domingo, 15 de abril de 2012

Curió: piloto viu pessoas caindo de avião da FAB

A possibilidade de que corpos de ex-guerrilheiros ainda possam ser encontrados é considerada quase nula numa casa situada na avenida Almirante Barroso, em Belém. Em uma pequena vila, o aposentado I.V., de 92 anos, se deixa levar por lembranças que julgava enterradas, sepultadas em uma memória que tentou apagar imagens de uma manhã perdida nos anos 70. O aposentado foi testemunha de uma das possíveis atrocidades cometidas por Sebastião Curió no combate à guerrilha do Araguaia. I.V. lembra ter visto seis pessoas sendo jogadas de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) nas matas do Araguaia. Seriam lembranças que não viriam à tona não fosse a série de reportagens do Diário do Pará a respeito da trajetória de Sebastião Curió. Ao ler as reportagens, I.V. decidiu contar o que viu. “Ele passou a semana agitado”, diz a filha do aposentado. “Dizia que precisava falar a respeito do tal major Curió”.

Na década de 70, I.V. trabalhava como copiloto de um avião Catalina que transportava carne de gado do município de Conceição do Araguaia a Belém. Num desses transportes, testemunhou, sem saber exatamente o que ocorria, a maneira como os inimigos de Curió eram tratados. “Nós decolamos de Conceição do Araguaia às 6h. Recebemos, logo depois da subida, uma mensagem da torre de controle de Marabá informando que não deveríamos voar usando os instrumentos. Tínhamos de usar o sistema manual e na orientação visual”.

A justificativa era que um avião da FAB fazia operações na área. O comandante Macedo, que pilotava o avião, começou a voar abaixo das nuvens para facilitar a visualização. Quando sobrevoavam as matas do Araguaia, viram o avião da FAB. “Começamos a ver uma coisa estranha. Estavam jogando coisas do avião”. A cena era macabra. “Primeiro foi um, depois mais dois, em seguida mais dois e no final mais um”, enumera o aposentado. O comandante Macedo ainda embicou a aeronave para que os dois pudessem observar melhor o que se passava. Aos poucos, ficou claro que eram pessoas que estavam sendo arremessadas do interior do avião. Seis pessoas no total.

Em Marabá, enquanto faziam a manutenção da aeronave, piloto e copiloto foram abordados por um sargento, chefe do Destacamento de Marabá que, passando por problemas de saúde, pedia carona a Belém. “Damos a carona se o senhor nos explicar o que foi que vimos”, condicionou o comandante Macedo. O sargento concordou em contar os fatos, desde que nada do que fosse conversado fosse revelado, dissecando, a seguir, o plano executado por Curió.

Às 5h, ele ordenou que seis mulheres integrantes da guerrilha fossem acordadas porque participariam de um passeio. “A cozinha não está funcionando ainda”, lhe respondeu o soldado. “Não tem problema, assim elas não enjoam”, retrucou Curió. As seis guerrilheiras teriam sido atiradas vivas do avião. Uma imagem que ficou compartilhada em segredo por I.V. e o comandante Macedo. Anos depois, Macedo morreria num acidente de avião. I.V. esqueceria aos poucos aquela manhã dos anos 70. “Quando li o primeiro artigo que fala da negativa do juiz de Marabá, pensei que só o Supremo Tribunal Federal pode resolver essa questão, mas sei que não vai ser possível encontrar nada dessas moças. Nunca mais”, diz o aposentado.

I.V. não quer ser identificado. Recusa que se façam fotos. Viu algo que sempre foi uma suspeita dos que buscam resgatar a história do fim da guerrilha. “É um novo olhar sobre esse episódio”, diz Paulo Fonteles Filho, que integra a comissão que busca encontrar as ossadas dos guerrilheiros mortos na região. “Quando li as reportagens, tudo veio de novo, todas as imagens”, diz o aposentado. “Eu precisava falar”. É o exemplo a ser seguido. (Ismael Machado/Diário do Pará)

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