quinta-feira, 5 de abril de 2012

A memória "perigosa" das Ligas Camponesas

Ato foi realizado na Paraíba em memória dos 50 anos do assassinato de João Pedro Teixeira, líder das Ligas Camponesas

05/04/2012
Alder Júlio
da Coordenação do Memorial das Ligas Camponesas da Paraíba


Elizabeth Teixeira em frente ao túmulo de seu marido,
João Pedro, líder das Ligas Camponesas da Paraíba
Foto: Memorial das Ligas Camponesas da Paraíba
Ruas e praças de Sapé (PB) acolheram, nesse dia 2 de abril, várias centenas de pessoas, movimentos sociais e organizações populares, vindos de diferentes partes da Paraíba e de outros Estados da região e para além da região, para, em grande marcha, fazerem memória de João Pedro Teixeira, líder emblemático das Ligas Camponesas da Paraíba, assassinado há 50 anos pelos latifundiários da região, organizados no famigerado “Grupo da Várzea”.

Desde cedo, já se podiam ver pelas ruas de Sapé, dezenas de jovens e adolescentes das escolas públicas da região, inclusive as crianças “Sem Terrinha”, a desfilarem, fardados, em direção ao cemitério Nossa Senhora Assunção, onde se acha “plantado” João Pedro Teixeira. Da frente do cemitério local, e após a visita reverente feita ao seu túmulo, sob a animação da Equipe de Coordenação do Ato Público, uma multidão de pessoas, movimentos sociais populares, pastorais sociais, organizações de base de nossa sociedade, iam-se aglomerando, trazendo suas faixas, suas bandeiras, suas canções, suas palavras de ordem. Dos povos indígenas às comunidades quilombolas; dos movimentos sociais do campo aos urbanos; das pastorais socais a uma longa lista de organizações populares e redes sociais, expressiva era a representação das classes populares, seja quanto às relações sociais de gênero ao segmento LGBT; seja quanto às relações de etnia, de geração, de espacialidade.

Antes de se iniciar a marcha, a Coordenação de Animação tratava de dar as boas-vindas, de registrar as entidades presentes, de anunciar o roteiro do percurso em direção à Praça João Pessoa, em Sapé. Em seguida, a multidão era convidada a escutar, com atenção, declamações de poemas, inclusive o célebre poema de Thiago de Melo, “Madrugada Camponesa”.

Sempre animada por canções (“Vem, vamos embora, esperar não é saber...”; “Ninguém ouviu um soluçar de dor...”; “Já chega de tanto sofrer, já chega de tanto esperar...”, e por palavras de ordem, com suas faixas estendidas e bandeiras a balançar, iniciava-se a marcha pelas ruas de Sapé, até à Praça João Pessoa, onde haviam sido preparados serviços de infraestrutura (água, sanitários químicos...), bem como montadas tendas de exposição de fotos e objetos relativos às Ligas Camponesas e seus protagonistas. Também aí, escutaram-se algumas falas de protagonistas e aliados das Ligas Camponesas.

Após o intervalo para o almoço, iniciou-se uma carreata em direção ao povoado de Barra de Antas, zona rural de Sapé, onde se localizava a antiga residência de João Pedro e Elizabeth Teixeira e seus onze filhos. Esse sítio de sete hectares, graças à mobilização de distintas organizações articuladas pelo Memorial das Ligas Camponesas, foi recentemente desapropriado pelo Governo Estadual, com o objetivo de construir o Centro de Formação para o campesinato, em especial para os jovens dos assentamentos da região.

Com a presença de Elizabeth Teixeira, hoje com seus 88 anos (“Mulher Marcada para viver”, como tem sido carinhosamente chamada), de suas filhas Maria José das Neves e Anatilde Teixeira; de Marina, irmã de outro líder das Ligas, Nêgo Fuba; de Anacleto Julião, filho de Francisco Julião; de Luiz de Lima (Luizinho), presidente do Memorial das Ligas Camponesas; de João Pedro Stédile, do MST; de ex-deputados aliados ou envolvidos com as Ligas Camponesas, de prefeitos da região, de secretários e outras figuras, foi solicitado a Dom José Maria Pires, arcebispo emérito da Arquidiocese da Paraíba, para proceder à bênção do Memorial, cuja sede se acha instalada justamente na casa em que viveram João Pedro e Elizabeth Teixeira e família.

Coube ao Governador Ricardo Coutinho entregar simbolicamente a chave da casa à Elizabeth Teixeira, bem como reconfirmar a aquisição feita pelo Estado dos sete hectares do referido local, com o objetivo de lá construir o Centro de Formação para o campesinato.

Várias falas foram escutadas, completando assim a agenda desse memorável dia 2 de abril de 2012. Estava, sim, alcançado o propósito de fazer memória das Ligas Camponesas da Paraíba, em especial de João Pedro Teixeira e seus companheiros de luta. Cumpria, sim, dar vazão ao exercício da memória perigosa de que estavam grávidas as Ligas Camponesas, no auge de sua efervescência, situado entre 1955 e 1964. Cumpria, sim, beber nessas fontes, dela recolhendo lições para o enfrentamento dos desafios presentes e em função da realização dos sonhos mais generosas da humanidade, de construção de uma nova sociedade, alternativa à barbárie capitalista.

Além de fazer memória, também foi organizado o Ato para a inauguração do Memorial das Ligas Camponesas, no povoado de Barra de Antas, na zona rural do município de Sapé. O Memorial das Ligas Camponesas da Paraíba constitui uma organização criada em 2008, com o objetivo de manter viva e vivificante o legado das Ligas Camponesas e de seus protagonistas e lutadores pela Reforma Agrária. Para tanto, a coordenação do Memorial das Ligas Camponesas, em parceria com a CPT e com as universidades públicas da região, vem envidando esforços, desde então, no sentido de viabilizar tais objetivos, por meio de um Centro de Formação para o campesinato, que permita, entre outras atividades formativas, viabilizar a organização e manutenção de um acervo público de memória (fotografias, filmes/documentários, cartilhas, folhetos de cordel, documentos históricos relativos às Ligas Camponesas, entrevistas, depoimentos, etc.), bem como o despertar da consciência crítica dos camponeses da região, em especial os jovens das dezenas de assentamentos da região, a partir de um projeto de formação permanente, envolvendo diferentes parceiros e aliados, dentre os quais a CPT e as universidades públicas da região, notadamente recorrendo às suas atividades de extensão. Nesse sentido, passos vêm sendo dados e seguirão prosperando.

Graças a sucessivos encontros e reuniões ampliadas, foi-se desenhando a organização desse grande Ato Público que teve lugar em Sapé e em Barra de Antas, povoado do mesmo município. Tratava-se de, a partir da figura inspiradora de João Pedro Teixeira (impacta, ainda hoje, o fato de termos encontrado no Ato várias crianças e adultos com o nome de João Pedro!), centrar atenção no conjunto de protagonistas individuais e coletivos, representativos desse grande movimento social em que se transformaram as Ligas Camponesas.

Em João Pedro Teixeira e em tantos lutadores e lutadoras, de ontem, de hoje e de sempre, nos inspiramos para o enfrentamento exitoso dos desafios presentes, associando-nos aos mesmos sonhos de construção de uma sociedade justa e solidária, na qual a Reforma Agrária já não seja uma expressão vaga, mas uma realidade concreta, que permita aos Trabalhadores e Trabalhadoras do campo e da cidade uma vida digna e de qualidade social, em harmonia com a Mãe-Natureza.

Ontem, hoje, no dia 2 de abril e sempre, sigamos fazendo memória, revisitando João Pedro Teixeira e as Ligas Camponesas, movidos por três dimensões complementares: memória-mística-utopia, recolhendo as lições do seu denso legado; preparando-nos para enfrentar os desafios presentes, com lucidez e criatividade, e dispondo-nos a avançar na luta por uma sociedade alternativa à barbárie do Capitalismo.

Barra de Antas, 3 de abril de 2012

Coordenação do Memorial das Ligas Camponesas da Paraíba

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