Por Edivaldo Dias Oliveira
Do Direto do Rio / iG
Morreu, aos 102 anos, Beatriz Bandeira, a última sobrevivente da
famosa cela 4 – onde foram presas, na Casa de Detenção, no Rio de
Janeiro, então Distrito Federal, as poucas mulheres que participaram da
revolta comunista de 1935 no Brasil.
Foi na cela 4 que ficaram confinadas Olga Benário (esposa do líder da
intentona, Luiz Carlos Prestes), a futura psicanalista Nise da
Silveira, a advogada Maria Werneck de Castro e as jornalistas Eneida de
Moraes e Eugênia Álvaro Moreyra.
Por conta dessa passagem, Beatriz virou
personagem de livros como “Memórias do Cárcere”, o relato biográfico de
Graciliano Ramos, que também esteve preso por causa da revolta.
Pouco antes, como militante comunista e da Aliança
Nacional Libertadora (ANL), Beatriz conheceu seu marido, Raul, que viria
a ser jornalista e secretário de Imprensa do governo João Goulart
(1961-1964). Com ele se casou três vezes.
Os dois foram exilados duas vezes. Em 1936, depois da libertação,
foram expulsos para o Uruguai. Em 1964, após o golpe militar, receberam
abrigo na Iugoslávia e, posteriormente, na França.
Ao regressar ao Brasil, Beatriz continuou a militância política nos
anos 70 e 80. Foi uma das fundadoras do Movimento Feminino pela Anistia e
Liberdades Democráticas, que lutou pelo fim da ditadura no País.
Beatriz nasceu em uma família positivista. Seu pai, o coronel do
exército Alípio Bandeira, foi abolicionista. Como militar, trabalhou no
Serviço de Proteção ao Índio (SPI) e ajudou o Marechal Cândido Rondon na
instalação de linhas telegráficas no interior do País e no contato com
tribos isoladas – Alípio liderou o encontro com os Waimiri Atroari em
1911, por exemplo.
Além de militante política, Beatriz foi poeta (publicou “Roteiro” e
“Profissão de Fé”) e professora (foi demitida pelo regime militar da
cadeira de Técnica Vocal do Conservatório Nacional de Teatro). Também
escreveu crônicas e colaborou para o jornal A Manhã e as revistas
Leitura e Momento Feminino. Há dez anos ela contou um pouco de sua história em uma entrevista à TV Câmara.
Beatriz morreu na noite de segunda (dia 2) após um AVC. Foi enterrada
no final da tarde de hoje (dia 3) no Cemitério São João Batista, em
Botafogo.
Uma nota pessoal
Beatriz Bandeira Ryff era minha avó. Nos últimos anos de sua vida
centenária a senilidade tinha lhe tirado totalmente a visão. Ela quase
não falava e mal se comunicava com o mundo.
Há uns dez dias, fui visitá-la levado pelo meu filho de 8 anos que
queria dar um beijo na “bisa”. Encontramos ela mais presente do que em
todas as visitas nos anos anteriores. Chegou a cantarolar algumas
músicas que costumava embalar o sono dos netos quando pequenos, como os
hinos revolucionários “Internacional”, “A Marselhesa” (embora ela também
cantasse obras não políticas, entre elas a “Berceuse”, de Brahms).
Ao me despedir, perguntei-lhe se lembrava o trecho do poema “Canção
do Tamoio”, de Gonçalves Dias, que ela costumava recitar. Ela assentiu
levemente com a cabeça e começou, puxando do fundo da memória. Foram
suas últimas palavras para mim.
“Não chores, meu filho;Não chores, que a vidaÉ luta renhida:Viver é
lutar.A vida é combateQue os fracos abate,Que os fortes, os bravos,Só
pode exaltar.”(“Canção do Tamoio”, Gonçalves Dias)
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