'A
UE é a única a inventar a maneira de se unir mantendo o respeito às
diferenças e que tem aprendido a superar seus egoísmos nacionais. Cabe a
ela tomar a palavra', escreve Calame.
Por Pierre Calame
Deixamos o Rio de Janeiro com o terrível mal estar de um planeta ferido.
Foram mobilizadas dezenas de milhares de pessoas e quase uma centena de
chefes de Estado para adotar um texto de 50 páginas do tipo “pegar ou
largar”, que balbucia engajamentos já assumidos há muito tempo, porém
não mantidos! Em todos os sentidos do termo, a missa foi rezada. Mas
está fora de questão assumir nossas interdependências! Não pode haver
direito de fiscalização de um Estado pelo outro! Cada um é dono de seu
próprio nariz! E a participação da sociedade civil? Depois de meses
tentando, sem sucesso, inserir propostas no texto oficial, o “stakeholder forum”, que representa diversos atores atuantes na ONU, denunciou publicamente o baile de máscaras.
A União Europeia, pressionada a aceitar o texto apresentado pelo
ministro brasileiro das Relações Exteriores, se rendeu após disparar
alguns tiros ao ar por orgulho. Rendeu-se, sim, mas atenção: permaneceu
unida! Consenso. Todos estavam de acordo.
Os especialistas em negociação internacional introduziram no texto
alguns avanços: algumas palavras suplementares sobre a governança
integrada dos oceanos, um fórum de atores que se transformará em um
fórum de alto nível, algumas promessas vagas sobre o reforço do PNUMA
(Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente), o engajamento para
elaborar objetivos relacionados ao desenvolvimento. O negociador
brasileiro compartilhou a seguinte confidência comovente: nós recuamos
menos do que temíamos recuar! Ou seja, não se trata mais de um
engajamento para a grande transição. Estamos em uma Batalha de Verdun.
A declaração multiplica os chamados às coletividades territoriais.
Excelente! Mas, neste contexto, foi mais uma constatação de falência: os
Estados, incapazes de conduzir uma mudança urgente, devolvem a chave da
cidade planetária. A Rio+20 foi a comprovação da falência de uma ordem
mundial intergovernamental reduzida à diplomacia: a presidenta
brasileira orientou seu ministro das Relações Exteriores a conduzir as
negociações com outros ministros das Relações Exteriores. Não eram
ministros de assuntos mundiais ou de assuntos comuns planetários! Somos
“nós” enfrentando o “resto do mundo”. O planeta não é uma questão a ser
discutida, mas um campo de batalha de vontades de poder.
Será, então, que os “interesses nacionais” existem de fato em
essência ou não seriam eles construídos em função desta instituição
chamada Estado nação? Seriam eles diferentes em relação a todos os
outros? Evidentemente não. A própria maneira de organizar o diálogo
internacional predetermina o resultado. Não existe, em nível mundial,
nenhum organismo encarregado de “falar do interesse geral” como é o caso
da Comissão Europeia, que fala pela Europa. O projeto de declaração foi
apenas o fruto de uma síntese de propostas nacionais. Resultado: a
produção de uma reafirmação, página após página, da soberania nacional e
um catálogo de boas intenções, cuja prática dependerá de engajamentos
voluntários.
Outro modo de negociação, por exemplo, por meio de uma assembleia
mundial de cidadãos a representar diferentes forças sociais e
encarregada de elaborar propostas sujeitas à deliberação dos Estados,
traria um resultado muito diferente. A contradição entre o nível de
nossas interdependências e o modo de gestão baseado no mercado se tornou
explosiva. Em vinte anos, os equilíbrios dos quais nossa sobrevivência
depende não pararam de se degradar. Nossa governança mundial se tornou o
mais grave de todos os riscos para a sobrevivência da humanidade.
Ocorreu no Rio de Janeiro uma Munique ecológica mundial: os chefes de
Estado retornaram às suas casas, aliviados pelo consenso encontrado. Mas
quantos ainda terão que resmungar “que imbecis”, como fez Daladier ao voltar do Acordo de Munique feito com Hitler, quando foi aclamado pelo povo, diante do resultado obtido?*
E agora? Será preciso tomar iniciativas que desagradam. Avançar com
aqueles que quiserem avançar. Abandonar a ideia de que um comércio
mundial livre e sem condicionantes sociais e ambientais vai garantir a
paz. Se alguma paz houver, será como aquela de Munique, uma paz que
prepara a futura guerra. Comecemos por admitir que todos os atores,
sejam públicos ou privados, devem prestar contas para a comunidade
mundial do impacto de seus atos, uma vez que este impacto ultrapassa as
fronteiras nacionais, e construamos, sobre esse princípio, um direito
internacional. Coloquemos em prática um comércio internacional baseado
em cadeias de produção e consumo sustentáveis e iniciemos um debate
internacional sobre o novo modelo de economia. A União Europeia,
apresentada atualmente como o corpo doente da globalização, é a única
que vem inventando a maneira de se unir mantendo o respeito às
diferenças e que tem aprendido a superar de modo pacífico seus egoísmos
nacionais. Cabe a ela tomar a palavra e, feita a reflexão, recusar uma
Munique ecológica mundial. E a França se orgulhará de desempenhar um
papel de protagonista neste processo.
Pierre Calame é presidente da Fundação Charles Mayer para o Progresso do Homem, com sede na França.
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