Ontem liguei a televisão para assistir a transmissão da TV Câmara e ver onde daria o resultado da votação da PEC sobre a redução da maioridade penal. Numa avaliação pessimista eu diria que ali o Brasil está representado
proporcionalmente e quase fidedignamente (e eu nem preciso dizer por que
essa é a visão pessimista). Por outro lado, com otimismo, eu diria que a
quantidade de gente sensata me pareceu razoável, especialmente por
alguns discursos, a maioria contra a redução.
A questão aqui é fazer uma avaliação do que os caros deputados e muitos "cidadãos" entendem por "maioria". Ouvi muitos falando sobre os 87% que querem a redução
da maioridade penal. "Ouçam o povo, estamos na Casa do Povo e temos o
dever de ouvi-los". É uma pena que não sejamos ouvidos quando a
"maioria" encabeça outras propostas que afetam os "representantes", mas
vá lá...
Vivemos em um Estado Democrático de Direito. Por mais
que você imagine que uma democracia se faz com decisões majoritárias a
coisa nunca vai funcionar bem assim. Eu diria que se a mudança passasse,
não demoraria muito (talvez sim, pela morosidade burocrática) para o STF derrubá-la por sua inconstitucionalidade.
- Quem o STF pensa que é para passar por cima da legitimidade do Legislativo? - perguntariam alguns.
O STF tem a função, embora não exclusiva (o que é uma pena!), de ser o guardião da Constituição. Esta é uma norma e, portanto, tem o que se chama de força normativa e se impõe a tudo o que o Legislativo, Executivo e Judiciário fazem. É fundamento de validade de suas atuações.
Embora
não confiemos tanto na Jurisdição Constitucional de nosso país por
motivos "políticos", que afetam as escolhas de seus integrantes, ela faz
parte do jogo democrático. É uma pena que as democracias recentes, que é
o nosso caso - afinal saímos há pouco tempo de um regime autoritário -
ainda possuam um sistema defeituoso. Paulo Bonavides já falava da crise de legitimidade da jurisdição constitucional e as coisas vão de mal a pior.
Assim acontece com as "ditaduras constitucionais" de algumas repúblicas latino-americanas, das quais o exemplo mais atual, frisante e ilustrativo é o Brasil na presente conjunção. Por onde se infere que neste país, o Poder Executivo busca fazer o controle de constitucionalidade se exercitar cada vez mais no interesse do grupo governante e cada vez menos no interesse da ordem constitucional propriamente dita, de que é guarda o Poder Judiciário.
Eu
diria, entretanto, que nesses assuntos menos afetos ao governo em si o
STF seja menos influenciado por suas nuances político-governistas e mais
por sua "leitura moral" da Constituição.
A maioria não vale de nada se o que se pretende impor vai de encontro aos elementos constitutivos essenciais e fundamentais da "Carta Política". Era o caso de ontem. E ainda bem que os deputados foram sensatos. Ah... Se fosse sempre assim...
A maioria precisa entender que o Estado é Democrático, mas é também de Direito e as bases que o definem estão na Constituição,
da qual somos reféns. É óbvio que escolhemos os nossos representantes
para defender interesses que surgem ao longo do processo de
"desenvolvimento" e mudanças históricas, mas lá no fundo todos devem
reconhecer que o "principio majoritário" deve respeito ao pilar traçado
pela construção de direitos fundamentais, sua historicidade e os acordos
implícitos (nem tão implícitos assim) dos chamados direitos humanos.
A
maioria vai precisar "engolir essa" e muitas outras. Amargurar muitas
derrotas até entender que nem sempre se vence. Desejar vencer em grande
quantidade não basta para tocar em algo que a própria democracia, lá no
comecinho, na Constituinte, decidiu. Das duas uma: ou começamos outra
vez, com o risco de voltarmos à barbárie ou reconhecemos que todos
merecem o mesmo respeito e consideração.
Se a Constituição pudesse falar, talvez ela dissesse um belo: "vocês vão ter que me engolir"!
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