Foi no começo de março de 1996 que 1.500
famílias ocuparam a fazenda Macaxeira, situada em Eldorado dos Carajás,
Pará. O camponês não pode viver sem terra para trabalhar, para produzir
o alimento necessário ao sustento da família. A fazenda ocupada era
utilizada para pasto, 40 mil hectares destinados ao lucro de um só
proprietário, o Paulo Pinheiro. Mas o Incra considerava a terra como
produtiva, portanto não poderia desapropriá-la. Diante disso, o MST
programou uma caminhada até Belém para as famílias convencerem o Incra
de que elas tinham razão. Mil e cem camponeses puseram o pé na estrada, a
rodovia PA-50, no dia 16 de abril.
Governava o Estado do Pará o Sr. Almir
Gabriel (PSDB). Seu Secretário de Segurança, Paulo Sette Câmara, mandou a
Polícia Militar desobstruir a estrada, em nome do direito de ir e vir.
Direito de quem? Dos veículos, conduzindo mercadorias, madeiras e
minérios roubados da Amazônia? E as pessoas não têm esse direito
constitucional?
Não houve diálogo. Os policiais já
chegaram lançando bombas de gás lacrimogêneo. Não houve confronto. O que
poderiam ferramentas de trabalho contra armas de fogo? Houve, sim,
resistência pacífica. Os sem-terra não aceitaram parar a caminhada. O
coronel Mário Pantoja de Oliveira deu a ordem de fogo! As balas choveram
sobre os trabalhadores. Dezenove morreram no local, mais de 70 ficaram
feridos, dos quais dois faleceram posteriormente. Mas não foram apenas
as balas. A Perícia Judicial atestou que dez camponeses foram executados
e sete deles apresentavam ferimentos de foices e facas. Além de matar,
os policiais tentaram lançar a culpa nos próprios sem-terra.
Um Processo Inglório
A repercussão do massacre foi enorme,
tanto no país como no exterior. O então Presidente da República,
Fernando Henrique Cardoso, do mesmo partido do governador do Pará, pediu
a prisão imediata dos responsáveis. Mas ninguém foi preso. Para não ser
injusto, registremos que o coronel Pantoja passou 30 dias em prisão
domiciliar.
Só isso, apesar de José Gregori, chefe
de gabinete do Ministro da Justiça, Nélson Jobim, ter dito em alto e bom
som: “ O réu desse crime é a polícia, que teve um comandante que agiu
de forma inadequada”. Ele falou após assistir ao vídeo do massacre, pois
foi tudo filmado. O coronel Mário Pantoja disse que cumpriu ordem do
Secretário de Segurança e este confirmou que havia autorizado a polícia a
“usar os meios necessários, inclusive a atirar”. Ricardo Marcondes de
Oliveira, outro fazendeiro da região informou que dias antes contribuíra
com uma coleta organizada pelo dono da fazenda Macaxeira e sabia que se
destinava ao dito coronel da PM. Propina. Mesmo assim nenhum fazendeiro
foi indiciado. Nem o governador e seu secretário, que assumiu ter
autorizado o massacre. Sintomático!
Indiciados foram os 155 PMs que
participaram da operação. O Ministério Público denunciou-os por
homicídio, mas o inquérito foi mal feito. Não existe no direito penal
brasileiro punição coletiva. Precisaria que as armas tivessem sido
periciadas para identificar de onde partiram os tiros que ocasionaram as
mortes. O próprio Procurador Geral da República, Geraldo Brindeiro,
considerou o inquérito repleto de imperfeições técnicas e determinou que
a Polícia Federal o refizesse, mas não adiantou muito.
O juiz de Primeira instância convocou
júri popular, mas só dois policiais foram condenados: o coronel Mário
Pantoja, a 228 anos de prisão, e o major José Mário Pereira, a 158 anos.
Mas não cumpriram nem um. Tiveram o direito de recorrer em liberdade e
vêm recorrendo indefinidamente. Quinze anos depois, o processo está
parado, aguardando julgamento de Agravo de Instrumento no Supremo
Tribunal Federal (STF). O promotor Marco Aurélio Nascimento, que atuou
no caso, comenta: “As decisões de primeira instância não são cumpridas, e
as pessoas ficam recorrendo. No Brasil, há uma infinidade de recursos.
Os processos nunca se encerram”.
Vitoriosos, sim!
Se no processo judicial só houve
decepção (mas qual é mesmo o papel do Poder Judiciário em nossa
sociedade? Sobre o assunto, leia A Verdade nº137), os camponeses foram
vitoriosos, sim. 18 mil hectares da Fazenda Macaxeira foram
desapropriados, e assentadas 690 famílias. Hoje, vivem na área em torno
de 6 mil pessoas, praticando a agricultura de subsistência, criando
vacas de leite e pequenos animais. Avaliando toda a história, afirma o
assentado Iedimar Rodrigues (depoimento ao jornal Brasil de Fato): “…Foi
uma coisa difícil até conseguirmos. Mas depois foi só alegria e muito
trabalho porque fomos capazes de transformar nossas vidas”. “Hoje,
consegui arrumar minha família, tenho casa. O que temos, devemos aos
companheiros que foram mortos”, acrescenta o assentado Miguel Pontes.
O renomado arquiteto Oscar Niemeyer
projetou uma homenagem aos Sem-Terra mortos. O Monumento Eldorado
Memória, inaugurado no dia 7 de setembro de 1996 em Marabá (PA) foi
destruído dias depois. Quem teria sido responsável pelo ato terrorista?
Alguém ousa responder? Niemeyer não se surpreendeu: “Já esperava.
Aconteceu o mesmo quando levantamos o monumento em homenagem aos
operários mortos pelo Exército na ocupação da Companhia Siderúrgica
Nacional em Volta Redonda”, disse o arquiteto.
17 de abril tornou-se Dia Nacional de
Luta pela Terra. E nesse mês, o Movimento dos Sem-Terra (MST) promove
ocupações e manifestações em todo o país. É o Abril Vermelho! Então, uma
vida, muitas vidas valem um sonho!
“…Canudos, Contestado, Caldeirão,
Candelária, Carandiru, Corumbiara, Eldorado dos Carajás… Se calarmos, as
pedras gritarão” (Pedro Tierra)
José Levino
Retirado do Jornal A Verdade
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