domingo, 4 de julho de 2010

Indescritível!


Não há como descrever a visita que fiz no dia de ontem a 5 aldeias indígenas localizadas no município de Marcação. São elas: *Tramataia, Camurupin, Brejinho, Jacaré e outra que **abaeté não soube dizer pois foi reconhecida recentemente.

Abaeté é uma índia de Tramataia, agente de saúde da aldeia, que percorreu comigo e ZeWagner toda a região.

Foi um dia todo de descobertas de uma região quase inexplorada. Lamentável perceber que apesar de serem reconhecidos e detentores de direitos especiais, os índios ainda sofrem com o descaso de governos.

Encontrei estudantes universitários que estão se sacrificando para continuarem seus estudos. Tramataia encontra-se numa região afastada de Marcação, município que abrange essas aldeias indígenas, e, por isso, está literalmente à margem de tudo. À margem por serem índios, por estarem distantes, por serem pobres...etc. Contudo, um povo guerreiro e com muita dignidade.

Marcação recebeu recentemente um ônibus escolar novinho para transportar estudantes do município ao Campus da UFPB em João Pessoa. O fato é: para chegar em João Pessoa esse ônibus passa por Mamanguape, cidade vizinha de Marcação. Entretanto, nesse transporte os nossos estudantes índios são proibidos de terem acesso. Por quê ninguém entende! E o pior: ainda sofrem com a ignorância de outros estudantes que os discriminam afirmando que isso tá certo mesmo e que o ônibus só deve servir a quem estuda em João Pessoa.

São futuros pedagogos, ecólogos e até cientistas sociais que estão correndo o risco de perderem seu estudos. ***Ibotira, a irmã de Abaeté, que citei no início, está no quarto período de pedagogia e teve que se transferi para a casa de uma amiga em Mamanguape para continuar estudando. E para isso teve que se sujeitar a um trabalho semi escravo, pois a família que a "acolheu" a trata como uma empregada doméstica.

Ainda encontrei Marcone, irmão de Ibotira e Abaeté, que é agente de Limpeza de Marcação, e também sofre bastante com os desmandos do governo municipal. Marcone relatou que ele e seus colegas de trabalho não têm materiais de proteção de trabalho, expondo-se a condições bastante perigosas.

Pra completar o cacique da aldeia cala a boca diante do Prefeito em troca de "agrados" enquanto os estudantes e o povo de Tramataia fica refém desses problemas. Os índios recebem uma cesta exporádica do governo federal, e nem esse direito é respeitado. O próprio cacique é suspeito de desvio de itens da cesta das 240 famílias.

Mas a história desse povo é de luta. E num dos momentos Abaeté falou de uma história que sua mãe conta de que quando os índios decidiram montar viveiros de camarão para seus sustentos foram surpreendidos com a invasão da polícia federal que de armas em punho estavam dispostos a destruir o sonho dos indígenas. Mas isso não ficou sem resposta, e os índios de facãos em punho e um refém em mãos enfrentaram a polícia e conquistaram o direito de manterem seus viveiros.

Foi um dia e tanto. Pude conhecer a Barra de Tramataia com seu mangue bem em frente a minha vista. Comi Aratu, um crustáceo que preparado no coco é uma delícia. Pude ainda conhecer o que os índios da região apelidaram de "cachoeira do índio" mas que se trata na verdade de uma parte mais inclinada do rio que banha a região. Visitei a aldeia Jacaré onde é visível a religiosidade das pessoas, onde praticamente todas as casas têm uma cruz na parede da frente. Conheci um embolador que trocou versos com ZeWagner.

ZeWagner é um grande amigo, que conheço há quatro anos. Cantor e compositor, naturista, frequentador sempre presente de Tambaba e que agora pretende se casar com uma índia e para lá, Tramataia, se mudar. Sair da vida movimentada de João Pessoa e viver em paz em Tramataia. Visitamos a casa que pretende comprar que tem uma vista privilegiada de toda a região.

Abaeté no final do dia ainda foi buscar ostras em loco na vegetação que fica na margem da Barra. Uma imagem antropofágica aquela: Abaeté e seu filho de quatro anos andando pelas areias da Barra de Tramataia com uma bacia cheia de ostras na cabeça. Inesquecível.

Artesanato sempre presente e também a cultura dos brancos. Em determinado local da aldeia com suas casas de taipa todas enfileiradas de frente para a estrada que corta a aldeia, encontramos o "Pueirão Duvale Show", uma casa de show que diverte a juventude indígena em finais de semana.

Quando achava que as descobertas haviam terminado, eis que encontramos no caminho de volta, adentrando Marcação, uma praça com a estátua de um cavalo empinando bem no centro. A curiosidade foi grande e ao perguntar sobre o significado de tal cavalo descobrimos que se tratava de um prefeito que decidiu a um tempo atrás lembrar a população da cidade o seu número na eleição que iria disputar sua reeleição. O número era o 11 e 11 é cavalo no jogo do bicho. Só na Paraíba mesmo!

Fico por aqui, me preparando para escrever ao jornal A Verdade do mês que vem com os relatos das denúncias de descaso dos bravos índios da nossa Paraíba.

*Tramataia dizem que vem do tupi fazendo referência a uma planta. Isso é meia verdade. A verdade mesmo é que Tramataia vem do Jamarambaia, uma planta da região, e os índios ao tentarem pronuciá-la falavam Tramataia e assim ficou.

**Abaeté significa valente no Tupi, já ***Ibotira significa flor.

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