No bojo da denúncia oferecida pelo
Ministério Público Federal contra o Coronel reformado do Exército
Sebastião Curió por crimes de seqüestro qualificado contra cinco
militantes comunistas durante a guerrilha do Araguaia (1972-1975) está o
ineditismo de ser a primeira ação criminal contra agentes da repressão
política que atuaram fervorosamente para sufocar a necessária
resistência democrática contra o regime dos generais que, enfim,
mergulharam o país numa noite histórica de 21 anos marcada pela censura,
prisões arbitrárias, torturas e desaparecimentos forçados.
Os procuradores do Pará, Rio Grande do
Sul e de São Paulo merecem o apoio da consciência nacional do país
tupiniquim porque, ao ajuizarem processo judicial contra uma das figuras
mais emblemáticas da ditadura militar brasileira, estão absolutamente
antenados ao pleno desenvolvimento de nossa dimensão democrática.
Acontece que Sebastião Curió, além de ter
cometido os crimes ora denunciados por nossos corajosos procuradores
federais, certamente realizou muitos outros e dentre eles está no fato
de ter liderado, no curso dos anos que se seguiram ao contencioso, as
famigeradas operações de limpeza a todo e qualquer vestígio aos
acontecimentos insurgentes das matas do Pará.
A ordem era apagar tudo, violar túmulos nas selvas, incendiar corpos ou jogá-los nos caudalosos rios Araguaia ou Tocantins.
Os pouco afeitos ao tema devem perguntar: o que foram as operações de limpeza¿
Com
a débâcle do movimento guerrilheiro, toda a região do Araguaia fora
esquadrinhada por agentes repressivos que atuaram para recolher os
restos mortais daqueles que lutaram nas selvas amazônicas, sempre em
condições desiguais, e destinaram os despojos de dezenas de brasileiros à
condição de “eternos” desaparecidos políticos.
A primeira operação deste tipo, em 1976,
contou até com a presença do General Euclides Figueiredo que à época
chefiava a 8ª Região Militar com sede na cidade de Belém. O general
citado acima era irmão de outro general, o João Baptista, que logo
depois seria o último militar a ocupar a presidência do país.
Isso vai sempre nos sugerir que tais
ações sempre contaram com a orientação e apoio das mais altas esferas do
poder de então, ocupada à época por estreludos generais. É fundamental
asseverar que a própria ordem de eliminação dos combatentes fora dada
pelos presidentes Garrastazu Médici e Ernesto Geisel. O agora denunciado
Sebastião Curió revelou em 2009 aos jornalistas Leonencio Nossa e Dida
Sampaio de “O Estado de São Paulo” que 41 guerrilheiros do Partido
Comunista do Brasil (PC do B) foram presos vivos e depois sumariamente
executados, tudo de forma fria e covarde.
No curso das pesquisas realizadas nos
últimos anos revelam que várias operações de limpeza foram realizadas na
região conflagrada do Araguaia e é possível que até 2004 tenham
ocorrido ações deste tipo.
Eu e Diva Santana, irmã da desaparecida
política Dinaelza Santana Coqueiro, escutamos de um ex-militar, ainda no
período dos trabalhos do Grupo de Trabalho Tocantins (GTT) do
Ministério da Defesa que, naquele ano, uma operação de limpeza fora
realizada na “Base de Selva Cabo Rosa”, sediada nas cercanias da cidade
de Marabá, sul do Pará. Naquele episódio tal ex-militar teria visto
Sebastião Curió no 52º Batalhão de Infantaria de Selva (Bis), primeiro
dos cinco quartéis construídos na Transamazônica para combater as Forças
Guerrilheiras do Araguaia.
É bom que se diga que em 2004 o governo
de Lula instituiu uma comissão interministerial para atuar na questão
dos desaparecidos políticos do Araguaia e tal comissão esteve na “Base
de Selva Cabo Rosa” apartir de uma denúncia de outro ex-militar que
anonimamente indicava um local de inumação de combatentes araguaianos.
Tal comissão de Brasília não logrou êxito nas buscas realizadas naquela
base do Exército brasileiro.
Neste caso há uma flagrante quebra de
hierarquia porque é o Presidente da República o principal comandante de
nossas forças armadas.
Não tenho dúvidas de que o Coronel
Sebastião Curió continua bastante ativo, sempre no sentido de pôr para
baixo do tapete da memória nacional os crimes cometidos pela ditadura
militar, onde o mesmo foi um dos seus principais protagonistas.
No caso brasileiro não há torturadores ou
generais brutamontes de pijamas. Todos aqueles que têm sangue nas mãos e
assassinatos sobre os ombros continuam operando para que nunca saibamos
de seus intentos criminosos. O caso de antigos agentes do DOI-Codi
encastelados na Agência Brasileira de Inteligência, no Pará, é bastante
emblemático.
Nos dois últimos anos Curió tem sido
denunciado por promover ameaças, intimidações e até assassinatos contra
antigos colaboradores (como é o caso de Raimundo Clarindo do Nascimento,
o “Cacaúba”, morto em junho de 2011 na Serra Pelada, município de
Curionópolis-Pa) e ex-militares que resolveram falar sobre tais
operações de limpeza.
Cabe ressaltar que os ex-soldados foram
os primeiros a confirmar que de fato ocorreram as canhestras operações
de limpeza no Araguaia e, inclusive, realizaram extensos depoimentos à
Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria Nacional de
Direitos Humanos da Presidência da República no final do primeiro
semestre de 2011.
A prisão imediata do Coronel Curió é uma
necessidade histórica para que o país conceda aos familiares dos
desaparecidos políticos na guerrilha do Araguaia o secular direito de
promover a última e digna morada para aqueles brasileiros, os
verdadeiros heróis, como muitos outros, de nossas liberdades públicas.
Enquanto não esclarecermos os violentos
acontecimentos do período ditatorial brasileiro (1964-1985) e punirmos
severamente seus autores e beneficiários estaremos sempre um passo atrás
na conquista de amplos direitos para a imensa maioria de nosso povo. A
plena realização do direito à memória e à verdade é uma exigência para o
futuro de progresso social e conforto espiritual que haveremos de
construir no país brasileiro.
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