O despertador hoje me acordou estranhamente 15
minutos antes do combinado, me deu bom dia, perguntou duas vezes se
estava bem e ainda me pediu um favor.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
quarta-feira, 29 de agosto de 2012
sexta-feira, 24 de agosto de 2012
Porões da ditadura: Sítio da tortura esconde cenário horripilante
Na zona sul de São Paulo um sítio isolado guarda, esquecido, histórias de terror que podem ser a chave para entender um dos pontos mais obscuros da ditadura – os centros clandestinos de tortura. E a assombrosa colaboração civil
“Você
está em poder do braço clandestino da repressão. Ninguém pode te tirar
daqui”, é o que você ouve quando chega no sítio, depois de mais de uma
hora metido no banco de trás do fusquinha com um capuz quente na cabeça, e a cabeça entre as pernas.
Você foi apanhado na Avenida Brigadeiro Luis Antônio, uma das mais movimentadas de São Paulo. Te enfiaram dentro do carro, dois homens grandes,
meteram o capuz. Então você é todo ouvidos e corpo, e cada balanço ou
ruído vai se gravando na sua mente tão vivo que você se lembrará deles
para o resto da vida.
Minutos depois, pegam a estrada. Tráfego intenso. Saem da cidade,
estradinha de terra, passa um trem, devagar. Quando o carro finalmente
estaciona, você ouve a frase de boas-vindas e, apavorado, consegue memorizar o chão de cimento,
por onde é empurrado antes de ser arremessado por escada que leva a um
lugar subterrâneo. Os seus algozes chamam aquilo de “buraco”, com razão.
Não tijolos, nem paredes, o calor é forteç cada vez que você apalpa à
volta, caem blocos de terra molhada. O chão é lodoso. Seu cativeiro é
úmido e infinito.
Quando te tiram a roupa – você vai ficar assim por muito tempo. Primeiro: o pau-de-arara.
Trata-se de um invento simples, bem brasileiro. Uma barra de ferro
apoiada sobre cavaletes, onde te penduram enrolado, pesando sobre os
braços e pernas. Eles te batem, te chutam, dão choque elétricos; nada de
maquininha de Tio Sam, são fios desencapados que chegam diretamente no
sovaco, na barriga, na boca.
Se divertem com isso, assim como se divertiram desde sempre aqueles que têm o poder de torturar.
Quando você fraqueja, te levam a outra sala – piso de taco – onde
perguntam tudo o que sabe, que atordoado você tenta esconder. Eles não
vão te deixar em paz.
Você se pergunta: por que está ali? É 1975. Já se passaram dez anos
desde o golpe militar no Brasil. O novo governo dos milicos (general Ernesto Geisel) prometia uma volta pacífica à democracia, com um governo civil.
Depois de prender centenas de opositores, mandar milhares para o
exílio e exterminar os grupos de resistência armada, a ditadura começava
a querer ser vista como “ditabranda”. É claro que você não acreditava,
mas estava em todos os jornais. De qualquer forma, você era conhecido
publicamente, não devia temer. Jamais se envolveu na luta armada; advogado, comunista do Partidão (PCB),
foi vereador e deputado federal, você sempre acreditou na política.
Pela sua atuação, já havia sido preso. Mas torturado, jamais. Até o dia 1
de outubro de 1975.
Você
já tinha ouvido falar nesse tipo de lugar. O chachoalhar do carro rumo à
zona rural só confirmou que você iria sofrer mais – que iria morrer.
Não estavam te levando para uma delegacia, onde bem ou mal alguém
poderia te ver e lembrar de você. Estava caindo nos braços clandestinos do horrendo regime militar.
Existiam dezenas de lugares como esse. Eram os centros clandestinos
de tortura. Ao mesmo tempo em que o governo militar começava a falar em
abertura, os milicos e policiais civis usaram esses lugares para seguir
com seu velho método de fazer as coisas. Em meados da década de 70, o
governo falava em acabar com as torturas, e os “teatrinhos”
foram banidos: aquelas cenas de falso tiroteio armadas para encobrir a
morte de gente que fora na verdade morta sob tortura (era assim que os
policias chamavam a encenação descarada).
Nos centros clandestinos, torturava-se em segredo, e não raro se sumia com os corpos. Muitos dos desaparecidos da ditadura brasileira passaram por eles.
Ali, fora do aparato oficial, podia-se massacrar ao ar livre. No seu
caso, a tortura usava o que o sítio tinha a oferecer: as árvores, o
açude, os dois lagos.
Segundo: a sufocação. Eles te levam para um córrego raso, com pedras
no fundo. Ali, soltam água de uma espécie de reservatório e você é
jogado para baixo, ralando nas pedras as feridas do corpo. Terceiro: a
“piscina”, como eles chamam, na verdade um poço lamacento onde te afogam
segurando sua cabeça. Quarto: a árvore. Pendurado pelos pés, você
recebe socos, choque elétricos. Um químico é jogado sobre seu corpo,
arde. Seus gritos se misturam ao de outras pessoas, que você ouve
estarem sendo torturadas – homens, mulheres.
Um dia, te tiram dali, apressadamente. Dizem que seu sumiço foi
denunciado no congresso nacional e na assembléia do Rio de Janeiro. Vão
ter que te liberar. Seu martírio acaba numa casa, na periferia de uma
cidade. Um médico o visita diariamente, para assegurar que você estará
“apresentável” quando for solto.
No dia 22 de outubro de 1975,
finalmente você tira o capuz.
O seu nome é Affonso Celso Nogueira Monteiro. Em 2011, aos 89 anos,
os olhos ainda ficarão opacos quando lembrar daqueles dias e o seu
corpo, envelhecido, guardará ainda todas as marcas. Você é o único
prisioneiro que saiu com vida da Fazenda 31 de Março – nome do sítio
clandestino de tortura, uma homenagem à data do golpe militar de 1964.
Quarenta anos depois, a fazenda continuará lá, com a mesma cara,
esquecida pelo tempo, escondida numa estrada de terra no bairro de
Parelheiros, na zona sul de São Paulo, bem na divisa com Itanhaém e
Embu-Guaçu.
Muitos não tiveram a mesma sorte. Antônio Bicalho Lana e sua
companheira Sônia Moraes, ambos da guerrilha Ação Libertadora Nacional
(ALN), foram assassinados no sítio em 1973. Depois, foram levados até o
bairro de Santo Amaro, onde se encenou um tiroteio – mais um dos
“teatrinhos”. Foram enterrados em vala comum. Ali também mataram o líder
estudantil Antonio Benetazzo, em 1972, preso na Vila Carrão, norte de
São Paulo. A versão oficial, veja, é depois de preso ele teria se jogado
sob as rodas de um caminhão. Foi enterrado como indigente.
Fagundes, o “pacificador”
O
sítio 31 de março é a prova de que existia uma rede de locais
clandestinos de tortura no Brasil nos anos 70. Mas, como grande parte da
história da ditadura militar brasileira, jamais se investigou como e
quando foram usados.
No Brasil, diferente de países vizinhos como Chile e Argentina,
jamais um único militar foi punido pela tortura sistemática adotada pela
ditadura. Naqueles países, lugares como esse viraram museus, memoriais
às vítimas, marcos históricos para que o passado não volte.
Os sítios da tortura só eram possíveis por causa do apoio de civis,
gente endinheirada que apoiava a ditadura e emprestava seu imóveis para a
repressão. Nenhum deles jamais foi levado à justiça.
O “dono” do sítio 31 de Março era um empresário mineiro, Joaquim Rodrigues Fagundes.
Acusado de grileiro, ele se apossou da terra nos primeiros anos da
década de 70. Chegou tocando o terror: junto com capangas, exibiam armas
de uso exclusivo das Forças Armadas, invadiam a casa de moradores,
chegaram a surrar um deles para que “desse o fora”, como se dizia na
época.
Fagundes se gabava de ser amigo do “pessoal do Doi-Codi”,
a central militar que comandava a repressão. Seu caseiro na época,
Alcides de Souza, reconheceu que ele emprestava o sítio para os milicos
fazerem treinamento. “Tem vez que chegam aqui dois mil homens – acampam,
correm pra cá, pra lá, dão tiros, cortam a mata”, disse.
Fagundes era dono da Transportes Rimet Ltd, na Moóca. Sua empresa não
fazia muita coisa. Tinha um único cliente, a estatal Telesp –
Telecomunicações de São Paulo, que na época controlada pelos militares
do governo paulista. Ali na Moóca, era sempre visto acompanhado pelos
bravos amigos de farda, como o coronel Erasmo Dias, conhecido por tere
invadido a universidade católica (PUC) e metido ferro nos estudantes.
Ele mesmo ia uma vez por semana até a sede do Doi-Codi, na rua Tutóia.
“Ele tinha autoridade, andava com os milicos”, lembram os vizinhos.
Quando
não tinha ninguém gemendo ou sufocando, a turminha de Fagundes usava o
sítio para churrascos e almoços festivos. Vinham nomes como mesmo Erasmo
Dias, bem como o Coronel Brilhante Ustra, cujo comando
do Doi-Codi foi marcado por mais de 500 denúncias de tortura, e o
delegado da policia civil Sérgio Paranhos Fleury, que comandava
esquadrões das morte antes da diutadura, e o massacre dos opositores
depois. Só a nata da repressão. “O Fleury era amigão da gente” lembra Alcides, o caseiro.
A ajuda de Fagundes foi reconhecida. Em 30 de junho de 1977, recebeu a
Ordem do Mérito do Pacificador, por “serviços prestado ao país”. O
mineiro tinha tanto orgulho da sua ligação com o exército que, logo
abaixo da placa com o nome da fazenda 31 de Março colocou outra,
dizendo: “proprietário: pacificador Fagundes”.
Jamais foi militar, jamais teve um cargo oficial. E jamais foi chamado a prestar contas pela sua atuação.
Pelo contrário. Em 1984, recebeu uma comenda do Exército,
tornando-se, oficialmente, “comendador”, título que consta ainda hoje na
sua lápide no Cemitério da Quarta Parada, zona leste de São Paulo. O
país agradece.
Por Natalia Viana, da Pública, com Tony Chastinet e Luiz Malavolta
segunda-feira, 20 de agosto de 2012
“Temos que retomar a luta”
Eduardo Sales de Lima,
da Redação
“Na
lei ou na marra”. Este era um dos principais lemas em coro pelos 1.500
trabalhadores e delegados das Ligas Camponesas do Brasil reunidos no
Congresso Camponês, ocorrido em Belo Horizonte (MG), em novembro de
1961.
O encontro contava com o apoio do então
presidente João Goulart, e marcava um momento histórico na luta contra o
latifúndio e pelos direitos dos trabalhadores camponeses no país.
A
origem das Ligas Camponesas remonta às antigas Ligas da década de 1930,
originárias da ação do Partido Comunista do Brasil no campo. A
refundação dessas organizações na década de 1950 alcançou diversos
estados brasileiros. Embora não tão articuladas politicamente, suas
ações se guiavam, em sua maioria, por um viés progressista. Essa
refundação pode ser simbolizada, sobretudo, a partir de 1954, quando na
cidade de Vitória de Santo Antão (PE), formava-se um dos embriões das
Ligas Camponesas, a Sociedade Agrícola e Pecuária de Plantadores de
Pernambuco (SAPPP).
No engenho Galileia
trabalhavam cerca de 140 famílias de camponeses em regime de foro: em
troca de cultivar a terra, deviam pagar uma quantidade fixa em espécie
ao proprietário da terra. Após uma desavença política entre as partes,
os camponeses encontraram apoio em Francisco Julião.
A
associação se institucionalizou e passou a funcionar legalmente a
partir de janeiro de 1955. Forças políticas de direita e a imprensa não
demoraram em alcunhar a SAPPP de “liga”, fazendo relação aos movimentos
da década de 1940.
Em 1959, a SAPPP conseguiu a
desapropriação do engenho. A vitória dos pernambucanos estimulou a luta
pela reforma agrária em todo o país e já no início da década de 1960, as
ligas se espalhavam por 13 estados brasileiros.
Porém,
com a instalação do regime militar em 1964, a reforma agrária não foi
implementada, pois as principais lideranças das ligas foram presas e o
movimento dissipou-se. Testemunha e ator de toda essa história é o
baiano Clodomir dos Santos Morais, que foi assessor das Ligas Camponesas
e teve contato com dirigentes como Francisco Julião, Adauto Freire,
João Pedro e Elizabeth Teixeira.
Clodomir também
foi deputado estadual de Pernambuco eleito pelo Partido Comunista
Brasileiro (PCB) em conjunto com a legenda do Partido Trabalhista
Brasileiro (PTB), de 1955 a 1959.
Dois anos
preso, entre 1962/65, Clodomir chegou a dividir a cela com o educador
Paulo Freire. Com os direitos políticos cassados por uma década, foi
expulso do país, permanecendo exilado por mais 15 anos.
Durante
esse período, foi conselheiro regional da ONU para a América Latina em
assuntos da reforma agrária e desenvolvimento rural. Dirigiu projetos de
capacitação e organização em Honduras, México, Nicarágua e Portugal.
Foi professor nas universidades de Rostock e Berlim, na Alemanha; e em Wisconsin, nos Estados Unidos.
Possui
duas dezenas de livros sobre a questão da terra. Seu acúmulo prático
construído na ação dentro das Ligas Camponesas e sua consciência
teórica, notadamente, contribuem, há anos, para que os movimentos
camponeses contemporâneos organizem, de modo mais eficaz, a luta pela
reforma agrária. As primeiras edições da sua cartilha Elementos de
Teoria da Organização foram feitas Movimento dos Trabalhadores Rurais
Sem Terra (MST), por meio do Caderno de Formação nº 11.
Brasil de Fato – Qual o primeiro desafio das Ligas? A institucionalização das primeiras organizações?
Clodomir Morais - Foto: Reprodução |
Clodomir Morais –
O Código Civil é a lei que a burguesia respeita. O Código Civil foi
feito por ela. E aprovado em 1918. Então ela respeita, não rasga.
Porque, se rasga, eles mesmos são afetados, eles mesmos perdem seus
direitos. Então a gente estava perdendo tempo querendo resolver nossas
questões com o Ministério do Trabalho [se referindo à legalização das
primeiras organizações camponesas na década de 1950]. O Código
Trabalhista não era para isso. E começamos as Ligas Camponesas por aí. A
partir daí elas iriam longe.
Tínhamos uma
burguesia que acreditava nos slogans das Ligas Camponesas. Grande parte
eram burgueses com dinheiro, a começar por Jânio Quadros, que foi nosso
grande amigo.
A fragmentação política era uma das características desse movimento camponês?
Não
eram tão fragmentadas. As Ligas eram o braço direito, ou esquerdo, se
quiser, do próprio Partido Comunista. E eu também era comunista.
Meteram-se até na luta armada para defender o sistema democrático que
estava ameaçado, quando do suicídio de [Getúlio] Vargas.
Qual era grau de tensão política entre os dirigentes das Ligas, desde a morte de Vargas até o golpe militar de 1964?
Veio
o Café Filho [sucessor de Vargas], e esperávamos o golpe. Assim como
com Juscelino Kubitschek. Até chegar em 1964. Tudo mundo sentia que se
aproximava [o golpe].
Lamentavelmente, as
direções do PC dos estados, fora Pernambuco, não viam isso. Achavam que
deviam participar de alguma forma das fileiras do Estado, para
legalmente reivindicar as coisas. Legalmente não se reivindica nada.
O
pessoal não acreditava, achava que a gente era aventureiro. Estávamos
vendo a hora de os EUA invadirem Cuba, e realmente invadiram, em 1961.
Entretanto, apoiamos Cuba sem precisar de nenhuma ajuda material desse
país.
Hoje temos um parlamento em que 60% é
composto por latifundiários. Os maiores latifundiários do continente
estão lá dentro. Um deles chegou a ser governador do Mato Grosso [Blairo
Maggi], que possui um milhão de hectares de terras da Amazônia.
De
modo que foi uma ilusão dos camaradas do Partido Comunista que, afinal
de contas, nunca quiseram discutir [o atrelamento ao Estado, o
legalismo].
E como foi o Congresso de 1961?
Eles
realizaram um congresso em que as Ligas participaram e virou totalmente
a cara dele. Buscaram fazer um congresso para disciplinar o
arrendamento de terras. Nós não estávamos pensando em arrendamento, mas
numa reforma agrária, mesmo como uma bandeira de revolução burguesa. E a
própria burguesia nos apoiava.
O PC armou as Ligas na iminência do Golpe de 1964?
Os
que dirigiam as Ligas eram comunistas. O PC apoiava o general [Henrique
Teixeira] Lott. Boa parte estava comprometida com a eleição dele, e não
queria que o movimento das Ligas atrapalhasse. Mas os comunistas das
Ligas de Pernambuco criaram um Comitê que cuidou do apoio à Cuba. Mas é
evidente que setores se armaram.
Logo após o
golpe militar, as Ligas ocuparam a cidade de Vitória de Santo Antão.
Ocuparam o Engenho Serra com mil homens armados. Mas as Ligas só tiveram
um dispositivo que foi deflagrado pelas autoridades, hoje localizado no
Estado de Tocantins.
Houve outro grande dispositivo militar no Estado do Rio de Janeiro. Eram 27 dispositivos militares.
Estou
terminando, daqui a seis meses, o livro História Militar das Ligas
Camponesas. São quarenta anos de pesquisa. Vários quadros estiveram nos
dispositivos militares das Ligas, e ninguém sabia os nomes deles, e
depois, pouco a pouco, a gente foi encontrando com um e com outro e
reunimos os dados.
Que rumo tomaram esses dispositivos após o golpe?
Nós
desligamos esses dispositivos antes mesmo de sermos presos. A divisão
interna era muito grande e os inimigos pertencentes ao sistema tinham
muita força.
Qual a influência das Ligas na Guerrilha do Araguaia?
Alguns
membros da Guerrilha do Araguaia adquiriram experiência com as Ligas
Camponesas. Ali haviam vários caras formados pelas Ligas. Como foi
também com o grupo de [Carlos] Marighella, de [Carlos] Lamarca, do
Movimento Revolucionário Oito de Outubro (MR-8). Como eu estava no
exílio, fui saber disso depois.
E como o senhor vê a luta dos movimentos camponeses, hoje?
O
MST merece todo o respeito por tudo o que fez, mas se acomodou, de
certo modo. Já perdeu bastante combatividade. Pelo oportunismo de alguns
camponeses e alguns dirigentes. Mas eu continuo acreditando bastante em
[João Pedro] Stedile. Ele é um técnico com política na cabeça.
Como o senhor vê a estrutura organizativa dos camponeses hoje?
Hoje
é cada um por si, e Deus por todos. E você vai encontrar aí muitos
assentamentos que estão em pedaços. Ainda têm papelão ou lona em cima do
telhado. Temos que retomar a luta.
Os movimentos
camponeses de hoje viram que é mais fácil fazer o caminho que o Partido
Comunista fez na época de Miguel Arraes, quando era governador de
Pernambuco. Arraes chegou a ter metade de seu secretariado comunista.
Não faltava nada ao partido.
domingo, 19 de agosto de 2012
sexta-feira, 17 de agosto de 2012
Celso Vicenzi: A greve e a desinformação jornalística
Mas, alguns jornalistas
por Celso Vicenzi*
A palavra “mas” é uma conjunção coordenada adversativa, utilizada,
pelo que se lê nas boas gramáticas, em situações que indicam oposição,
sentido contrário. Tem sido empregada, também, com muita insistência,
por boa parte dos jornalistas, principalmente os mais conhecidos
colunistas e comentaristas de jornais e tevês – nacionais e regionais –,
para turvar a realidade. Virou quase um mantra jornalístico.
“A greve é um direito assegurado pela Constituição ao trabalhador
brasileiro, mas…” não deveria prejudicar a população que necessita dos
serviços da categoria, não deveria impedir o direito de ir e vir da
população (muito comum quando ocorre no transporte coletivo); é justa,
“mas” os alunos são os maiores prejudicados (e a culpa cai no colo do
professor e nunca do prefeito, governador ou presidente). “Mas” a crise
na Europa preocupa e não é hora de o governo brasileiro conceder
reajuste de salário aos servidores. Esta a desculpa mais recente. Como
se conclui, a greve é um direito do trabalhador, “mas” só poderá ser
exercida se não ocasionar problema para ninguém, seja o empresário, seja
o governo, seja o povo.
Mas a greve é um instrumento de pressão justamente pelos possíveis
danos (financeiros) ou transtornos (à população e aos usuários dos
serviços em questão) que é capaz de provocar. Infelizmente. Toda a
tensão gerada, numa sociedade democrática e cidadã, deveria resultar em
poder de pressão sobre os empregadores – privados ou públicos –, para
que buscassem, o mais rápido possível, um acordo justo com os grevistas.
“Mas”, com a ajuda determinante da mídia nacional, não é assim que
ocorre. O ônus recai somente sobre o grevista.
A greve dos professores é justa, “mas” os governos e os municípios
não têm como arcar com as despesas. A simples declaração de um
presidente da República, de um governador ou de um prefeito é prova
cabal dessa impossibilidade. Nenhum repórter se interessa em vasculhar
os gastos do poder público, para conferir se existe mesmo essa
impossibilidade.
Nenhum repórter parece se escandalizar quando o STJ determina que os
servidores da Anvisa e do Ministério da Agricultura devem manter 70% do
seu pessoal trabalhando. Mais um pouco e a Justiça brasileira há de
determinar que, sim, podem fazer greve, “mas” que continuem trabalhando…
Ninguém discute que a própria lei de greve da iniciativa privada –
depois estendida para o serviço público, por falta de uma regulamentação
específica – prevê apenas 30% dos trabalhadores atuando em serviços
essenciais. Esta ilegalidade flagrante não interessa à mídia discutir.
Como também não interessa abordar a inconstitucionalidade de transferir
atividades exclusivas do funcionalismo público federal para estados e
municípios, como se fosse possível, de uma hora para outra, substituir
profissionais com conhecimentos muito específicos sobre atividades em
portos, aeroportos e fronteiras, sem pôr em risco a própria segurança da
população.
Cabe aos trabalhadores lutar, sempre, para manter os direitos
conquistados, entre eles, o poder de compra do salário, sob pena de
vê-lo diminuir gradativamente, aumentando na outra ponta o “lucro” do
empregador, seja ele governo ou iniciativa privada. No caso dos
governos, dinheiro que geralmente é transferido, em boa parte, para a
iniciativa privada, sob as mais variadas formas de concessões
(empréstimos subsidiados, isenções fiscais etc.). Não precisa ser nenhum
gênio em economia ou história para saber qual é o lado mais fraco nessa
disputa e o quanto é legítimo lutar para mudar essa correlação de
forças. E é exatamente nessa hora crucial que boa parte dos jornalistas,
sobretudo colunistas e comentaristas, não têm dúvida em ficar do lado
do mais forte.
Basta sacar do bolso um “mas” e não contextualizar informações que
seriam fundamentais para saber se determinado pleito pode ou não ser
atendido. Geralmente, é um festival de clichês, afirmações não
comprovadas, que vão se legitimando e influenciando a opinião pública
pela simples repetição. Não importa que o número de servidores públicos
federais se mantenha praticamente o mesmo há 20 anos, a mídia sempre vai
alertar para o aumento dos gastos públicos, como se não houvesse
nenhuma relação entre número de servidores, salários, órgãos bem
equipados e a qualidade no atendimento à população.
A forma mais comum de falsear a realidade é trabalhar com números
absolutos. No caso recente da greve do serviço público federal, para
citar um exemplo, diz o governo que, se fosse atender a tudo o que pedem
os servidores, iria onerar o caixa do governo em cerca de R$ 92
bilhões. Números atirados a esmo, sem contextualizações, sempre parecem
eloquentes e induzem à conclusão da impossibilidade de estender o
benefício aos trabalhadores.
No entanto, esses mesmos jornalistas, colunistas, comentaristas não
ousam perguntar para onde vai o dinheiro que o país produz, com o suor
de todos os trabalhadores. Por que o governo abriu mão, desde 2008, de
R$ 26 bilhões em impostos para a indústria automotiva? Que, por sua vez,
enviou quase R$ 15 bilhões ao exterior, na forma de lucros e
dividendos?
O “fator previdenciário” retirou mais de R$ 21 bilhões dos
trabalhadores. Quem mais se beneficia, há séculos, é justamente a elite
econômica e a classe política do país, que atuam em parceria. Se isso
não fosse verdade, o Brasil não seria um dos países com a pior
distribuição de renda do planeta.
Valores nominais, insisto, não explicam muita coisa. É preciso sempre
comparar. Ao contrário do que diz a mídia, os gastos do governo federal
com os servidores, em 2000, eram de 4,8% do Produto Interno Bruto
(PIB). Doze anos depois, é menor ainda. A projeção é que feche o ano de
2012 em 4,15%. O país tem hoje praticamente o mesmo número de servidores
do início do governo FHC, e a população que demanda por serviços
cresceu. E há um agravante: quase 50% deve se aposentar nos próximos dez
anos. Como manter serviços de qualidade com órgãos sucateados e sem
profissionais treinados e motivados para o exercício da função? Se isso
vale para a iniciativa privada, deve valer também para a administração
pública.
Somente em isenção fiscal, nos últimos dois anos, o país concedeu
mais de R$ 150 bilhões a pouco mais de uma dúzia de ramos industriais. E
o cofre continua aberto, pois, nas palavras do próprio ministro da
Fazenda Guido Mantega, “qualquer setor que estiver interessado na
desoneração da folha, representado por sua entidade, deve entrar em
contato conosco” (Agência Brasil).
Tudo em nome de boas causas: a manutenção de empregos e o aumento da
competitividade industrial. Sobre lucros que tornam o Brasil um dos
campeões da desigualdade na distribuição de renda, nenhuma linha,
nenhuma palavra. Porque por trás do discurso das “dificuldades” sempre
está a transferência de renda dos trabalhadores para os empregadores.
O mito de que se gasta demais com os servidores públicos federais
também não resiste à observação correta dos números. Quaisquer que sejam
os valores apresentados por quem tenta defender a tese de que o gasto é
excessivo – diferente de se é bem aplicado, porque esta seria uma boa
discussão –, não dá para se contrapor a uma evidência: a Receita
Corrente Líquida, ou seja, o que o governo arrecada em impostos,
comparado com o que o governo paga ao funcionalismo público federal,
diminuiu de 56,2% em 1995 para 32,1% em 2011, conforme registra o
Boletim Estatístico de Pessoal do Ministério do Planejamento.
A mídia, que bate forte na greve do funcionalismo público federal –
como é de praxe em greves de quaisquer trabalhadores –, não demonstra
nenhum interesse em trazer para a opinião pública do país o tema que é
central para esclarecer um “rombo” nas finanças da União, que enriquece
um grupo muito pequeno de investidores e amplia a desigualdade no país: a
dívida pública, superior a R$ 2,1 bilhões por dia!
Em 2011 foram destinados R$ 708 bilhões para a dívida pública que,
aliás, nunca foi auditada, apesar de vários indícios de ilegalidades e
ilegitimidades desde os anos 70, conforme denuncia Maria Lúcia
Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida.
Para concluir: no Brasil, a greve é um direito do trabalhador, “mas”
só pode ser exercida se não vier a causar nenhum tipo de prejuízo ou
problema a quem quer que seja. E tem sido cada vez mais regulamentada –
favoravelmente ao capital – pelo Judiciário. Uma espécie de ditadura da
democracia, com jurisprudência legal. Não é sem razão que,
historicamente, quando a justiça não mereceu este nome, grandes avanços
sociais foram feitos, inicialmente, à margem da legalidade.
*Jornalista, assessor de imprensa do Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Estado de SC (Sintrafesc)
terça-feira, 14 de agosto de 2012
Todas as cartas de amor...
- Álvaro de Campos, 21-10-1935
Fernando
Pessoa
(Poesias de Álvaro de Campos)
(Poesias de Álvaro de Campos)
todas as cartas de amor são
Ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
Ridículas.
Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
Como as outras,
Ridículas.
As cartas de amor, se há amor,
Têm de ser
Ridículas.
Mas, afinal,
Só as criaturas que nunca escreveram
Cartas de amor
É que são
Ridículas.
Quem me dera no tempo em que escrevia
Sem dar por isso
Cartas de amor
Ridículas.
A verdade é que hoje
As minhas memórias
Dessas cartas de amor
É que são
Ridículas.
(Todas as palavras esdrúxulas,
Como os sentimentos esdrúxulos,
São naturalmente
Ridículas.)
“É melhor morrer na luta que morrer de fome”
Nascida e criada em Alagoa Grande, no Brejo Paraibano, foi a primeira mulher presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais
da cidade. Lá, fundou o Centro de Educação e Cultura do Trabalhador
Rural, uma iniciativa que, até hoje, contribui para o desenvolvimento
rural e urbano sustentável, fortalecendo a agricultura familiar.
Lutando pela defesa dos direitos dos trabalhadores sem terra, suas principais metas eram o registro em carteira de trabalho, a jornada diária de trabalho de 8 horas, 13° salário, férias e demais direitos, para que as condições de trabalho no campo pudessem ser equiparadas ao modelo urbano.
Em seus 12 anos de gestão, o Sindicato moveu mais de 600 ações trabalhistas
e fez diversas denúncias, como a endereçada diretamente ao Presidente
do Brasil, em 1982, João Batista Figueiredo. Infelizmente, Margarida não
viveu o suficiente para ver o resultado de seu pleito. Por causa do
surgimento do Plano Nacional de Reforma Agrária, a violência no campo
foi intensificada por parte dos latifundiários, que não queriam perder
suas terras, mesmo as improdutivas.
A partir deste momento, o trabalho de
Margarida na defesa dos direitos dos trabalhadores entrou em conflito
com os interesses dos latinfundiários, tornando-a uma ameaça para eles.
Em seu discurso na comemoração do 1° de maio de 1983, na cidade de
Sapé, na Paraíba, ela deixou isto bem claro: “Eles não querem
que vocês venham à sede porque eles estão com medo, estão com medo da
nossa organização, estão com medo da nossa união, porque eles sabem que
podem cair oito ou dez pessoas, mas jamais cairão todos diante da luta
por aquilo que é de direito devido ao trabalhador rural, que vive
marginalizado debaixo dos pés deles”.
Margarida seria assassinada três meses e
onze dias após essa declaração. O principal acusado é Agnaldo Veloso
Borges, então proprietário da usina de açúcar local, a Usina Tanques, e
seu genro, José Buarque de Gusmão Neto, mais conhecido como Zito
Buarque. Seu sogro era o líder do Chamado Grupo da Várzea, composto por
60 fazendeiros, três deputados e 50 prefeitos. O crime ocorreu no dia
12 de agosto de 1983, quando um pistoleiro de aluguel, num Opala
vermelho, disparou um tiro de escopeta calibre 12 em seu rosto, quando
ela estava na frente de sua casa. Seu filho e seu marido viram tudo.
Foram acusados pelo crime o soldado da PM Betâneo Carneiro dos Santos,
os irmãos pistoleiros Amauri José do Rego e Amaro José do Rego e Biu
Genésio, motorista do Opala. Mais tarde, ele foi assassinado, como
“queima de arquivo”.
O crime teve repercussão internacional,
com denúncia encaminhada à Corte Internacional de Direitos Humanos e
várias outras entidades semelhantes. Severino, o marido de Margarida,
dizia que “ela era uma mulher sem medo, que denunciava as injustiças”. Na época de sua morte, 72 ações trabalhistas estavam sendo movidas contra os fazendeiros locais.
Símbolo da luta pelos direitos dos trabalhadores rurais, Margarida recebeu, postumamente, o prêmio Pax Christi Internacional, em 1988; em 1994, foi criada, pela Arquidiocese da Paraíba, a Fundação de Defesa dos Direitos Humanos Margarida Maria Alves e, em 2002, recebeu a Medalha Chico Mendes de Resistência, oferecida pelo GTNM/RJ.
O dia de seu assassinato, 12 de agosto, é
conhecido como o Dia Nacional de Luta contra a Violência no Campo e
pela Reforma Agrária.
Retirado do site www.fundacaomargaridaalves.org.br
segunda-feira, 13 de agosto de 2012
sábado, 11 de agosto de 2012
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