Em 1721, o célebre político, filósofo e escritor francês barão de Montesquieu publicou um romance epistolar chamado Cartas Persas.
É uma troca de cartas entre personagens persas que viajam pelo
Ocidente. Numa dessas cartas, Montesquieu traça um retrato primoroso do
amor à francesa, em contraposição aos costumes muçulmanos. Ao ler o
livro, Camila Nogueira, minha caçula, teve a idéia de selecionar frases
de Montesquieu que fazem rir e pensar, e que têm uma atualidade
extraordinária. Clap, clap, clap para Montesquieu, e para Camila.
Os franceses quase nunca falam de suas mulheres; é que receiam
tratar delas diante de homens que podem conhecê-las melhor do que eles
próprios.
Há aqui alguns homens muito infelizes, que ninguém
consola: são os maridos ciumentos. Há pessoas a quem todos detestam: os
maridos ciumentos. E, finalmente, há indivíduos que todos desprezam: os
maridos ciumentos. Por isso mesmo, não há país em que eles sejam em
números tão pequenos quanto a França.
A tranquilidade dos maridos não se funda, porém, numa
confiança que acaso tenham na virtude de suas mulheres, mas, ao
contrário, na má opinião que formam a seu respeito. Na França, os
maridos aceitam sua má sorte de bom grado, e consideram as infidelidades
como uma sina inescapável. Um marido que pretendesse ser o único a
possuir sua mulher seria tido como um perturbador da alegria pública,
como um insensato que almejasse gozar da luz do sol em detrimento dos
outros homens.
Na França, um marido que ama a esposa é alguém que não tem mérito
o suficiente para conseguir o amor de outra mulher; que abusa do
império da lei para suprir sua própria falta de encantos; que se aferra a
suas vantagens pessoais prejudicando a sociedade inteira; que efetua
uma apropriação indébita do que só lhe foi confiado em depósito, e usa
de todas as forças para destruir a convenção tácita que assegura a
felicidade dos dois sexos. O título de marido de mulher bonita, que na
Ásia ocultamos com tanto cuidado, aqui se exibe sem maior preocupação:
cada um se sente capaz de fazer as incursões que quiser em território
alheio.
Não se desaprova na Europa o homem que costuma tolerar as infidelidades de sua mulher; ao contrário, louva-se sua prudência.
Não é que não haja damas virtuosas na França. Há. Mas são, todas, tão feias que só um santo não odiaria a virtude delas.
Quando os franceses prometem a uma mulher amá-la sempre, supõem
que ela também lhes esteja prometendo sempre merecer ser amada; se ela
falta à palavra, não se sentem obrigados a respeitar a sua.
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