Pedro Porfírio em seu blog
A Venezuela viveu na terça-feira, dia 16, o dia mais tenso de sua
vida constitucional desde o frustrado golpe de abril de 2002. Até as 4
da tarde, estava em marcha um plano golpista que foi temporariamente
abortado pela maturidade política da militância chavista e pela firme
demonstração de autoridade do presidente Nicolas Maduro, com o apoio dos
vários escalões das Forças Armadas Nacionais Bolivarianos.
Desde segunda-feira, quando o chefe oposicionista de direita Henrique
Capriles Radonski, derrotado nas eleições presidenciais de domingo,
ordenou protestos violentos contra a proclamação de Maduro como vencedor
das eleições, com o apoio de mercenários paramilitares em pelo menos 15
estados do país, sua expectativa era de criar uma situação semelhante à
de 13 anos atrás, que redundou na deposição por dois dias do presidente
Hugo Chavez.
A agitação de rua levaria a uma sedição militar sob a liderança de
dois generais e nove oficiais da Guarda Nacional, que operariam a partir
do Comando de Apoio Aéreo de La Carlota. No entanto, uma rápida ação da
Direção de Inteligência Militar deteve os potenciais sublevados ainda
na noite de domingo, dia 14, no mesmo momento em que Capriles Radonski
declarava que não reconhecia o resultado anunciado pelo Conselho
Nacional Eleitoral e ordenava as ações violentas de segunda-feira.
No plano internacional, o golpe teve o apoio ostensivo do governo
norte-americano, que ainda não formalizou o reconhecimento da vitória de
Maduro, e da Espanha, que lançou suspeitas sobre o pleito. Na manhã de
terça-feira, dia 16, enquanto a militância orgânica do Partido
Socialista Unido da Venezuela se preparava para o contra-ataque sob o
comando de Jorge Rodrigues, Maduro deu um ultimato ao governo espanhol e
este reconsiderou sua postura.
Durante toda a segunda-feira, as agitações de rua ficaram por conta
dos grupos ligados a Capriles, que apostava num confronto de grandes
proporções com centenas de mortes. Com a ajuda de paramilitares armados,
esses grupos atacaram repartições públicas, tentaram tomar a estação
estatal de tevê e forçar uma paralisação das empresas por ordens dos
patrões.
Maduro avisou que poderia radicalizar com a tomada das empresas por
seus trabalhadores. “Fábrica parada será fábrica ocupada”, advertiu a
deputada chavista Blanca Eekhout, em emocionante pronunciamento na
Assembleia Nacional. Mas as organizações sociais chavistas surpreenderam
e não reagiram à violência espalhada, apesar das sete mortes
registradas, 62 feridos e de mais de mil pessoas atendidas nos hospitais
das cidades onde os grupos de direita incendiavam objetos nas ruas e
atacavam até mesmo sete Centros de Diagnóstico Integral, onde trabalham
médicos e enfermeiros cubanos dentro de um convênio que já produziu
grandes mudanças positivas nos índices de saúde dos venezuelanos.
Esses ataques, que tiveram requintes de violência e destruição, foram
registrados nos estados de Táchira, Miranda, Anzoátegui, Carabobo e
Zulia. O pretexto usado era de que havia propaganda de Maduro nesses
centros médicos.
Os sete mortos foram atacados em pontos diferentes do país quando
ainda celebravam a vitória de Maduro. Alguns foram atingidos por balas
disparadas pelos paramilitares contratados pelo “Comando Simon Bolívar”,
o comitê eleitoral do candidato da direita. O relato documentado dos
crimes, com os nomes das vítimas e as condições em que foram executadas,
foi apresentado no final da tarde de terça-feira, dia 16, pelos
ministros do Exterior, Elias Jaua, e Comunicação e Informação, Ernesto
Villegas.
A resposta firme contra a tentativa de golpe
Na Assembleia Nacional, seu presidente, deputado Diosdado Cabello,
responsabilizou Capriles Radonski pela violência desencadeada. Coronel
da reserva e parceiro de Hugo Chavez desde a insurreição militar de
1992, Cabello escreveu em sua conta no twitter: “Capriles fascista, eu
vou pessoalmente cuidar para que
você pague por todos os danos que está
causando ao nosso país e ao nosso povo.”
Na sessão da tarde de terça-feira, a deputada Blanca Eekhout, segunda-vice presidente da Assembléia, depois de emocionado discurso, leu uma resolução aprovada pelos colegas apoiando as investigações do Ministério Público e acusando formalmente Capriles pela onda de violência de segunda-feira.
Com o passar do dia, o líder direitista foi se vendo isolado, apesar
do apoio reiterado do governo norte-americano. Ele contava com uma
grande marcha hoje à sede do Conselho Nacional Eleitoral, onde fica a
memória de todo o processo eleitoral, numa movimentação que poderia
degenerar na invasão de suas instalações e destruição dos seus
documentos.
Depois de reunir-se com o comando das Forças Armadas, o presidente
Nicolas Maduro anunciou, ao meio dia, a proibição dessa marcha que teria
consequências incontroláveis.
O recuo dos golpistas isolados
Até as 4 da tarde, Capriles e seu staff se mostravam dispostos a
desafiar a proibição. Mas a repercussão negativa das ações violentas de
segunda-feira, as dúvidas sobre qual atitude tomaria a militância
chavista organizada e a detenção dos 11 oficiais que puxariam o golpe
militar o deixaram confuso.
Às 5 da tarde, convocou uma entrevista coletiva, com a presença de
jornalistas estrangeiros, e anunciou seu recuo, alegando que fora
informado por amigos da inteligência militar que os chavistas
infiltrariam provocadores dentro da marcha. Não era bem isso: ele queria
transformar o centro de Caracas numa praça de guerra, mas já começava a
ver-se ameaçado até de perder o cargo de governador do Estado de
Miranda, diante de acusações documentadas de incitação a sublevações.
Ao final da coletiva, mudou totalmente seu discurso inicial,
conclamando seus partidários com ênfase a não saírem de casa hoje:
“Quero dizer aos venezuelanos e ao governo que todos nós aqui estamos
prontos para abrir um diálogo para que esta crise possa ser resolvida
nas próximas horas”.
Informado que a recontagem prevista de 54% das urnas havia sido
encerrada sem registrar um único erro, tentou se explicar: “Não se trata
de reconhecer ou não os resultados eleitorais de domingo. Estou
simplesmente pedindo a recontagem de todos os votos”. Acusado pelo
Ministério Público de não haver apresentado nenhum documento que
justificasse a incitação à desordem, ele disse que hoje fará chegar ao
CNE petição neste sentido.
A ameaça golpista ainda persiste
Apesar do anúncio do próprio presidente Nicolas Maduro de que todos
os focos de violência haviam sido neutralizados, com a prisão de mais de
150 pessoas envolvidas diretamente nos ataques de rua, ainda acho cedo
para dizer que a intentona golpista foi totalmente debelada.
Esta foi a maior operação já comandada pela CIA, através de algumas
ONGs financiadas pelos Estados Unidos, e teve relativo êxito: primeiro,
com a morte do líder Hugo Chavez, à semelhança do que aconteceu com o
líder palestino Yasser Arafat. Depois com a votação do oposicionista,
que derramou muito dinheiro na compra de votos em redutos chavistas,
enquanto prometia manter todos os programas sociais do governo.
Neste caso, houve um deslocamento de 1 milhão de votos dados em
outubro a Chavez para Capriles, o personagem sob medida para o golpe: 41
anos, bilionário, audacioso, carismático, celibatário (foi da TFP da
Venezuela) é um fanático da direita bem treinado: já no golpe de 2002,
quando era deputado, teve atuação de destaque, inclusive na invasão à
Embaixada de Cuba.
Na liderança dos países exportadores de petróleo, a Venezuela tem
hoje a maior reserva do mundo e adota um programa de diversificação
econômica que tem sido muito interessante para empresas brasileiras e
argentinas. Ao contrário do que imaginava a direita e seus monitores da
CIA, Maduro, um ex-motorista de ônibus, demonstrou nessas últimas 48
horas que vai ser um osso duro de roer, com a mesma têmpera do coronel
Hugo Chavez e uma militância orgânica maior.
Na sexta-feira, dia 19, estará prestando juramento como novo
presidente da República Bolivariana da Venezuela. E isso ainda não foi
engolido pelos que conceberam o sofisticado golpe “tecnológico” que
tirou a vida do Comandante Chavez aos 58 anos e quase trouxe a direita
de volta ao poder em Caracas.
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