúndio improdutivo. Neste período expropriaram-se cinco
milhões de hectares em benefício de mais de 40 mil famílias.
As
medidas econômicas e sociais adotadas levaram a que no primeiro ano de
governo a produção industrial aumentasse em 12% e o PIB crescesse 8,3%,
índice inédito até então. Reduziu o nível de desemprego e ocorreu um
processo rápido de recuperação salarial. A participação dos assalariados
na renda nacional subiu de 53% para 61%. A CUT foi legalizada e passou
de 700 mil para 1 milhão de filiados.
Todas as
crianças chilenas passaram a ter o direito a meio litro de leite por
dia. O governo Allende ampliou drasticamente os serviços médicos e
escolares. Estas medidas levaram a uma redução significativa da
mortalidade infantil e dos níveis de analfabetismo. A previdência foi
estendida para 330 mil pequenos comerciantes e feirantes e 130 mil
pequenos industriais, artesãos, desportistas profissionais etc.
Em
abril de 1971, a UP teve mais uma estrondosa vitória nas eleições
municipais. Ela conseguiu 50,2% dos votos enquanto a DC atingiu 27% e o
PN apenas 20%. A votação refletiu a rápida mudança de espírito das
massas populares - um deslocamento para esquerda - e reforçou a tese
sobre a possibilidade de um "via chilena para o socialismo". Esta se
daria pela articulação do avanço institucional da esquerda, através das
eleições, e a mobilização e organização das massas populares.
A ofensiva conservadora contra o governo popular
Desde
a posse de Allende o imperialismo norte-americano, em conluio com
setores da grande burguesia, implementou um plano metódico de destruição
da economia chilena. De repente, os créditos externos desapareceram,
houve uma corrida aos bancos e os capitais foram enviados ilegalmente
para o exterior.
No mês de outubro de 1972 eclodiu
a greve dos caminhoneiros que foi seguida por uma greve no comércio,
nos transportes urbanos, nos hospitais particulares etc. Era uma greve
insurrecional da burguesia. Neste período mais de trezentas mil cabeças
de gado foram contrabandeadas e dez milhões de litros de leite atirados
nos rios para que não chegassem nas mesas das crianças pobres. A terra
não foi semeada e a produção de alimentos caiu catastroficamente.
Em
pouco tempo começou a faltar alimentos nas grandes cidades. Proliferou o
mercado negro e incentivou-se o processo inflacionário. O governo só
não caiu graças a mobilização e a auto-organização popular. Diante da
tentativa da burguesia em parar a nação, os trabalhadores ocuparam as
fábricas fechadas e as mantiveram produzindo num ritmo superior a média
anterior. Os camponeses ocuparam as fazendas paralisadas. Nas cidades,
as comunas organizaram o abastecimento e montaram brigadas para ir ao
campo ajudar na colheita e no transporte. Realizaram-se tentativas
heróicas de furar o cerco imposto pela greve dos caminhoneiros. Diante
da ameaça de golpe formaram-se os "cordões industriais", como
instrumento de autodefesa proletária. O povo chileno tomou em suas mãos
desarmadas a defesa da revolução.
O resultado
desta ofensiva golpista foi a redução do nível de crescimento e o PIB
caiu para 5% em 1972. Mesmo assim, esse índice não foi tão catastrófico
como poderia ter sido sem a mobilização dos trabalhadores para vencer a
sabotagem do imperialismo e dos monopólios. A situação econômica se
tornou mais grave em 1973.
A Democracia Cristã: entre a cruz e a espada
A
eleição de Allende só foi possível graças aos votos dos deputados da DC
- liderados por Tomic. Durante mais de seis meses existiu um relativo
entendimento entre congresso e o executivo. No entanto, vários
acontecimentos minaram esta relação e colocaram a maioria da DC no colo
do Partido Nacional.
Em 8 de junho de 1971 um
agrupamento de extrema-esquerda assassinou o ex-ministro
democrata-cristão Edmundo Zukovic. Existia uma forte suspeita que por
trás das mãos dos terroristas estava a CIA. A ala direita da DC
aproveitou-se da oportunidade para neutralizar a ala democrática do
partido e exigiu o rompimento de todos os acordos com o governo.
Ainda
em julho ocorreu, em Valparaíso, uma eleição complementar para a vaga
de um deputado da DC que tinha falecido. Ali a UP havia conseguido 49%
dos votos em março. Allende, então, propôs que ela apoiasse o candidato
da DC e colocasse como condição que ele não fosse contra o governo. A UP
recusou e lançou candidato próprio. O Partido Nacional retirou sua
candidatura e apoiou, pela primeira vez, o candidato democrata-cristão -
a condição agora é que ele fosse da oposição. A campanha foi dura e
houve troca de acusações. O resultado da disputa foi a derrota da UP e o
fortalecimento da ala direita da DC. No mesmo mês a ala esquerda
daquele partido se desligou e formou o Movimento de Esquerda Cristã, que
solicitou ingresso na UP.
A CIA compreendeu a
importância desta eleição e destinou 150 mil dólares para o candidato
oposicionista. Rompeu-se assim o equilíbrio partidário que permitiu a
vitória de Allende em 1970 e foi se constituindo uma ampla frente de
oposição que adquiriu um caráter golpista. O governo começou a ficar
isolado no parlamento. Dias mais difíceis viriam.
No
dia 10 de novembro de 1971 Fidel Castro chegou ao Chile para uma
visita. Ele ficou no país por três semanas. Antes que partisse, milhares
de mulheres da burguesia e das classes médias realizaram uma grande
manifestação denominada "Marcha da Panela Vazia". A manifestação
"pacífica" era acompanhada por grupos paramilitares de direita que
tentavam provocar os carabineiros e criar distúrbios nas ruas.
O
resultado das provocações direitistas foi um grave confronto que deixou
vários feridos. Pela primeira vez na história chilena a polícia
desbaratava, com firmeza, uma manifestação provocadora da burguesia.
Indignado o presidente da Federação dos Estudantes da Universidade
Católica afirmou: "acusamos o governo de transformar o corpo de
carabineiro em um aliado impudico das forças marxistas". Formou-se uma
cadeia nacional contra o governo Allende. Todo este movimento de "guerra
psicológica" era patrocinado pelo governo norte-americano. Foi
decretado o Estado de Emergência na capital para conter novas
manifestações da direita.
Consolidou-se, assim, o
rompimento da DC com a UP e sua aproximação definitiva com o Partido
Nacional. O Congresso passou a exigir a demissão do ministro do
interior, José Toha. A Câmara de Deputados votou a destituição do
ministro. A decisão inconstitucional foi confirmada pelo Senado. Os três
comandantes em chefe das Forças Armadas reconheceram o direito de
Allende de nomear e demitir ministros. A Corte Suprema também confirmou a
prerrogativa constitucional do presidente da República. No final de
1971, a legalidade ainda jogava do lado da UP.
Esta
foi uma clara manobra da direita parlamentar no sentido de alterar o
regime político, passando poderes do presidente progressista para um
congresso conservador. Tentativa que, naquele momento, não obteve o
resultado esperado. Estabeleceu-se, assim, uma clara ruptura entre os
poderes da República. O parlamento se constituiu num obstáculo
permanente para a ação do governo legítimo. O congresso não aprovava
mais nenhum projeto do executivo e, ao mesmo tempo, não tinha quorum
suficiente para destituí-lo. Abriu-se uma crise institucional de grande
proporção.
As Classes Médias e o Governo Allende.
Apesar
disto, um setor importante das classes médias veio a engrossar o
movimento oposicionista ao governo Allende. Por trás desta posição
estavam certas predisposições ideológicas provenientes de sua posição
social particular no modo de produção capitalista. Um das principais
características da ideologia da classe média é o medo da proletarização.
No
caso dos países capitalistas dependentes existia um agravante, como
afirmou Altamirano: "as classes médias dos países de capitalismo
dependente (...) gozam de um quadro de privilégios relativos. Seu padrão
de vida é significativamente superior ao das grandes massas
empobrecidas da cidade e do campo. Aqui existe um desnível de vida
consideravelmente maior que nos países capitalistas avançados, entre as
massas populares, de um lado, e grande parte dos intelectuais, dos
empregados e da pequena burguesia ligada ao comércio, aos transportes,
de outro. Essa particularidade dificulta uma aliança objetiva com o
proletariado; como o processo revolucionário deve forçosamente impor uma
distribuição de renda eqüitativa para as grandes massas, a deterioração
relativa dos setores médios é quase inevitável".
Para
entender a essência do discurso da direita para as classes médias,
utilizando de seus preconceitos arraigados, o autor utilizou uma imagem
bastante interessante: "Foi como se a burguesia lhes tivesse sussurrado
ao ouvido: 'Cuidado! Nós somos os primeiros, mas depois virão vocês
(...). Hoje expropriam as grandes empresas, mas terminarão por estatizar
até os pequenos negócios (...). Foi sempre assim em todos os países
socialistas (...). De modo que a gente precisa se defender juntos'". E
assim foi feito. Quando do golpe militar a propaganda terrorista
anticomunista já tinha realizado o seu trabalho e uma parte da classe
média estava plenamente convencida que "comunista bom é comunista
morto!" e quem ainda apoiava Allende só podia ser comunista.
Terrorismo e Golpe de Estado
O
clima de guerra civil e as dificuldades econômicas, impostos pela
grande burguesia e o imperialismo, não haviam conseguido diminuir o
prestígio do governo diante das classes populares. Nas eleições
parlamentares de março de 1973, a UP conquistou 44% dos votos e se
consolidou como principal organização política do Chile. O aumento do
número de parlamentares progressistas inviabilizou a idéia do golpe
branco, parlamentar, visando destituir Allende. Agora só havia um
caminho para a oposição rebelada: o golpe militar.
Apesar
da relativa redução dos votos, em relação às eleições municipais de
1971, o que podia ser constatado era um aumento constante do número
absoluto de eleitores da UP: um milhão em 1970, um milhão e quatrocentos
mil em 1971 e um milhão e seiscentos mil em 1973. A maioria dos
trabalhadores assalariados ainda estava com Allende.
Acompanhando
o crescimento da UP ocorreu o crescimento da violência promovida pela
extrema-direita. Em fevereiro de 1972 o alto comando militar já havia
desbaratado um plano para assassinar Allende. Foram presos vários
oficiais e civis ligados ao grupo fascista "Pátria e Liberdade". Por
trás do complô estavam alguns generais. Neste mesmo período, dezenas de
militantes de esquerda foram assassinados. Em 26 de julho de 1973 o
próprio comandante Arturo Araya, adido naval do presidente, foi morto
num atentado. Nos últimos meses do governo Allende a direita cometeu, em
média, 21 atos terroristas por dia.
Sob a
alegação de combater a violência crescente, o Congresso aprovou a Lei de
Controle de Armas. O controle voltou-se, exclusivamente, contra o
movimento popular. As Forças Armadas realizaram centenas de incursões
nos bairros operários, nas fábricas, nas universidades em busca de
armas. Os grupos para-militares de direita não foram molestados. Era uma
medição de forças para o combate que se aproximava.
Os
acontecimentos se sucederam num ritmo que atropelou a própria esquerda.
Em maio de 1973, setores militares ujá haviam decidido dar o golpe de
Estado. Para ajudar no clima de desestabilização, os empresários
patrocinaram uma greve no transporte urbano. Em resposta, em 21 de
junho, a Central Única dos Trabalhadores chilena realizou uma greve
geral contra o golpismo e em apoio ao governo. Um milhão de
trabalhadores desfilou pelas ruas de Santiago.
Poucos
dias depois, no dia 29, ocorreu uma primeira tentativa golpista. Um
regimento de blindados tentou atacar o Palácio presidencial. O próprio
general Prats, numa ação corajosa, se dirigiu pessoalmente para as
tropas insurretas e deu ordem de prisão aos seus comandantes. Ele
pagaria caro pelo seu ato.
Prats era então o
comandante-em-chefe do Exército e havia sido indicado para o Ministério
do Interior após a greve patronal de outubro de 1972. Era um legalista
fervoroso e um obstáculo aos intentos golpistas. Isto levantou contra
ele o ódio dos setores direitistas da sociedade e das Forças Armadas. Em
21 de agosto centenas de mulheres realizaram um ato na frente de sua
residência exigindo sua renúncia e dirigindo insultos contra sua honra.
Eram as esposas e filhas da alta oficialidade. Os generais, como era o
esperado, não se solidarizaram com seu comandante. Prats foi obrigado a
renunciar e com ele saíram vários generais legalistas. Estavam abertas
as portas para o golpe militar.
Aproveitando o
clima existente, a Democracia Cristã fez aprovar na Câmara dos Deputados
uma resolução declarando a "ilegitimidade" do governo. Novamente os
trabalhadores tiveram que responder as manobras de direita e realizaram
uma gigantesca manifestação na qual cerca de 800 mil pessoas saíram às
ruas gritando: "Allende, Allende, o povo te defende!". Sem o saber, esta
seria a última homenagem que o povo chileno prestaria ao seu valoroso
presidente. Era 3 de setembro.
O Golpe de 11 de Setembro
Nas
primeiras horas da madrugada do dia 11 de setembro a marinha se
sublevou em Valparaíso, depois de participar de uma manobra conjunta com
a marinha norte-americana. As primeiras notícias eram confusas. Pouco a
pouco foi ficando claro que se tratava de um golpe militar dirigido
pela cúpula das Forças Armadas. A frente de todas as operações golpistas
estava o novo comandante-em-chefe do Exército, um dos homens de
confiança de Prats e do próprio presidente. Ele se chamava Augusto
Pinochet.
Ao receber as notícias das operações
militares, Allende se dirigiu ao Palácio da Moneda. Com este pequeno
grupo de homens e mulheres o presidente enfrentou por horas os ataques
de tropas de infantaria, blindados e os temidos bombardeiros Hawker
Hunter. Às 9 horas da manhã ainda pensou em distribuir armas para os
trabalhadores. Convocou o comandante-em-chefe dos Carabineiros, general
Sepulveda, e perguntou-lhe:
─ General, só resta distribuir armas ao povo. O senhor pode fazê-lo?
─ Distribuir armas, eu? Como quer que eu distribua armas?
─ Distribuir armas, eu? Como quer que eu distribua armas?
Naquele
momento as últimas tropas leais dos carabineiros se retiravam. O
comando já não estava mais nas mãos do estupefato general.
Depois
de mais de dois anos de governo não havia sido construída nenhuma
estratégia para responder a um possível golpe militar, apesar das
inúmeras ameaças e do crescimento da violência fascista. Confiou-se
integralmente nos dispositivos militares legalistas de Allende. Quando
este falhou, o governo e o povo ficaram sem uma alternativa viável. Os
poucos agrupamentos armados de estudantes e de operários foram
prontamente massacrados numa luta desigual. Milhares morreram esperando
os regimentos leais ao governo. Uma página heróica e trágica da história
dos trabalhadores latino-americanos.
Uma proposta
de constituição de uma comissão militar integrada por oficiais leais e
dirigentes ligados a Unidade Popular foi rejeitada. Apenas no final de
agosto de 1973 começou a ser aventada a possibilidade de aplicação da
lei de Defesa Civil que permitiria articular os carabineiros, ainda
leais ao governo, e as organizações populares e sindicais. Esta era uma
lei de 1945 e visava defender o país quando ele estivesse em perigo
iminente. O plano não conseguiu sair do papel diante da oposição.
Na
verdade, como afirmou Altamirano, "faltou à Unidade Popular a
capacidade de prever a alterar as formas de luta quando isto se tornou
necessário". Agarrou-se às instituições do Estado burguês quando a
burguesia já as havia abandonado e caminhava abertamente no sentido da
insurreição armada. Continuou: "Mas não era viável nem possível a
manutenção de uma linha política institucional até iniciar a 'construção
do socialismo', sem provocar rupturas. Por exclusiva vontade das
classes dominantes, a confrontação devia produzir-se nalgum momento
desse itinerário. E, por isto, o processo devia obrigatoriamente, contar
com uma estrutura defensiva militar." Recuar, fazendo novas concessões à
Democracia Cristã, ou avançar, rompendo a legalidade burguesa. Uma
decisão nem sempre fácil de ser tomada.
Este,
talvez, tenha sido o grande dilema e uma das limitações da experiência
de "via chilena para o socialismo". Mas, os possíveis erros não devem
encobrir o heroísmo da esquerda chilena e de seu valente presidente. As
últimas palavras de Allende ainda repercutem na alma do seu povo:
"Diante desses fatos, só me cabe dizer aos trabalhadores: não vou
renunciar (...) pagarei com minha vida a lealdade do povo (...). Outros
chilenos superarão esse momento amargo em que a traição pretende se
impor; continuem sabendo que muito mais cedo que tarde novamente se
abrirão as grandes avenidas por onde passará o homem livre, para
construir uma sociedade melhor. Viva o Chile! Viva o povo! Vivam os
trabalhadores!". Em poucos minutos cairia morto o companheiro presidente
e o povo nas barricadas e nas ruas responderia: "Allende, presente!
Agora e sempre!".
Bibliografia:
ALTAMIRANO, Carlos. Dialética de uma derrota. São Paulko: Brasiliense, 1979
ALEGRIA, Fernando. Allende, a paz pelo socialismo, São Paulo: Brasiliense, 1983
DEBRAY, Régis. Conversación com Allende. México: Siglo Veintiuno, 1973
GARCÉS, Joan. Allende e as armas da política. São Paulo: Scritta, 1993
HARNECKER, Marta. Tornar possível o impossível. São Paulo: Paz e Terra, 2000
JARA, Joan. Canção inacabada: a vida de Victor Jara. Rio de Janeiro: Record, 2002
MARÍN, Gladys. "Salvador Allende en el centro da la conciencia de los pueblos" in La Insignia, Chile: janeiro de 2003 MORAES, João Quartim de. Liberalismo e Ditadura no Cone Sul. IFCH-Unicamp, 2003
Augusto César Buonicore é historiador e membro do Comitê Central do PCdoB
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