Por Eduardo Guimarães, no Blog da Cidadania:
Vem aumentando a pressão internacional para que o Brasil investigue e
puna os crimes da ditadura militar. A Organização das Nações Unidas
(ONU), ao lado da Anistia Internacional e do Tribunal Penal
Internacional, pressionam o país para que puna militares que
sequestraram, torturaram e assassinaram entre 1964 e 1985.
Na última quinta-feira, a Anistia Internacional denunciou que “O Brasil
continua atrasado em comparação aos demais países da região em sua
resposta às graves violações de direitos humanos cometidas no período
militar”, o que constitui um eco do clima internacional em relação ao
acobertamento institucional daqueles crimes.
ONU, Anistia Internacional, Comissão Interamericana de Direitos Humanos e
TPI condenam o Supremo Tribunal Federal brasileiro por ter se
manifestado contra ação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) iniciada
em 2010 que questionava a Lei da Anistia, de 1979. A condenação informal
do Brasil por leniência com os crimes de Estado durante a ditadura tem
amplo apoio dos principais países-membros.
Entre os países que integraram a Operação Condor – aliança secreta entre
Brasil, Argentina, Chile e Uruguai orquestrada pelos Estados Unidos
entre os anos 1960 e 1970 para combater movimentos de esquerda –, só o
Brasil ainda não iniciou punições de militares que cometeram crimes de
lesa-humanidade.
A desculpa da Justiça, de setores da imprensa e dos próprios militares é
a de que a Lei 6.683, aprovada pela ditadura em 1979, a dita Lei da
Anistia, abrangeu “os dois lados”, ou seja, os que cometeram crimes em
nome do Estado ou contra ele. Tal premissa, porém, é rejeitada pelas
vítimas da ditadura, por descendentes dessas vítimas e pela comunidade
internacional.
A ONU, por exemplo, considera que o Estado não pode praticar crimes
imprescritíveis como seqüestro, tortura e assassinato, não importando
que outros crimes possam ter sido cometidos pelos que resistiram ao
regime militar, pois o Estado tem que se pautar pela lei, sendo negado
que atue contra a lei sob pretexto de combater “crimes”.
Desenhando, para quem se nega a entender: o Estado não pode se igualar
ao criminoso. Se um criminoso tortura, o Estado não pode torturá-lo. Até
mesmo para aplicar pena de morte, onde ela existe, exige-se um
julgamento e diversos outros ritos legais.
Outro fator que torna insuportável a Lei da Anistia que a ditadura
brasileira aprovou em benefício próprio, a exemplo do que fizeram outras
ditaduras da região, é que foram punidos os acusados pelos ditadores de
terem cometido seqüestros, assaltos e assassinatos, seja com o exílio,
com prisão, com torturas ou até com a morte.
Já os agentes do Estado que cometeram crimes, esses jamais responderam
por nada. Não há um só caso de punição de membros da ditadura, ao passo
que há centenas de casos de punições formais de membros da resistência
àquele regime. A hoje presidente da República, Dilma Rousseff, é o
exemplo mais conhecido, ao ter cumprido pena de prisão.
Houve leis de anistia na Argentina, no Chile ou no Uruguai, mas essas
leis foram derrubadas justamente devido ao conceito mundialmente
reconhecido de que o Estado não pode praticar seqüestros, torturas e
assassinatos em hipótese alguma, nem sob a desculpa de combater
insurreição.
Agora, após a Justiça do Pará ter rejeitado ação do Ministério Público
Federal contra o coronel da reserva Sebastião Curió, acusado de
sequestro e assassinato de cinco pessoas na década de 1970, o Superior
Tribunal Federal, sob demanda da OAB, voltará a julgar a Lei da Anistia.
O julgamento deve ser reaberto na semana que entra.
O que impressiona, em um momento como este, é que o resultado desse
julgamento foi antecipado pelo advogado-geral da União, Luís Inácio
Adams, que está afirmando que o Supremo Tribunal Federal deve revalidar a
Lei da Anistia.
Então ficamos assim: após a ditadura punir duramente todos os que
conseguiu, fosse por meios legais ou ilegais, o último ditador, João
Figueiredo, conseguiu garantir que, à diferença dos que enfrentaram os
que usurparam o poder ilegalmente, nenhum integrante daquela ditadura
jamais respondesse por nada.
Ao nos tornarmos o único país-membro da Operação Condor no Cone Sul a
não punir crimes da ditadura, passamos ao mundo mensagem de que o Brasil
ainda não consolidou a sua democracia, de que o que temos é um
simulacro, uma mera concessão de militares criminosos que ainda
chantageiam o país com ameaça de novo golpe.
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