Zuleika Angel Jones (1923 – 1976)
Número do processo: 237/96
Data e local de nascimento: 05/06/1923, Curvelo (MG)
Filiação: Francisca Gomes Netto e Pedro Netto
Organização política ou atividade: denúncia da morte do filho como resultado de torturas.
Data e local da morte: 14/04/1976, Rio de Janeiro (RJ)
Relator: Luís Francisco Carvalho Filho
Deferido em: 25/03/1998 por 4×3 (votos contra do general Oswaldo Pereira Gomes, Paulo Gonet Branco e João Grandino Rodas)
“Se algo vier a acontecer comigo, se eu
aparecer morta, por acidente, assalto ou qualquer outro meio, terá sido
obra dos mesmos assassinos do meu amado filho”. O trecho da carta
escrita em 23/04/1975 pela estilista Zuleika Angel Jones, conhecida como
Zuzu Angel, entregue ao compositor Chico Buarque e outros amigos,
representou uma verdadeira premonição a respeito de sua morte um ano
depois.
Zuzu Angel morreu em 14/04/1976, num
acidente automobilístico à saída do túnel Dois Irmãos, no Rio de
Janeiro. A suspeita de que esse acidente tivesse sido provocado envolveu
imediatamente todas as pessoas bem informadas sobre o que era o
aparelho de repressão política do regime militar. Mas foi somente
através da CEMDP que se tornou possível elucidar os fatos. Restou
provado que sua morte foi desdobramentoe conseqüência da morte de seu
filho Stuart Edgard Angel Jones, em 1971, caso já apresentado neste
livro-relatório.
Profissional de sucesso – vestia atrizes
como Liza Minnelli e Joan Crawford –, Zuzu conseguiu transformar o
desaparecimento de seu filho Stuart num acontecimento que provocou forte
desgaste internacional para o regime militar brasileiro. Com isso,
despertou a ira dos porões da ditadura, que passaram a vê-la como
ameaça. Buscando incansavelmente o paradeiro do filho, esteve nos
Estados Unidos com o senador Edward Kennedy; furou o cerco da segurança
norte-americana e conversou com Henry Kissinger, em visita ao Brasil;
prestou detalhado depoimento ao historiador Hélio Silva; escreveu ao
presidente Ernesto Geisel, ao ministro do Exército Sylvio Frota, ao
cardeal Dom Paulo Evaristo Arns e à Anistia Internacional. Em um de seus
desfiles, estampou os figurinos com tanques de guerra e anjos tristes.
Quando começou a receber ameaças de morte, alertou os amigos.
Zuzu estava absolutamente sóbria na noite
do acidente e uma semana antes tinha feito revisão completa em seu
carro que, sem aparente motivo, desviou-se da estrada, capotando
diversas vezes em um barranco. A análise das fotos e dos laudos
periciais, as inúmeras contradições e omissões encontradas no inquérito e
depoimentos de testemunhas oculares compuseram uma base robusta para a
decisão da CEMDP reconhecendo a responsabilidade do regime militar por
mais essa morte de opositor político.
De início, o relator do caso na Comissão
Especial recomendou o indeferimento, que só recebeu dois votos
contrários. Mas a família de Zuzu decidiu exumar o corpo e entrou com
recurso, levando o relator a mergulhar na investigação dos novos dados. A
exumação foi realizada por Luís Fondebrider, da Equipe Argentina de
Antropologia Forense. Foram também apresentadas novas testemunhas, entre
elas o advogado Carlos Machado Medeiros – filho de um ex-ministro da
Justiça de Castello Branco – que trafegava pela estrada Lagoa-Barra da
Tijuca e forneceu uma declaração escrita afirmando que : “(…) dois
veículos abalroaram o Karmann Ghia azul de uma pessoa que, logo depois,
na manhã seguinte, constatei ser Zuzu Angel”.
Com medo de represálias, contou apenas
aos amigos. Três deles confirmaram integralmente essa declaração perante
o relator, Luís Francisco Carvalho Filho, que não conseguiu falar
pessoalmente com o advogado Carlos Medeiros, que também sofreu um
acidente automobilístico causador de graves seqüelas e problemas de
memória.
Outros depoimentos, recolhidos na segunda
fase do processo, foram o da psiquiatra Germana Lamare – a quem Zuzu
contou estar sendo ameaçada de morte – e de Marcos Pires, estudante
residente na Barra da Tijuca que escutou o ruído do acidente e, ao
chegar ao local, já encontrou uma dúzia de carros oficiais, a maioria da
polícia, ao redor do automóvel destruído de Zuzu. As informações foram
relatadas em uma carta enviada a Hildegard, filha de Zuzu e colunista do
jornal O Globo. Mais tarde, em depoimento prestado a Nilmário Miranda em 12/02/1996, ele admitiu ter presenciado o acidente:
“Eu só vi um carro saindo (do túnel) e
logo em seguida um outro carro que emparelha com esse carro. (…) Eu vi
quando o carro que ultrapassa o carro da direita (…) abalroa este carro
(…) e faz com que ele caia a uma distância que estimei na hora em cinco
metros (…)”. A versão de Marcos Pires contrariava frontalmente o laudo
oficial do acidente e praticamente dirimiu todas as dúvidas.
Em seu voto final pela aprovação do
requerimento, Luís Francisco recuperou as inúmeras contradições do caso,
que o levaram a contratar Valdir Florenzo e Ventura Raphael Martello
Filho, especialistas em perícias de trânsito em São Paulo, para analisar
os documentos policiais.
Em relatório minucioso eles argumentam:
“Ao reexaminar o laudo original, duas circunstâncias chamaram minha
atenção. Em primeiro lugar, o documento é instruído com 16 fotografias
mas, aparentemente, nenhuma delas se destinava a mostrar,
especificamente, as marcas da derrapagem (28 metros) na pista e as
marcas da atritagem nos pneus dianteiros. Em algum lugar, na perspectiva
de um observador leigo, surgiram as seguintes indagações: o meio-fio da
direita seria um obstáculo capaz de provocar uma mudança de trajetória
tão drástica como a que foi descrita? Levando-se em consideração que,
segundo os próprios peritos, o meio-fio é de altura normal e que,
segundo as fotos que instruem o laudo da época estava visivelmente
coberto por vegetação rasteira, o veículo, naquela trajetória, não iria
simplesmente transpor o obstáculo? (…)”.
Os peritos também descartaram a
possibilidade de Zuzu ter dormido ao volante: “a dinâmica pretendida
pelo laudo correspondente ao exame do local é absolutamente
inverossímil. Primeiro porque um veículo jamais mudaria de direção
abruptamente única e tão somente por conta do impacto de qualquer de
suas rodagens contra o meio-fio, qual seria galgado facilmente,
projetando-se o veículo pelo talude antes de chegar ao guarda-corpo do
viaduto.
Segundo porque, sendo o meio-fio direito
da auto-estrada perfeita e justamente alinhado com o guarda-corpo do
viaduto, mesmo que o veículo se desviasse à esquerda, tal como o
sugerido pelo laudo, desviar-se-ia do guarda-corpo, podendo, se muito,
chocar o extremo direito da dianteira. Terceiro porque, mesmo que se
admitisse a trajetória retilínea final, nos nove metros consignados pelo
laudo, tendo-se em conta que o veículo chocou a dianteira esquerda e
que não havia mais nada à direita, a não ser a rampa inclinada da
superfície do talude, teríamos que aceitar que as rodas do lado direito
ficariam no ar e o veículo perfeitamente em nível até que batesse no
guarda-corpo, o que, evidentemente seria impossível”.
Em 1987, Virgínia Valli, publicou o livro
“Eu, Zuzu Angel, procuro meu filho – a verdadeira história de um
assassinato político”.
Em 2006, o diretor Sérgio Rezende levou
às telas a cine-biografia da estilista Zuzu Angel, interpretada pela
atriz Patrícia Pilar. A música que Chico Buarque e Miltinho compuseram,
em 1977, em sua homenagem, evoca a dor de Zuzu e uma das versões
existentes para o desaparecimento do corpo do filho Stuart – jogado de
helicóptero no Atlântico –, mencionando também os figurinos que ela
apresentou no desfile com o motivo de anjos:
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse estribilho
Só queria embalar meu filho
Que mora na escuridão do mar
Quem é essa mulher
Que canta sempre esse lamento
Só queria lembrar o tormento
Que fez o meu filho suspirar
Quem é essa mulher
Que canta sempre o mesmo arranjo
Só queria agasalhar meu anjo
E deixar seu corpo descansar
Quem é essa mulher
Que canta como dobra um sino
Queria cantar por meu menino
Que ele já não pode mais cantar
>>Retirado do livro Direito à Memória e à Verdade<<
Para que nunca mais se esqueça, para que nunca mais aconteça!
Nenhum comentário:
Postar um comentário