“a
permanência de uma versão distorcida da trajetória dos comunistas
brasileiros, difundida por um partido que se apresenta como comunista e
fala em nome do socialismo, serve aos desígnios dos inimigos da
emancipação social dos trabalhadores brasileiros”
O
movimento revolucionário mundial socialista e comunista conviveu, desde
o século XIX, com correntes reformistas de diferentes tipos. Os pais
fundadores do marxismo – Marx, Engels, Lenin –, assim como teóricos do
comunismo e dirigentes revolucionários da estatura de A. Gramsci e R.
Luxemburgo, tiveram que levar adiante uma luta sem tréguas contra os
reformistas do seu tempo.
Os
reformistas precisaram justificar sempre a adoção de políticas de
conciliação de classes, ou seja, de políticas baseadas em concessões às
classes dominantes e no abandono dos objetivos revolucionários do
proletariado e dos seus aliados; políticas de caráter evolucionista,
marcadas pela negação do momento revolucionário, indispensável, segundo
os marxistas, para a conquista do poder político pelos trabalhadores,
única maneira efetiva de realizar as transformações revolucionárias
necessárias para a construção de uma nova sociedade, livre da exploração
do homem pelo homem.
Nesse
esforço de justificação, os reformistas precisaram e ainda precisam
recorrer à falsificação da História, inclusive da História do movimento
operário e revolucionário, em busca de argumentos que contribuam para a
aceitação de suas posições por amplos setores sociais, argumentos de
prestígio, que sirvam de aval para sua atuação política.
A
postura atual do PCdoB constitui exemplo edificante de semelhante
tentativa de avalizar sua política atual recorrendo à falsificação da
História dos comunistas brasileiros. Na medida em que o PCdoB passou a
trilhar o caminho reformista da chegada ao poder sem revolução,
tornou-se natural sua adesão às escolhas feitas por Lula e a direção do
PT, na virada do século XX para o XXI, e agora mantidas por Dilma.
Foram
escolhas reveladoras da capitulação de Lula e da direção do PT diante
dos interesses do grande capital internacionalizado, em especial, do
capital financeiro, ou seja, dos banqueiros internacionais. Tal
capitulação ocorreu após três tentativas frustradas de alcançar o poder,
nas eleições presidenciais de 1989, 1993 e 1998. Para conquistar a
presidência, em 2002, foi escolhido o caminho mais seguro:
O
governo do PT, sem coragem de afrontar os interesses constituídos, sem
nenhuma disposição para arriscar uma mudança na postura do Estado que o
tornasse capaz de enfrentar os problemas experimentados pelo país,
escolheu a reafirmação da lógica perversa que já estava em curso e a
entrega total do Brasil às exigências da acumulação privada. [1]
Da
mesma maneira que nos governos de Fernando Collor de Mello e Fernando
Henrique Cardoso, nos Governos Lula e Dilma o capital financeiro
permanece hegemônico, embora esteja em curso uma reforma do
neoliberalismo, voltada para a construção de uma “nova versão do modelo
capitalista neoliberal”[2].
A
adesão por parte do PCdoB a semelhante política de reforma do
capitalismo o conduziu à tentativa de buscar no passado heróico dos
comunistas brasileiros – embora eivado de erros provocados pela presença
de falsas concepções - o aval para seu comportamento político atual.
Tirando proveito do jubileu de 90 anos da fundação do Partido Comunista
no Brasil, os atuais dirigentes do PCdoB divulgam uma versão falsificada
da História desse partido. Distorcendo a realidade, apresentam a
História do PC como uma sucessão retilínea de êxitos, cujo apogeu seria a
política atual do PCdoB. Ao mesmo tempo, silenciam sobre as teses
oriundas de uma falsa concepção nacional-libertadora da revolução
brasileira, responsável pelas ilusões nas possibilidades de um
“capitalismo autônomo”, cujo corolário foi o abandono, na prática, da
luta pela revolução socialista no Brasil, concepção que esteve presente
tanto na história do antigo PCB quanto na de quase todos os seus
“filhotes”, inclusive o PCdoB.
São
distorcidos os fatos relacionados com a cisão de 1962, quando um grupo
de dirigentes do antigo PCB, discordando das posições políticas
aprovadas no seu V Congresso (1960), usou o pretexto da mudança do nome
do partido com vistas ao seu registro eleitoral, para criar outro
partido – o PCdoB. Partido este que, durante várias décadas, combateu
com violência o PCB e o seu ex-secretário-geral Luiz Carlos Prestes.
Partido este que, durante toda a década de 1980, foi insistentemente
criticado por Prestes pela postura oportunista de entendimentos espúrios
com os governantes para alcançar o registro eleitoral e de apoio à
candidatura de Tancredo Neves nas eleições indiretas de 1985 e, em
seguida, de apoio ao governo de José Sarney. Segundo Prestes, tratava-se
do abandono de todo compromisso com os interesses dos trabalhadores e
com os ideais de verdadeiras transformações socialistas em nosso país.
É
este partido, o PCdoB, que trata hoje de apropriar-se indevidamente do
legado de Prestes para, tirando proveito do prestígio do Cavaleiro da
Esperança, justificar-se perante amplos setores populares. Tal
falsificação deve ser denunciada, pois a permanência de uma versão
distorcida da trajetória dos comunistas brasileiros, difundida por um
partido que se apresenta como comunista e fala em nome do socialismo,
serve aos desígnios dos inimigos da emancipação social dos trabalhadores
brasileiros, contribui para a manutenção da exploração capitalista em
nossa terra, dificultando o caminho efetivo da construção de uma
sociedade socialista no Brasil.
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[1]
PAULANI, Leda Maria. Quando o medo vence a esperança (um balanço da
política econômica do primeiro ano do governo Lula). Crítica Marxista,
n. 19, outubro de 2004, p. 23.
[2] BOITO, Armando. O Governo Lula e a reforma do neoliberalismo. Revista da Adusp, maio de 2005. (www.cecac.org.br)
Anita
Leocadia Prestes é historiadora, professora do Programa de
Pós-graduação em História Comparada da UFRJ e presidente do Instituto
Luiz Carlos Prestes (www.ilcp.org.br).
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