quarta-feira, 2 de março de 2011

Xô prostitutas!

De Eduardo Varandas


"Acho que há muita hipocrisia e um pouco de medo"

Bruna Surfistinha



Algumas pessoas têm procurado o Ministério Público do Trabalho para solicitar a retirada das prostitutas da orla de Manaíra. Os argumentos utilizados vão desde prejuízo à imagem turística desta cidade até danos financeiros aos hotéis que se situam na zona de prostituição da beira-mar.

É curioso registrar que ninguém postulou a erradicação da zona de prostituição na rua da Areia, tradicionalíssima em João Pessoa pela useira e vezeira prática do meretrício.

Talvez nossa mensagem à sociedade tenha sido confundida. A luta do Ministério Público é contra os delitos ligados à exploração do trabalho sexual de crianças, adolescentes e adultos. Isto é, combatemos o que a lei brasileira define como crimes: práticas sexuais exploratórias ou abusivas ligadas à criança e ao adolescente (arts. 241, 241-A, 241-B, 241-C e 244-A do Estatuto da Criança e do Adolescente) e, quanto ao adulto, apenas na hipóteses de favorecimento à prostituição (art. 228, Cód. Penal), tráfico (arts. 231 e 231-A, idem) e rufianismo (Art. 230, ibidem) . É bom esclarecer que, nestes casos, os criminosos não são as prostitutas, mas sim os malditos répteis que exploram a prostituição.

Também é bom lembrar que a auto-prostituição de adultos, no Brasil, não é crime. Reconhecemos que é um trabalho perigoso, insalubre e penoso, como tantos outros, mas não é ilícito.

O Ministério do Trabalho e Emprego, na classificação brasileira de ocupações – CBO -, já descreveu o mister de prostituta (Profissão Nº 5198-05), aconselhando o uso de EPIs (neste caso: os preservativos), o domínio de outra língua e uma série de técnicas para prestar melhor os serviços.

Pessoalmente, sou contra a prostituição como meio de sobrevivência. Acho-a, sem crises moralistas, indigna a qualquer ser humano. Para mim, sexo não existe sem afeto. Sou cristão e creio que o corpo humano é o templo do Espírito. Agora, minha posição pessoal não se confunde com a defesa da legalidade e, muito menos, com o discurso hipócrita e infértil de inúmeros segmentos da sociedade civil organizada.

Vamos aos fatos: o Brasil remunera melhor a prostituta do que a professora. O país ainda mantém em sua estrutura déficits sociais imensos: desemprego, fome, miséria, violência endêmica e toda sorte de mazelas que o equiparam, em alguns indicadores, aos mais precários países da África. Como impedir que pessoas, na maioria de vezes, sem chance de escolha de outra atividade, sobrevivam através da única possibilidade de trabalho que o destino lhes rendeu: a venda do corpo?

Reconheço que a orla de Manaíra deve ser inspecionada com frequência pelo Poder Público. Não há de ser permitida, em hipótese alguma, a permanência de crianças e adolescentes naquele lugar. Também deve ser investigado se existem crimes ligados ao favorecimento ou exploração da prostituição e, se assim for, que se abram inquéritos policiais, que se denunciem à Justiça e que venham as condenações espartanas. Agora, “retirar” as prostitutas da praia para colocá-las fora do campo de visão da classe média/alta da sociedade decadente e ridícula não resolve problema algum! Isto seria uma postura mesquinha, higienista e nada contribuiria para a dignidade do ser humano, principio fundamental da nossa República.

Outrossim, caso a auto-prostituição fosse crime, teríamos também que caçar as prostitutas de luxo que repletam as colunas sociais e que vendem seus corpos para granjear maridos ricos ou presentes suntuosos. Estas são ovacionadas pela sociedade energúmena, frequentam os restaurantes da moda e, aos domingos, estão nos cultos e missas, travestidas das mais santas das beatas. Ao meu ver, estas são menos dignas do que as cortesãs que trabalham em Manaíra.

Todo mundo sabe que o verdadeiro combate à prostituição, como trabalho indigno, está na educação e em programas de geração de emprego e renda, diferentes de políticas assistencialistas, viciantes e eleitoreiras como o “bolsa-esmola” (rectius: bolsa-família). Enquanto isto não acontece e, pelo visto, demorará a acontecer, a alta estirpe paraibana, moralista e vazia, terá que conviver com a prostituição que, aliás, segundo alguns, é o ofício mais antigo da história da humanidade.

Neste ponto, a política brasileira é a pior de todas. Não criminaliza a prostituição, mesmo porque seria impossível, mas também não a regulamenta. Isso faz com que os profissionais do sexo fiquem completamente alheios à proteção do Estado, seja para fins trabalhistas ou previdenciários, quando, em alguns casos, as próprias autoridades públicas se utilizam dos prazeres pagos provenientes do trabalho sexual alheio. Quanta incoerência!

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