Só setor financeiro privado e grandes transnacionais ganham com privatizações
por Maria Lucia Fattorelli
Em meio a insistentes ataques da grande mídia à “corrupção” de
autoridades dos três poderes institucionais, uma verdadeira corrupção
institucional está ocorrendo no campo financeiro e patrimonial do país,
destacando-se: privatização da previdência dos servidores públicos,
privatização de jazidas de petróleo — inclusive do pré-sal –,
privatização dos aeroportos mais movimentados do país, privatização de
rodovias, privatização de hospitais universitários, privatização de
florestas, privatização da saúde, educação, segurança…
E muitos outros serviços essenciais, que recebem cada vez menor
quantidade de recursos haja vista a luta de 20 anos pela implantação do
piso salarial dos trabalhadores da Educação, a recente greve dos
policiais na Bahia, ausência de reajuste salarial para os servidores em
geral, entre vários outras necessidades não atendidas, evidenciada
recentemente na tragédia dos moradores do Pinheirinho em São Paulo,
enquanto o volume destinado ao pagamento de Juros e Amortizações da
Dívida Pública continua crescendo cada vez mais.
Qual a justificativa para a entrega de áreas estratégicas ao setor
privado? Por que criar um mega fundo de pensão para os servidores
públicos do país quando os fundos de pensão estão quebrando no mundo
todo, levando milhões de pessoas ao desespero? Por que leiloar jazidas
de petróleo se a Petrobrás possui tecnologia de ponta? Por que abrir mão
da segurança nacional ao entregar os aeroportos mais movimentados para
empresas privadas e até estrangeiras? Por que privatizar os hospitais
universitários se esses são a garantia de formação acadêmica de
qualidade? Por que privatizar florestas em um mundo que clama por
respeito ambiental? Por que deixar que serviços básicos, sejam
automaticamente privatizados, a partir do momento em que se corta
recursos destas áreas? O que há de comum em todas essas privatizações e
em todas essas questões?
O ponto central está no fato de que o beneficiário de todas essas
medidas é um ente estranho aos interesses do povo brasileiro e da Nação.
Os únicos beneficiários têm sido o setor financeiro privado e as
grandes transnacionais.
Então, por que o governo tem se empenhado tanto em aprovar todas
essas medidas contrárias aos interesses nacionais? E o que diz a
grande mídia a respeito dessas medidas indesejáveis? Não divulga a
posição dos afetados e prejudicados por todas essas medidas, mas promove
uma completa “desinformação” ao apresentar argumentos falaciosos e
convincentes propagandas de que o Brasil vai muito bem e que a economia
está sob controle.
Ora, se estamos tão bem assim, qual a razão para rifar o patrimônio
público? Por que esse violento round de privatizações partindo
justamente de quem venceu as eleições acusando a privataria? Na
realidade, o país está sucateado. Vejam as estradas rodoviárias
assassinas e a ausência de ferrovias; a desindustrialização; o
esgotamento de nossas riquezas; as pessoas sem atendimento hospitalar,
com cirurgias adiadas até a morte; os profissionais de ensino
desrespeitados e obrigados a assumir vários postos de trabalho para
sustentar suas famílias; o crescimento da violência e do uso de drogas.
É inegável o fato de que o PIB brasileiro cresceu e já somos a 6ª
potencia mundial, mas o último relatório da ONU mostra que ocupamos a
vergonhosa 84ª posição em relação ao atendimento aos direitos humanos,
de acordo com o IDH [1], o que é inadmissível considerando as nossas imensas riquezas.
Algo está muito errado. Não há congruência entre nossas riquezas e
nossa realidade social. Não há coerência entre o discurso ostentoso e a
liquidação do patrimônio nacional. Dizem que temos reservas
internacionais bilionárias, mas não divulgam o custo dessas reservas
para o país, o dano às contas públicas e ao crescimento acelerado da
dívida pública brasileira que paga os juros mais elevados do mundo.
Dizem que temos batido recordes com exportações, mas não divulgam
que lá de fora, valorizam os preços das chamadas “commodities” e o que
fazemos: aceleramos a exploração dos nossos recursos naturais e os
exportamos às toneladas. Mas quem ganha já não é o país, pois as
minas, as siderúrgicas e o agrobusiness já foram privatizados há muito
tempo.
Outra grande falácia é de que o Brasil está tão bem que a crise
financeira que abalou as economias dos países mais ricos do Norte –
Estados Unidos e Europa – pouco afetou o país. A grande mídia não
divulga, mas a raiz da atual crise “da Dívida” que abala as economias
do Norte está na crise do setor financeiro.
A crise estourou em 2008 quando as principais instituições
financeiras do planeta entraram em risco de quebra. Tal crise dos bancos
decorreu do excesso de emissão de diversos produtos financeiros sem
lastro – principalmente os derivativos — possibilitada pela
desregulamentação e autonomia do setor financeiro bancário. Embora
tivessem agido com tremenda irresponsabilidade na emissão e especulação
de incalculáveis volumes de papéis sem lastro, tais bancos foram
“salvos” pelos países do Norte à custa do aumento da dívida pública, que
agora está sendo paga por severos planos de ajuste fiscal contra os
trabalhadores e crescente sacrifício de direitos sociais.
Apesar da monumental ajuda das Nações aos bancos, o sistema
financeiro internacional ainda se encontra abarrotado de derivativos e
outros papéis sem lastro – tratados pela grande mídia como “ativos
tóxicos”. Grande parte desses papéis foi transferida para “bad Banks” [2] em várias partes do mundo, à espera de serem trocados por “ativos reais”, principalmente em processos de privatizações.
Assim funcionam as privatizações: são uma forma de reciclar o
acúmulo de papéis e transferir as riquezas públicas para o setor
financeiro privado. Relativamente à privatização da Previdência dos
Servidores Públicos, o Projeto de Lei PL-1992 cria o FUNPRESP que, se
aprovado, deverá ser um dos maiores fundos de pensão do mundo.
Na prática, esse projeto se insere em tendência mundial ditada pelo
Banco Mundial, de reduzir a participação estatal a um benefício
mínimo, como alerta Osvaldo Coggiola, em seu artigo “A Falência Mundial dos Fundos de Pensão”:
“Com este esquema, o que se quer é reduzir a aposentadoria estatal
de modo a diminuir o gasto em aposentadorias e aumentar os pagamentos da
dívida do Estado.”
A dívida brasileira já supera os R$ 3 trilhões. A grande mídia não
divulga esse número, mas o mesmo está respaldado em dados oficiais [3].
Os fundos de pensão absorvem grandes quantidades de papéis, pois
funcionam trocando o dinheiro dos trabalhadores por papéis que circulam
no mercado financeiro. Os tais “ativos tóxicos” estão provocando sérios
danos aos fundos de pensão, como adverte Osvaldo Coggiola: “… duas
Agentinas e meia faliram nos Estados Unidos como produto da crise
do capital, levando consigo os fundos de pensões lastreados em suas
ações. Na Europa, a situação não é melhor. A OCDE advertiu sobre o
grave risco da queda nas Bolsas sobre os fundos privados de pensão,
cuja viabilidade está ligada à evolução dos mercados de renda variável:
“Existe o risco de que as pessoas que investiram nesses fundos recebam
pouco ou nada depois de se aposentar”.
O art. 11 do PL-1992 não permite ilusões quanto ao risco para os
servidores federais brasileiros, pois assinala que a responsabilidade do
Estado será restrita ao pagamento e à transferência de contribuições
ao FUNPRESP. Em outras palavras, se algo funcionar errado com o
FUNPRESP; se este adquirir papéis podres ou enfrentar qualquer revés,
não haverá responsabilidade para a União, suas autarquias ou fundações.
Previdência é sinônimo de segurança. Como colocar a previdência em
aplicações de risco? Qual o sentido dessa medida anti-social?
O gráfico a seguir revela porque a Previdência Social tem sido alvo
de ferrenhos ataques por parte do setor financeiro nacional e
internacional: o objetivo evidente, como também alertou Osvaldo
Coggiola, é apropriar-se dos recursos que ainda são destinados à
Seguridade Social para destiná-los aos encargos da dívida pública.
As diversas auditorias cidadãs em andamento no Brasil e no exterior,
bem como a auditoria oficial equatoriana (2007/2008) e a CPI da
Dívida no Brasil (2009-2010) têm demonstrado que o único beneficiário do
processo de endividamento público tem sido o setor financeiro.
No Brasil, o gráfico a seguir denuncia o privilégio da dívida, pois a
dívida absorve quase a metade dos recursos do orçamento federal, o
que explica o fabuloso lucro auferido pelos bancos aqui instalados,
enquanto faltam recursos para as necessidades sociais básicas, tornando
nosso país um dos mais injustos do mundo.
É urgente unir as lutas contra a privatização do que ainda resta de
patrimônio público no Brasil, pois é para pagar a dívida pública e
preservar este modelo de “Estado Mínimo” para o Social – e “Estado
Máximo” para o Capital – que as riquezas nacionais continuam sendo
privatizadas.
[1] IDH = Indice de Desenvolvimento Humano
[2] Bad banks = instituições paralelas, criadas para absorver grandes quantidades de “ativos tóxicos” que alcançaram volumes tão elevados que passaram a comprometer o funcionamento do sistema financeiro mundial. Até mesmo o G-20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo) chegou a pautar, na última reunião ocorrida en Cannes, a preocupante questão do Sistema Bancário Paralelo.
[3] Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida.
[2] Bad banks = instituições paralelas, criadas para absorver grandes quantidades de “ativos tóxicos” que alcançaram volumes tão elevados que passaram a comprometer o funcionamento do sistema financeiro mundial. Até mesmo o G-20 (grupo dos 20 países mais ricos do mundo) chegou a pautar, na última reunião ocorrida en Cannes, a preocupante questão do Sistema Bancário Paralelo.
[3] Elaboração: Auditoria Cidadã da Dívida.
Nota: O valor de R$ 708 bilhões inclui o chamado “refinanciamento” ou “rolagem”, pois a CPI da Dívida Pública comprovou que parte relevante dos juros são contabilizados como tal.
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