Eduardo Sales de Lima,
da Redação
“Na
lei ou na marra”. Este era um dos principais lemas em coro pelos 1.500
trabalhadores e delegados das Ligas Camponesas do Brasil reunidos no
Congresso Camponês, ocorrido em Belo Horizonte (MG), em novembro de
1961.
O encontro contava com o apoio do então
presidente João Goulart, e marcava um momento histórico na luta contra o
latifúndio e pelos direitos dos trabalhadores camponeses no país.
A
origem das Ligas Camponesas remonta às antigas Ligas da década de 1930,
originárias da ação do Partido Comunista do Brasil no campo. A
refundação dessas organizações na década de 1950 alcançou diversos
estados brasileiros. Embora não tão articuladas politicamente, suas
ações se guiavam, em sua maioria, por um viés progressista. Essa
refundação pode ser simbolizada, sobretudo, a partir de 1954, quando na
cidade de Vitória de Santo Antão (PE), formava-se um dos embriões das
Ligas Camponesas, a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de
Pernambuco (SAPPP).
No engenho Galileia
trabalhavam cerca de 140 famílias de camponeses em regime de foro: em
troca de cultivar a terra, deviam pagar uma quantidade fixa em espécie
ao proprietário da terra. Após uma desavença política entre as partes,
os camponeses encontraram apoio em Francisco Julião.
A
associação se institucionalizou e passou a funcionar legalmente a
partir de janeiro de 1955. Forças políticas de direita e a imprensa não
demoraram em alcunhar a SAPPP de “liga”, fazendo relação aos movimentos
da década de 1940.
Em 1959, a SAPPP conseguiu a
desapropriação do engenho. A vitória dos pernambucanos estimulou a luta
pela reforma agrária em todo o país e já no início da década de 1960, as
ligas se espalhavam por 13 estados brasileiros.
Porém,
com a instalação do regime militar em 1964, a reforma agrária não foi
implementada, pois as principais lideranças das ligas foram presas e o
movimento dissipou-se. Testemunha e ator de toda essa história é o
baiano Clodomir dos Santos Morais, que foi assessor das Ligas Camponesas
e teve contato com dirigentes como Francisco Julião, Adauto Freire,
João Pedro e Elizabeth Teixeira.
Clodomir também
foi deputado estadual de Pernambuco eleito pelo Partido Comunista
Brasileiro (PCB) em conjunto com a legenda do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), de 1955 a 1959.
Dois anos
preso, entre 1962/65, Clodomir chegou a dividir a cela com o educador
Paulo Freire. Com os direitos políticos cassados por uma década, foi
expulso do país, permanecendo exilado por mais 15 anos.
Durante
esse período, foi conselheiro regional da ONU para a América Latina em
assuntos da reforma agrária e desenvolvimento rural. Dirigiu projetos de
capacitação e organização em Honduras, México, Nicarágua e Portugal.
Foi professor nas universidades de Rostock e Berlim, na Alemanha; e em Wisconsin, nos Estados Unidos.
Possui
duas dezenas de livros sobre a questão da terra. Seu acúmulo prático
construído na ação dentro das Ligas Camponesas e sua consciência
teórica, notadamente, contribuem, há anos, para que os movimentos
camponeses contemporâneos organizem, de modo mais eficaz, a luta pela
reforma agrária. As primeiras edições da sua cartilha Elementos de
Teoria da Organização foram feitas Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), por meio do Caderno de Formação nº 11.
Brasil de Fato – Qual o primeiro desafio das Ligas? A institucionalização das primeiras organizações?
Clodomir Morais - Foto: Reprodução |
Clodomir Morais –
O Código Civil é a lei que a burguesia respeita. O Código Civil foi
feito por ela. E aprovado em 1918. Então ela respeita, não rasga.
Porque, se rasga, eles mesmos são afetados, eles mesmos perdem seus
direitos. Então a gente estava perdendo tempo querendo resolver nossas
questões com o Ministério do Trabalho [se referindo à legalização das
primeiras organizações camponesas na década de 1950]. O Código
Trabalhista não era para isso. E começamos as Ligas Camponesas por aí. A
partir daí elas iriam longe.
Tínhamos uma
burguesia que acreditava nos slogans das Ligas Camponesas. Grande parte
eram burgueses com dinheiro, a começar por Jânio Quadros, que foi nosso
grande amigo.
A fragmentação política era uma das características desse movimento camponês?
Não
eram tão fragmentadas. As Ligas eram o braço direito, ou esquerdo, se
quiser, do próprio Partido Comunista. E eu também era comunista.
Meteram-se até na luta armada para defender o sistema democrático que
estava ameaçado, quando do suicídio de [Getúlio] Vargas.
Qual era grau de tensão política entre os dirigentes das Ligas, desde a morte de Vargas até o golpe militar de 1964?
Veio
o Café Filho [sucessor de Vargas], e esperávamos o golpe. Assim como
com Juscelino Kubitschek. Até chegar em 1964. Tudo mundo sentia que se
aproximava [o golpe].
Lamentavelmente, as
direções do PC dos estados, fora Pernambuco, não viam isso. Achavam que
deviam participar de alguma forma das fileiras do Estado, para
legalmente reivindicar as coisas. Legalmente não se reivindica nada.
O
pessoal não acreditava, achava que a gente era aventureiro. Estávamos
vendo a hora de os EUA invadirem Cuba, e realmente invadiram, em 1961.
Entretanto, apoiamos Cuba sem precisar de nenhuma ajuda material desse
país.
Hoje temos um parlamento em que 60% é
composto por latifundiários. Os maiores latifundiários do continente
estão lá dentro. Um deles chegou a ser governador do Mato Grosso [Blairo
Maggi], que possui um milhão de hectares de terras da Amazônia.
De
modo que foi uma ilusão dos camaradas do Partido Comunista que, afinal
de contas, nunca quiseram discutir [o atrelamento ao Estado, o
legalismo].
E como foi o Congresso de 1961?
Eles
realizaram um congresso em que as Ligas participaram e virou totalmente
a cara dele. Buscaram fazer um congresso para disciplinar o
arrendamento de terras. Nós não estávamos pensando em arrendamento, mas
numa reforma agrária, mesmo como uma bandeira de revolução burguesa. E a
própria burguesia nos apoiava.
O PC armou as Ligas na iminência do Golpe de 1964?
Os
que dirigiam as Ligas eram comunistas. O PC apoiava o general [Henrique
Teixeira] Lott. Boa parte estava comprometida com a eleição dele, e não
queria que o movimento das Ligas atrapalhasse. Mas os comunistas das
Ligas de Pernambuco criaram um Comitê que cuidou do apoio à Cuba. Mas é
evidente que setores se armaram.
Logo após o
golpe militar, as Ligas ocuparam a cidade de Vitória de Santo Antão.
Ocuparam o Engenho Serra com mil homens armados. Mas as Ligas só tiveram
um dispositivo que foi deflagrado pelas autoridades, hoje localizado no
Estado de Tocantins.
Houve outro grande dispositivo militar no Estado do Rio de Janeiro. Eram 27 dispositivos militares.
Estou
terminando, daqui a seis meses, o livro História Militar das Ligas
Camponesas. São quarenta anos de pesquisa. Vários quadros estiveram nos
dispositivos militares das Ligas, e ninguém sabia os nomes deles, e
depois, pouco a pouco, a gente foi encontrando com um e com outro e
reunimos os dados.
Que rumo tomaram esses dispositivos após o golpe?
Nós
desligamos esses dispositivos antes mesmo de sermos presos. A divisão
interna era muito grande e os inimigos pertencentes ao sistema tinham
muita força.
Qual a influência das Ligas na Guerrilha do Araguaia?
Alguns
membros da Guerrilha do Araguaia adquiriram experiência com as Ligas
Camponesas. Ali haviam vários caras formados pelas Ligas. Como foi
também com o grupo de [Carlos] Marighella, de [Carlos] Lamarca, do
Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Como eu estava no
exílio, fui saber disso depois.
E como o senhor vê a luta dos movimentos camponeses, hoje?
O
MST merece todo o respeito por tudo o que fez, mas se acomodou, de
certo modo. Já perdeu bastante combatividade. Pelo oportunismo de alguns
camponeses e alguns dirigentes. Mas eu continuo acreditando bastante em
[João Pedro] Stedile. Ele é um técnico com política na cabeça.
Como o senhor vê a estrutura organizativa dos camponeses hoje?
Hoje
é cada um por si, e Deus por todos. E você vai encontrar aí muitos
assentamentos que estão em pedaços. Ainda têm papelão ou lona em cima do
telhado. Temos que retomar a luta.
Os movimentos
camponeses de hoje viram que é mais fácil fazer o caminho que o Partido
Comunista fez na época de Miguel Arraes, quando era governador de
Pernambuco. Arraes chegou a ter metade de seu secretariado comunista.
Não faltava nada ao partido.
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