segunda-feira, 18 de julho de 2011

"Habeas Pinho"

Habeas Pinho é como ficou conhecido uma petição feita em versos pelo então advogado Ronaldo Cunha Lima em 1955 ao juiz da segunda vara de Campina Grande, Artur Virginio, solicitando liberação de um violão que fora apreendido pela polícia de um grupo de seresteiros em plena atividade.

O grupo de seresteiros sabedores do gosto musical do advogado fez o pedido que foi prontamente aceito e assim foi encaminhado ao juiz:

"Habeas Pinho"

O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver, nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.

Um violão, doutor, que na verdade,
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, si, a sensibilidade
De quem ouviu vibrar na solidão.

O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade,
O crime a ele nunca se mistura,
Inexiste entre ambos afinidade.

O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida,
Que cantam as mágoas que povoam a vida
E sufocam as suas próprias dores.

O violão é música, é canção,
É sentimento, vida e alegria,
É pureza, é nectar que extasia,
É adorno espiritual do coração.

Seu viver, como o nosso, é transitório;
Mas, seu destino não, se perpetua,
Ele nasceu para cantar na rua
E não pra ser arquivo de cartório.

Mande soltá-lo pelo amor da noite,
Que se sente vazia em suas horas,
Pra que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.

Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz
Cantar as mágoas que lhe enchem o peito?

Será crime e, afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
Perambular na rua um desgraçado,
Derramando na praça as suas dores?

É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza de seu acolhimento.
Juntada desta aos auto, nós pedimos
E pedimos também deferimento.

O juiz, Dr. Artur Moura, sensibilizado, deferiu a petição do poeta no mesmo tom:

Para que eu não carregue
Remorso no coração,
Determino que se entregue
Ao seu dono o violão.

Estes versos estão na entrada do auditório da Faculdade de Direito (UEPB) em Campina Grande.

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