Por André Singer, em sua coluna na Folha
18/05/2013
A MP dos Portos, aprovada depois de
impressionante guerra político-empresarial no Congresso, deverá marcar o
governo Dilma, talvez comprometendo de maneira indelével o caráter
nacional-desenvolvimentista que a presidente procurou imprimir aos anos
iniciais de seu mandato.
Em primeiro lugar, porque a orientação do
projeto é privatista, embora o Executivo não goste que se fale em
privatização. É verdade que os portos já estavam parcialmente em mãos
privadas desde a reforma de 1993.
No entanto, em lugar de restabelecer o
primado do Estado numa área vital, a 595 abriu o espaço dos negócios
portuários para outras empresas (as quais também já operavam no setor,
porém em caráter, digamos, provisório).
Daí a disputa que se estabeleceu na Câmara
dos Deputados nesta semana. Os que já estavam não queriam sair. Os “de
fora” queriam substituir os antigos donos do pedaço.
Como se trata de interesses que envolvem
bilhões de reais, vastos recursos foram usados para mobilizar
parlamentares de um lado e de outro. Empresários como Daniel Dantas e
Eike Batista e conglomerados como Odebrecht e Oetker (que detém a
companhia de navegação Hamburg Süd) foram alguns dos nomes famosos que
circularam nas notícias da semana. Ou seja, além de aumentar a
privatização dos portos, a MP acelerou a galopante privatização do
Legislativo brasileiro.
Em segundo lugar, a pretexto de aumentar a
concorrência, o novo marco regulatório parece ter dado a alguns
gigantes econômicos benefícios de tal ordem que, no médio prazo, os
portos estatais irão quebrar. É o que afirmaram o senador Roberto
Requião (PMDB-PR) e, por incrível que pareça, a nota técnica da
liderança do PT. Isso explica por que o partido votou em bloco a favor
da medida, mas com defesas tímidas do conteúdo, apelando para uma vaga
ideia de modernização, tão a gosto dos liberais.
Ao aceitar o argumento neoliberal de que
só o mercado é capaz de controlar o mercado, deixou-se de lado a
alternativa de reconstruir a capacidade pública para ordenar um
setor-chave da economia brasileira. Em outras palavras, aprofundando o
viés liberalizante da política iniciada na década de 1990, Dilma pode
ter enterrado o sonho de recuperar a soberania nacional em terreno
estratégico.
Ainda que possa estar satisfeita com a
vitória de última hora, não creio que o instinto desenvolvimentista da
presidente a deixe dormir em paz com a perspectiva acima, que o grande
capital evidentemente comemora. Resta ver se, pelo menos, tantas
concessões irão trazer os frutos esperados em matéria de crescimento do
PIB. A conferir.
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