Minha História - Ernesto Carlos Dias - 44
Pequeno subversivo
Preso com a mãe pela ditadura, ele foi classificado como revolucionário aos 2 anos de idade
Patrícia Britto
RESUMO Filho de militantes que atuaram contra a ditadura militar, Ernesto Carlos Dias do Nascimento, 44, se tornou vítima do regime ainda criança. Em 1970, aos dois anos de idade, foi preso com a mãe por agentes do Dops. No mês seguinte, foi libertado junto com os 40 presos políticos resgatados em troca do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben. No mesmo ano, seguiu para o exílio, em Cuba, onde viveu por 16 anos.
Nasci em fevereiro de 1968, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Minha mãe, Jovelina Tonello, trabalhava na prefeitura de Osasco e foi demitida durante a licença maternidade por causa da militância do meu pai.
Pequeno subversivo
Preso com a mãe pela ditadura, ele foi classificado como revolucionário aos 2 anos de idade
Patrícia Britto
RESUMO Filho de militantes que atuaram contra a ditadura militar, Ernesto Carlos Dias do Nascimento, 44, se tornou vítima do regime ainda criança. Em 1970, aos dois anos de idade, foi preso com a mãe por agentes do Dops. No mês seguinte, foi libertado junto com os 40 presos políticos resgatados em troca do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben. No mesmo ano, seguiu para o exílio, em Cuba, onde viveu por 16 anos.
Nasci em fevereiro de 1968, no bairro da Liberdade, em São Paulo. Minha mãe, Jovelina Tonello, trabalhava na prefeitura de Osasco e foi demitida durante a licença maternidade por causa da militância do meu pai.
Ele, Manoel Dias do Nascimento, era líder sindical. Em 1968, teve a prisão decretada e entrou na clandestinidade.
Meu pai já
era do Partido Comunista Brasileiro, e virou um dos fundadores da VPR
(Vanguarda Popular Revolucionária), liderada pelo Carlos Lamarca.
Quando meu
pai decide ir para a luta armada, minha avó resolve ir também. Ela fica
com o Lamarca no vale do Ribeira, no sul do Estado, com três filhos
adotivos para simular uma família normal na casa, que chamavam de
"aparelho". Ela também ajudava o movimento costurando roupas para os
militantes.
Meu pai fica
organizando a guerrilha na capital. No dia 19 de maio de 1970, ele foi
preso, quando estava no "ponto" para passar informações aos
companheiros. Eu fui preso com minha mãe mais tarde, no mesmo dia, em
nossa casa na Vila Formosa.
A gente vai
para a Operação Bandeirantes, depois para o Dops (Departamento de Ordem
Política e Social) e para a ala feminina do presídio Tiradentes. Eu só
tinha dois anos de idade, mas já tinha carteirinha de subversivo.
Eu vi meus
pais serem torturados e sei que também apanhei. Fui usado para ameaçarem
meu pai. Isso está registrado em depoimentos.
Não tenho lembranças, só traumas. Meus pais não conversam sobre isso. Só soube dos detalhes quando voltei ao Brasil, em 1986.
Minha mãe foi várias vezes na Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo buscar documentos.
Nesse vai e
volta, apareceu minha ficha num álbum do Dops de "terroristas e
subversivos". Tem uma foto minha, aos dois anos, e está escrito que sou
"subversivo".
Minha avó
também tinha sido presa. Meus irmãos de criação, que estavam com ela,
foram para o juizado de menores. Não sei por que eu não fiquei com eles.
É isso que eu quero saber, o que se passou nesses 28 dias de escuridão
na minha vida.
RESGATE
Saí da prisão
com a minha vó. Ela estava na lista dos 40 presos políticos libertados
em troca do embaixador alemão Ehrenfried von Holleben, que tinha sido
sequestrado.
Nós saímos no
mesmo resgate em que foram libertados o Fernando Gabeira, o Carlos Minc
e outros companheiros, em 16 de junho de 1970.
Tiramos uma
fotografia antes de embarcar para o exílio na Argélia. Eu e meus irmãos
somos essas crianças que estão na foto. Não tenho nenhuma lembrança
desse dia.
Ficamos um
mês na Argélia e no dia 27 de julho de 1970 chegamos em Cuba. O objetivo
era chegar no dia anterior, em comemoração ao aniversário da revolução
cubana, mas por causa do mal tempo, partimos no dia seguinte.
Meus pais
ainda ficaram presos aqui. Eles só foram resgatados no sequestro do
embaixador suíço Giovanni Bücher, e foram para o exílio no Chile, junto
com o frei Betto e o frei Tito.
Minha
primeira lembrança é aos quatro anos de idade, quando eu morava em Cuba.
Eu tinha muito medo de policiais, e minha tia Damaris, que morou com a
gente no exílio, deu um brinquedo para um policial me entregar. Ele me
deu um carrinho de corrida, brincou comigo, me botou em cima de uma
motocicleta, e eu adorei. Quando ele foi embora, eu vi que era um
policial. Essa é a minha primeira memória.
Só voltei
para o Brasil definitivamente em janeiro de 1986. "Yo soy cubano, yo no
soy brasileño" [eu sou cubano, eu não sou brasileiro]. A mim foi negada
toda minha cultura, meus direitos civis.
Hoje os meus
quatro filhos estudam essa história e veem a minha foto nos livros. Só
que não fui só eu. Foram centenas de crianças que passaram coisas
parecidas, dentro e fora dos cárceres.
Eu quero que
levantem todas essas questões. Nós temos muitas crianças -que nem são
mais crianças, alguns já estão na idade de se aposentar- que viveram
essa escuridão.
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