quarta-feira, 1 de julho de 2015

Texto sobre maioridade penal seria inconstitucional e inconvencional

Por razões de proporcionalidade, os menores que praticam crimes violentos deveriam ser punidos com internação superior a três anos (esse é o limite máximo do ECA). Há proposta tramitando no Senado nesse sentido. O risco de inconstitucionalidade é quase zero, se for encontrado um novo limite máximo razoável (6 anos, por exemplo). Na Câmara dos Deputados faltaram cinco votos para a aprovação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) que pretendia reduzir a maioridade penal de 18 para 16 anos em alguns casos de crimes graves. A PEC exige 308 votos favoráveis (3/5 do total de deputados); alcançou 303 votos, contra 184 em sentido contrário e 3 abstenções. O texto colocado em votação era muito ruim, foi pessimamente redigido e era inequivocamente inconstitucional e inconvencional. Se a nossa bíblia é a Constituição e o Direito Internacional vigentes e válidos, eis as razões das inconstitucionalidades e inconvencionalidades da PEC refutada:


1ª) viola o princípio da igualdade: os iguais devem ser tratados igualmente e os desiguais desigualmente. O texto novo mantinha a imputabilidade penal aos 18 anos e abria exceção frente aos menores de 16 a 18 em alguns crimes. Ocorre que em nenhum crime os menores de 18 anos podem ser tratados em pé de igualdade com os maiores de 18 anos. Podem ser punidos penalmente (na Argentina já é assim), porém, nunca igualmente. O tratamento igualitário nivela o menor com o maior e isso viola uma série de normas constitucionais e internacionais. Desde logo, o disposto no art. 227, § 3º, V, da CF brasileira que exige “respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade”. A igualação pretendida na PEC não observa esse dispositivo constitucional, nem tampouco as incontáveis normas internacionais que exigem tratamento diferenciado;

2ª) viola o princípio da tutela específica: nenhum menor no Brasil pode ser processado e punido fora da “legislação tutelar específica”, imposta no art. 227, § 3º, inc. IV, da CF. A PEC pretendia punir alguns menores consoante o Código Penal, com as penas integrais do Código Penal. Esse tratamento repressivo conflita com o princípio referido da tutela específica. Na Argentina o menor de 16 anos é punido penalmente, porém, dentro de um sistema de responsabilidade juvenil que prevê a diminuição ou mesmo a dispensa da pena, conforme o caso;

3ª) viola o princípio da brevidade: a Constituição brasileira exige que as penas para os menores devem ser breves; isso significa suas penas devem ter menor duração que as penas do adulto. Nisso consiste o princípio da brevidade. A PEC rejeitada pretendia que o menor fosse punido com penas iguais às dos adultos (nivelava o menor com o maior). Conflitava com o sistema constitucional vigente, que manda conferir atenção especial aos menores;

4ª) viola o princípio da excepcionalidade: o texto da PEC não previa nenhum sistema punitivo alternativo, nos crimes que indicava, ou seja, adotava a pena de prisão como regra geral para tais crimes, como se a pena de prisão para o menor fosse a “primeira ratio”. Na verdade, essa pena para os menores é excepcional, nos termos do art. 227, § 3º, V. A prisão é a “ultima ratio” quando se pretende punir os menores. Não somos nós que estamos dizendo isso. Quem disse isso foi a CF (obra do Constituinte);

5ª) viola o princípio do juiz natural: o juiz natural para julgar os menores pelos ilícitos cometidos por eles exige a criação de órgãos judiciais especializados, específicos, diferentes daqueles destinados aos maiores. Isso deriva da Convenção sobre os Direitos da Criança (art. 40.3), que contempla “o estabelecimento de leis, procedimentos, autoridades e instituições específicas para as crianças [e adolescentes] de quem se alegue ter infringido as leis penais ou que sejam acusadas ou declaradas culpadas de tê-las infringido” (veja Opinião Consultiva OC 17/2002, da Corte IDH);

Professor
Jurista e professor. Fundador da Rede de Ensino LFG. Diretor-presidente do Instituto Avante Brasil. Foi Promotor de Justiça (1980 a 1983), Juiz de Direito (1983 a 1998) e Advogado (1999 a 2001).

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