Relatório parcial divulgado neste final de semana pelo Conselho
Estadual dos Direitos da Pessoa Humana de São Paulo (Condepe) atesta a
violência da Polícia Militar de São Paulo e da Guarda Municipal de São
José dos Campos durante a reintegração de posse do Pinheirinho,
em São José dos Campos, tanto na área da ocupação quanto nos bairros
vizinhos. São mais de 1,8 denúncias de violações de direitos humanos
ocorridas durante a desocupação.
O documento, que deve ser publicado ainda este mês, contém 634
depoimentos de pessoas que testemunharam ou foram vítimas da violência
policial na operação, no dia 22 de janeiro.
O presidente do Condepe, Ivan Seixas, em entrevista ao Portal Linha Direta, classificou o episódio de Pinheirinho
como invasão. “Foi um verdadeiro show de horrores que assustou a
todos”, disse, denunciando que a polícia atacou e expulsou a população.
Conforme o relatório, a ocupação do Pinheirinho era “eminentemente
familiar”, com forte presença de crianças e adolescentes – 677 na faixa
etária até 11 anos. Neste caso, diz o documento, um dos efeitos foi
quebra do vínculo das crianças e adolescentes com a escola e a creche, o
que gerou confusão nos primeiros dias nos alojamentos para onde foram
levadas as famílias. Nos quatro abrigos temporários, o Condepe registrou
a presença de 1.069 crianças e adolescentes e de 50 idosos.
O conselheiro Renato Simões, relator do caso no Condepe, disse que o
objetivo do trabalho é “dar voz às vítimas e cobrar do Ministério
Público, da Defensoria Pública e de outros órgãos do estado às
providências”. O documento será entregue à Procuradoria-Geral de Justiça
de São Paulo, à Defensoria Pública, a órgãos do governo do estado e do
município de São José dos Campos e ao Congresso Nacional.
Dono do terreno
Oficialmente, o terreno onde ficava o Pinheirinho pertence ao
megaespeculador Naji Nahas. Em entrevista à Folha de São Paulo neste fim
de semana, ele admite que é o detentor do terreno onde viviam cerca de 9
mil pessoas e declara: “eu faço o que eu quiser do terreno. É problema
meu. É engraçado me censurarem por eu ser o único beneficiário dessa
reintegração de posse. Sou, sim, mas sou o dono. Paguei pelo terreno e
fiquei oito anos sem poder usá-lo.”
A reintegração de posse foi organizada e, em grande medida, custeada
pela empresa RS Administração e Construção. Os dois mil PMs mobilizados
na ação detiveram 32 pessoas, das quais nove ficaram presas. Os feridos
foram dez, segundo informações oficiais – um deles a bala.
Desocupado o terreno, destruídas as casas, Nahas disse à Folha que
agora sonha em erguer ali “um bairro lindo”. Nome? “Esperança”, ele
cogita – e logo explica: “Esperança de o governo resolver o problema
desses coitados”.
— Esperança já está cotada em pelo menos R$ 500 milhões, fora gastos
com infraestrutura e moradias. Esse é o valor da terra, nas contas de
Rodrigo Capez, juiz assessor da presidência do Tribunal de Justiça de. O valor venal do terreno está na casa dos R$ 80 milhões. Mas
já se falou que valia R$ 300 milhões.
Comprado em 1981 de Benedito Bento Filho, conhecido operador
imobiliário de São José dos Campos, por Cr$120 milhões (hoje,
equivalentes a R$ 6,2 milhões) o terreno era um grande pomar, com 32 mil
árvores frutíferas
Pedido de explicações
O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que acompanha o caso, considera os
dados, reunidos no relatório, muito importantes porque deixam claro que
algo muito grave aconteceu que suplantou a decisão de se tentar uma
saída pacífica para o impasse. Em fevereiro, Suplicy tornou público
denúncias de abuso sexual cometidos contra duas mulheres e um jovem, por
policiais militares.
Sobre a questão do direito à propriedade, que justificou a invasão, o
senador estranha o fato de o direito à propriedade de pessoas mais
humildes não ter sido respeitado. “Em dois dias, o patrimônio daquelas
famílias foi colocado abaixo e eles perderam móveis, eletrodomésticos,
documentos, fotografias e tudo o que reuniram durante a vida”, lembrou.
Para Suplicy, é importante que o relatório seja analisado pelo
Ministério Público, pela Procuradoria de Justiça do Estado de São Paulo e
pelo Conselho Nacional de Justiça. “Precisamos de explicações”, disse
ele.
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