Da Folha de São Paulo
O
país vira instrumento para nutrir o caixa da Fifa, entidade privada
suíça; desafiar a zona de exclusão comercial perto de estádios pode dar
até prisão
O
manifesto dos tenentes rebelados em São Paulo, em 1924, denunciava: "O
Brasil está reduzido a verdadeiras satrapias, desconhecendo-se
completamente o merecimento dos homens e estabelecendo-se como condição
primordial, para o acesso às posições de evidência, o servilismo
contumaz".
Passados
88 anos, um anacrônico servilismo emoldura as iniciativas nas 12
cidades-sede da Copa de 2014 e nas alterações legais que o Congresso
Nacional está votando para receber o megaevento.
Sobra
subserviência, falta transparência: os compromissos do governo com a
Fifa, assinados em 2007, seguem cercados de mistério. As informações
sobre gastos e etapas das obras, nos portais oficiais, são
contraditórias e incompletas.
O
processo de remoção de moradias, que pode afetar 170 mil pessoas,
desrespeita o princípio do "chave por chave", que diz que ninguém pode
ser despejado de sua casa sem receber outra, próxima e melhor.
O
projeto da Lei Geral da Copa -bem mais do que uma "lei do copo de
cerveja" nas partidas- transforma o Brasil em protetorado de interesses
mercantis.
Ele
"expulsa de campo" a legislação nacional que regula concorrência,
patentes, direitos do consumidor, transmissões esportivas, gastos
orçamentários, publicidade, punição a delitos e até calendário escolar. A
lei das licitações já fora "escanteada" pelo Regime Diferenciado de
Contratações. Uma entidade privada internacional impõe legislação
excepcional, garantindo isenções fiscais a mais de mil produtos!
O
projeto aprovado na Câmara assegura megaprivilégios à Fifa. O Inpi vira
um "cartório particular", com regime especial para pedidos de registro
de "marcas de alto renome" apresentadas pela entidade.
Libera-se
uma associação suíça de direito privado do pagamento de custos e
emolumentos exigidos a todos que requerem registro de marca no Brasil.
Trata-se de uma renúncia fiscal longa e onerosa!
O projeto afronta até um preceito defendido pelos liberais de todos os matizes: o da livre iniciativa.
Isto
é evidenciado ao se "assegurar à Fifa e às pessoas por ela indicadas a
autorização para, com exclusividade, divulgar suas marcas, distribuir,
vender, dar publicidade ou realizar propaganda de produtos e serviços,
bem como outras atividades promocionais ou de comércio de rua, nos
locais oficiais de competição, nas suas imediações e principais vias de
acesso".
Prevê-se
também que será objeto de sanções -como prisão de três meses a um ano- a
"oferta de provas de comida ou bebida, distribuição de panfletos ou
outros materiais promocionais (...), inclusive em automóveis, nos locais
oficiais de competição, em suas principais vias de acesso ou em lugares
que sejam claramente visíveis a partir daqueles".
O "Estado Futebolístico de Exceção" cria suas "zonas de exclusão".
A
União fica também obrigada a disponibilizar, sem quaisquer custos para a
Fifa, "a segurança, serviços de saúde, vigilância sanitária e alfândega
e imigração".
Além
de disponibilizar gratuitamente todos esses serviços para um evento
privado, o Brasil também se responsabiliza por quaisquer acidentes que
venham a ocorrer.
A
Fifa, que ganhou na África do Sul mais de R$ 7,2 bilhões só com
radiodifusão e marketing, "marca sob pressão" as nossas autoridades. Em
2011, já faturou R$ 1,67 bilhão com vendas vinculadas à Copa de 2014.
Medidas provisórias poderão ser editadas "na prorrogação" para garantir
os resultados esperados.
No
lugar de caixinha de surpresas, o futebol se transforma em um
instrumento para nutrir a caixa-registradora da Fifa e dos seus sócios.
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